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Como você sabe que está mentindo?

Participante: Sei que não aconteceu, que é imaginação.

Vamos deixar isso mais explícito.

Alguém te pede esmola e você diz que não tem dinheiro. Você sabe que está mentindo. Como você sabe que está mentindo?

Participante: Porque sei que estou inventando algo que não é fato.

Isso mesmo! E tem mais…

Participante: Sei que os fatos não correspondem ao que estou falando.

Explique melhor isso.

Participante: O fato é Xis e estou falando Ípsilon. Minha afirmação é diferente do fato.

Exato! O fato é que você tem dinheiro. Mas o que você diz ao pedinte não é descrição do fato, é descrição de uma imaginação. A imaginação não corresponde ao fato. Você sabe disso, então, você sabe que está mentindo. Mas o pedinte não sabe que você está mentindo. Por que não?

Participante: Porque o pedinte não tem acesso ao meu bolso nem a minha imaginação.

Isso mesmo! E como o pedinte pode saber que você está mentindo?

Participante: Desse jeito não pode. Mas o pedinte pode enfiar a mão no meu bolso e constatar que de fato tenho dinheiro no bolso.

Ótimo! Vou resumir antes de prosseguirmos. Você mentindo é você descrevendo uma imaginação como se fosse fato. Você sabe que está mentindo porque tem acesso aos seus fatos e imaginação. Como o outro não tem o mesmo acesso, fica impossibilitado de saber que você está mentindo. Está claro isso?

Participante: Sim, está claro.

Agora vou trocar o termo “fato” por “gabarito”. O dinheiro que você tem no bolso é o gabarito. Você está mentindo porque o que você diz para o pedinte não está EM acordo com o gabarito. Se não está EM acordo, como está?

Participante: Está SEM acordo.

Mentira = sem acordo com o gabarito. Essa é a definição de mentira que vamos usar para entendermos o outroísmo submisso. Sendo assim, pergunto: para você poder mentir, o que é imprescindível existir?

Participante: Existir gabarito.

Exato! Sendo que mentira é quando sua manifestação está SEM acordo com o gabarito, para que você possa mentir, tem que existir gabarito, senão, como sua manifestação pode estar SEM acordo com algo que não existe? Não pode!

É por isso também que você não consegue mentir para si mesmo. Você sabe dos seus gabaritos, sabe do que está acontecendo dentro de você. Por exemplo, quando você diz que está adorando uma festa que está detestando, você sabe que está mentindo porque sabe que está detestando.

Outroísmo submisso é fingimento. É quando você nega sua unicidade (gabarito) fingindo ser outro.

Para ilustrar, vou contar uma história mitológica.

Giges era um pastor que morava na cidade de Lídia. Um dia Giges encontrou um anel no dedo de um cadáver. Giges pegou o anel e foi para uma reunião de pastores. Em certo momento da reunião, Giges colocou o anel no dedo e ficou invisível para os pastores. Quando retirou o anel, voltou a ficar visível. Giges decidiu tirar vantagem do poder do anel. Seduziu a rainha, convenceu-a a matar o marido e se tornou rei.

Como o mito de Giges pode nos ajudar no entendimento do outroísmo submisso?

Quando Giges fica invisível, ninguém vê o que ele está fazendo, é como se Giges não existisse para os outros, então, ninguém têm como censurá-lo. Essa é a leitura tradicional do mito de Giges. Mas podemos pensar também que do ponto de vista de Giges, quando ele está invisível, quem deixa de existir não é ele, são os outros. Por isso que Giges se permite fazer o que quer quando está invisível e volta ao normal quando está visível.

Quando Giges está invisível, Giges é Giges, vive EM acordo com seu próprio gabarito, vive do jeito que quer viver. E por quê?

Participante: Porque não existe a possibilidade de censura do outro.

Isso mesmo! E quando Giges está visível, Giges é outro, vive EM acordo com o gabarito dos outros e SEM acordo com o próprio. Por quê?

Participante: Porque existe a possibilidade de censura do outro.

O que o mito de Giges nos conta sobre o viver de Giges?

Participante: Que tem dois jeitos de Giges viver.

Isso! Giges pode viver EM acordo com seu gabarito ou SEM acordo.

O mesmo acontece com você. Você também tem essas duas opções. Você pode viver:

A) EM acordo com seu gabarito, sendo você de verdade.
B) SEM acordo com seu gabarito, sendo você de mentira.

Claro que seu impulso natural é viver sendo você de verdade. Então, para que haja desafio, tem que haver algo que te convença a optar pelo anti-natural. Tem que ter uma serpente no paraíso. Que serpente é essa?

Participante: Medo

Medo do que?

Participante: Do julgamento, da opinião do outro.

É mais convincente do que isso!

Participante: Medo de não ser aceito.

O oposto de aceitação é rejeição, então, você teme a rejeição, a reprovação, a censura. Coloque tudo isso numa palavra só, que palavra é essa?

Participante: Não sei.

Volte na infância e verá como isso tem se repetido desde seu primeiro instante de vida. Pense em Giges visível. Se Giges ficar visível e viver como quer, o que acontecerá com Giges?

Participante: Será punido.

Exatamente. O desafio é a punição. Giges quer viver do seu jeito, mas se faz isso visivelmente, pode ser punido. O anel resolve isso. Quando Giges coloca o anel ele não fica só invisível, fica impune também.

O jeito de viver de Giges representa o viver outroísta submisso. Mas por que viver sendo outro? Qual é o benefício?

Participante: Evitar ser punido.

Exato! Você opta pelo outroísmo submisso para evitar sofrimento. Mas é bom viver sendo outro? Você calça 38, mas opta por usar 32. É bom isso? Você gosta de tocar violão, mas opta por trabalhar de advogado. É bom isso? Você gosta de chinelo e bermuda, mas opta por usar terno, gravata e sapato. É bom isso?

Participante: Não! É ruim!

Percebe o que é o outroísmo submisso? Para não ser punido pelo outro, você tem a brilhante ideia de se punir primeiro. “Ninguém vai pisar em mim, eu mesmo vou me martelar!”. Para não ser punido, você mesmo se pune. Para não sair do paraíso, você mesmo se expulsa. Essa é a genialidade do outroísmo submisso. E o pior é que além de você se punir, o outro vai te punir também.

Participante: Melhor fazer o que quero já que o outro me pune de qualquer jeito.

Exato! Na adolescência isso acontece muito. Você se submete à imposição do grupo para ser aceito no grupo. Só que ainda assim o grupo despreza você, caçoa de você e sacaneia você. Resultado: são dois sofrimentos, duas punições.

Nas relações de pais e filhos isso também acontece muito. Você faz o que seus pais querem para não ser punido ou não ficarem chateados com você. Tem filho que faz faculdade que não gosta para agradar os pais. Daí, a cada dia que passa, o filho vai ficando mais magoado com os pais, porque todos os dias está fazendo algo que não gosta, porque se sente torturado. Só que não. É o filho que está se autotorturando.

Em suma, pergunto: o que é ficar invisível?

Participante: É mentir.

Sim, mas do ponto de vista de Giges, o que é mentir? Qual é seu objetivo com isso?

Participante: Burlar o jogo.

Exato! Quando Giges coloca o anel e fica invisível, ele está tentando fazer com que a causa não corresponda ao efeito. Giges quer optar, mas não quer experimentar o resultado de sua opção. Giges quer ficar impune. Na história Giges consegue, mas na prática é impossível. E pior! É tiro no pé! Pois além de você ser o primeiro a se punir, ainda assim o outro pode punir você.

Última pergunta: usando o mito de Giges, o que é autoísmo?

Participante: Autoísmo é viver EM acordo com o próprio gabarito sem o anel.

Bingo! Autoísmo é você se bancando. É você se permitindo ser você de verdade apesar da possibilidade de punição dos outros.

Um velho e um menino viajavam por uma estrada de terra puxando um burro.

Uma pessoa disse: “Que burrice! Vocês dois andando a pé e o burro de carga sem carga!”.

O velho colocou o menino em cima do burro.

Outra pessoa disse: “Que preguiça! Um menino cheio de vitalidade em cima do burro e um pobre velho andando a pé!”.

O menino desmontou do burro e o velho subiu no lombo do burro.

Outra pessoa disse: “Que maldade! Um homem feito em cima do burro e um menino franzino andando a pé!”.

O menino subiu em cima do burro junto com o velho.

Outra pessoa disse: “Que crueldade! Dois homens em cima de um pobre burrico!”.

O velho e o menino desceram do burro e colocaram o burro nas costas.

Moral da história: Se você vive para satisfazer as expectativas dos outros, eis porque não consegue nunca e sente como se estivesse levando um burro nas costas.

Um dos maiores obstáculos para o autoconhecimento é a idolatria. Por isso é fundamental rasgar os livros e matar os mestres. Não porque as coisas que ensinam estejam erradas, mas porque não é coisa sua (evidente), é coisa emprestada (acreditada). O máximo que os livros e os mestres podem fazer por você é lhe dar conceitos. Mas autoconhecimento é conhecer a si mesmo, não é conhecer um conceito. Você não é um conceito.

Outra coisa, é que nenhum livro ou mestre tem acesso a você. Só você pode saber de si. Então, embora os conceitos que os livros e os mestres lhe ensinam possam lhe ajudar com os primeiros passos, do meio para frente, viram o obstáculo. Rasgar os livros e matar os mestres é como ficar órfão. Por isso você resiste.

Então, você continuará idolatrando os livros e os mestres até entender que só tem um livro para ler: você. E só tem um mestre a seguir: o óbvio. Quando entender isso, todos os livros queimados e mestres mortos ressuscitarão, mas ao invés de caminharem por você, caminharão com você.

Nunca tive um mísero músculo na barriga. Meus músculos abdominais parecem não ter esse dom. Por isso sinto inveja de quem tem barriga de tanquinho. Só que inveja não pode! A moral e os bons costumes não permitem inveja. E o que faço com essa inveja aqui? Tranca no porão!

Negar a inveja é lidar mal com a inveja. Não tem nada de errado com a inveja. O que atrapalha é não saber usar a inveja como informação de autoconhecimento. Inveja é admiração. Só isso. Na verdade, eu não tenho inveja de quem tem barriga de tanquinho, eu admiro corpo esbelto. Mas se levo a inveja para o porão, nunca descubro isso.

Outro dia, um amigo gordinho apareceu sarado. Bati o olho e fiquei com inveja. Só que ao invés de me chicotear e levar a inveja para o porão, admiti. Saboreei a inveja como se estivesse chupando uma bala. Quanto mais ficava consciente da inveja, mais ela se transformava em admiração.

Negar o que estamos sentindo não elimina o que estamos sentindo. O primeiro passo para lidar bem com o que estamos sentindo é admitir o que estamos sentindo. Negamos a inveja, a cobiça, a vergonha, o medo, a preguiça, a crueldade, etc, porque não entendemos que são informações de autoconhecimento. Quando entendemos isso, não precisamos negar nada. Admitimos tudo. Jogamos luz (lucidez) no sentimento. Fim do mal viver.

O nadador americano, Ryan Lochte, que mentiu sobre ter sido assaltado nas olimpíadas, contratou um gerenciador de crise para salvar sua imagem. Novo recorde do pleonasmo! Gerenciador de crise é um jeito mentiroso de dizer marketeiro. Marketing é um jeito mentiroso de dizer mentira. Ryan Lochte contratou um mentiroso melhor que ele para pintar sua cagada de ouro.

Bosta tem cheiro de bosta, cor de bosta, gosto de bosta. Pintar a bosta de ouro não muda a natureza da bosta. O problema é que não temos acesso a bosta de verdade, só temos acesso ao que dizem da bosta. A bosta que chega até nós, não é a bosta, é a fotografia da bosta. E a fotografia não é a fotografia, é photoshop.

Ryan Lochte contratou um operador de photoshop para deixar ele bem na foto. Ele tentou photoshopar sua cagada sozinho, mas descobriram as fotos originais. A merda veio a tona. Ryan Lochte no ventilador. Fato contra foto. Ryan Lochte precisou de help.

É triste ver que o apogeu da inteligência humana se resume a resolver cagadas pintando a bosta de ouro. E não me refiro apenas ao nadador americano. Ryan Lochte não é americano, é humano. O comportamento dele é meu, é seu, é nosso. Essa cagada nos representa.

Acreditamos que o controle é executado apenas através do poder e da força. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Mas isso é um equívoco. Existem duas formas de controlar o outro. Podemos controlar o outro através da força, mas também podemos controlar o outro através da mentira. Controlar o outro através da mentira é muito mais comum. Todos os dias, em vários momentos, usamos a estratégia da mentira para controlar a opinião dos outros, a confiança, o arbítrio e o comportamento dos outros.

O filme Parasita mostra isso através do comportamento mentiroso da família Kim. De certa forma, a mentira é uma estratégia muito mais inteligente e eficaz que o poder, pois através da mentira você controla o outro sem necessidade de confronto, guerra, armas e desgaste de energia. Mas não existe almoço grátis no universo. A mentira também tem um preço. Aliás, dois preços.

O primeiro preço da mentira é ter que sustentar a mentira com outra mentira, e daí sustentar a outra mentira com outra mentira, e daí sustentar a outra mentira com outra mentira e assim por diante. Viver mentindo é muito estressante. Você não tem paz. O segundo preço da mentira é que para aparentar ser algo que você não é, você precisa viver em autonegação. Você precisa fingir que gosta do que não gosta, que concorda com o que não concorda, que ama o que não ama. Enfim, você precisa fingir que você não é você, que você é outro.

Então, um efeito colateral da autonegação é que você se condena a viver no porão. Sua verdade não pode vir à tona. Sua verdade precisa ficar escondida a sete chaves. Sua verdade não é bem vinda. E a solução é trancar sua verdade no porão. Viver em autonegação dói. É como se você fosse uma barata que ao primeiro sinal de perigo precisa se esconder debaixo da mesa. É como se você fosse uma mola se obrigando a encolher cada vez mais. Você vai se encolhendo, se encolhendo, até que chega um ponto que você não aguenta encolher mais e você explode.

O filme Parasita mostra tudo isso e deixa a pergunta na tela: vale a pena pagar os dois preços da mentira?

Uma mulher se senta ao lado de um homem elegante durante uma viagem de avião. Os dois começam a conversar. Depois de um tempo de conversa, o homem diz para mulher:

— Você me disse que é casada, mas você é muito atraente e eu sou muito rico. Você aceita fazer sexo comigo por um milhão de dólares quando descermos desse avião?

— Sim, claro! — responde a mulher.

Após uma pausa, o homem completa:

— E por dez reais?

A mulher, indignada, responde:

— Não mesmo! Você está pensando o quê? Que sou prostituta?

O milionário responde:

— Isso já ficou claro com a primeira pergunta, agora estou negociando o preço.

Outroísmo submisso é prostituição existencial (prostituição da unicidade). Quando você vive outroísta submisso, você está prostituindo sua unicidade (integridade) a fim de subtrair algum capital do outro, geralmente capital afetivo (amor). Muitos vivem assim. Alguns se prostituem por milhões de dólares e outros por migalhas de afeto. E você? Qual é seu preço? Ou com você não tem negócio?

Na prática, todos fazemos sexo. Na teoria, quem faz sexo para matar a fome de sexo, é praticante, quem faz sexo para a matar fome de arroz, feijão, bife à milanesa ou bolsa da Louis Vuitton, é puta. Por que a diferença teórica se a prática é a mesma?

Há quem diga que falta amor. Se for isso, então, putas são putas por terem aquela qualidade que tanto idolatramos no mercado de trabalho: profissionalismo.

Prostitutas fazem sexo por dinheiro. Tudo ao gosto do cliente: égua, ana, tiazinha, cadela, lolita, roberta. Profissionalismo ISO 9000. O cliente pode ser muçulmano, desdentado, padre, comunista, bissexual, trissexual, escambau. Pagou, gozou.

Será que temos consciência do que é profissionalismo? Acho que só tem um jeito de saber. Quem não é puta levante a mão! Vamos lá! Quem não abre as pernas para o que vem de César? Quem não dança na boquinha da garrafa de Adam Smith? Fale agora! Ninguém!?

Então, está na hora de parar com essa hipocrisia. Quem sabe nos tornamos melhores profissionais, ou então, ligamos o foda-se para o profissionalismo e o dinheiro. Vamos trabalhar só para quem dá tesão de beijar na boca ou carinho de beijar na testa.

Imagine que você nasceu e viveu a vida inteira em uma sociedade que acredita que a terra é plana feito uma pizza. Eu sei que parece um absurdo, que ninguém acreditaria nisso, mas use a imaginação e pense numa sociedade hipoteticamente assim. Desde a infância você ouviu todos seus familiares falando que a terra é plana. Na escola, todos os livros mostravam ilustrações de uma terra plana. Todos os professores lhe ensinaram que a terra era plana. Sendo assim, se alguém lhe dissesse que a terra é redonda, você acreditaria?

Agora, imagine que você nasceu e viveu a vida inteira em uma sociedade que acredita que você não pode ser o que quer. Eu sei que isso parece um absurdo, que ninguém acreditaria nisso, mas use a imaginação e pense numa sociedade hipoteticamente assim. Desde a infância você ouviu todos seus familiares falando que você não pode ser o que quer. Na escola, todos os livros mostravam ilustrações afirmando que você não pode ser o que quer. Todos os professores lhe ensinaram que você não pode ser o que quer. Sendo assim, se alguém lhe dissesse que você pode ser o que  quer, que basta você optar por isso, você optaria?

É isso que o filme Tigre Branco mostra com a saga de Balram. Desde a infância, Balram tinha o potencial e o arbítrio para ser o que quisesse, mas a cultura em que Balram estava inserido não colaborava com isso. Pelo contrário, dizia que Balram tinha que ser submisso igual seus pais e os pais de seus pais, etc. Balram foi culturalmente programado para viver em autonegação e submissão. E mesmo sofrendo com isso, mesmo percebendo isso, ainda assim não conseguia se libertar dessa programação e viver em acordo com sua própria vontade. Ou seja, Balram vivia numa espécie de escravidão, mas era uma escravidão voluntária. Balram somos todos nós optando por continuar no cativeiro da uniformidade.

Era uma vez três cuzinhos que morriam de medo da vida. Então, para se protegerem, resolveram construir uma casa com mentiras de palha. Juntaram ciência de palha, autoconhecimento de palha, religião de palha, filosofia de palha, arte de palha, espiritualidade de palha, moral de palha, amor de palha, tudo de palha, e fizeram uma casa bem forte, bem protegida. Porém, assim que terminaram de construir o abrigo de palha, a vida se vestiu de ruim, e disse:

— Meus amigos, me deixem entrar!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!!

E a vida disse:

— Se não me deixarem entrar, vou soprar até a casa cair!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!! Aqui você não entra!!!

Então, a vida encheu o peito, e soprou:

— Cuuuuuuuuuuuuuuuu!

A casa de mentira de palha caiu.

Os três cuzinhos saíram correndo. Após correrem muito, os três cuzinhos raciocinaram, raciocinaram, e chegaram à conclusão de que casa feita com mentiras de palha não era segura. Para se proteger da vida, eles precisavam construir uma casa com mentiras de madeira. Juntaram ciência de madeira, autoconhecimento de madeira, religião de madeira, filosofia de madeira, arte de madeira, espiritualidade de madeira, moral de madeira, amor de madeira, etc. Os três cuzinhos trabalharam dia e noite, e assim que terminaram, a vida voltou vestida de ruim, e disse:

— Meus amigos, me deixem entrar!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!! Aqui você não entra!!!

Então, a vida encheu o peito, e soprou:

— Cuuuuuuuuuuuuuuuu!

A casa de mentiras de madeira caiu também!

Os três cuzinhos fugiram novamente. Decididos a ganhar da vida de uma vez por todas, os três cuzinhos raciocinaram, raciocinaram e chegaram à conclusão que a solução era fazer uma casa com mentiras de tijolos. Muito esforço, muito esforço, muito esforço. Juntaram ciência de tijolos, religião de tijolos, filosofia de tijolos, arte de tijolos, espiritualidade de tijolos, moral de tijolos, amor de tijolos, etc. Quando a casa de tijolos ficou pronta, a vida voltou vestida de ruim, e disse:

— Meus amigos, me deixem entrar!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!!

E a vida disse:

— Se não me deixarem entrar, vou soprar até a casa cair!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!! Aqui você não entra!!!

Então, a vida encheu o peito, e soprou:

— Cuuuuuuuuuuuuuuuu!

E a casa de mentiras de tijolos caiu feito castelo de cartas.

A vida se aproximou. Os três cuzinhos ficaram super apertados. Pensaram que a vida iria comê-los vivos. Mas a vida apenas pegou um espelho, colocou na frente deles, e disse:

— Olhem neste espelho! Eu digo “cu” porque é isto que vocês são, três cuzinhos apertados, três cuzinhos morrendo de medo da vida.

— Queremos vida boa e você é ruim! — disseram os três cuzinhos.

— É por isso que assopro suas casas! — respondeu a vida.

— Como assim? — perguntaram os três cuzinhos.

— Viver bem não é vida boa. Viver bem é lidar bem com a vida quando está boa ou ruim. Não é fugindo da vida ruim que se vive bem. E não adianta se esconder atrás de mentiras. Mentiras são folhas secas, separadas do fluxo da vida. Se querem viver bem, nutridos pela seiva viva, então, sejam folhas verdes (verdadeiras) — disse a vida.

— E como fazemos isso? — perguntaram os três cuzinhos.

— Ficando consciente do óbvio — disse a vida.

— Que óbvio? — perguntaram os três cuzinhos.

— Vida ruim não mata, ensina a viver bem — disse a vida.

— Como assim? — perguntaram os três cuzinhos.

— Viver bem é lidar bem. Decepção não mata, ensina a lidar bem com as crenças. Frustração não mata, ensina a lidar bem com as expectativas. Insatisfação não mata, ensina a lidar bem com o desejo. Prejuízo não mata, ensina a lidar bem com as perdas. Crítica, infâmia e injuria não matam, ensina a lidar bem com a opinião dos outros. E assim por diante.

— Nossa, isso é óbvio mesmo! — exclamaram os três cuzinhos.

— Então, relaxem, queridos cuzinhos! E da próxima vez que bater na porta, respondam cantando — disse a vida.

— Cantando o quê? — perguntaram os três cuzinhos.

A vida pegou um violão, tocou e cantou: — Quem tem medo de qualquer mau, qualquer mau, qualquer mau? Quem tem medo de qualquer mau? Qualquer mau, quem tem?

E os três cuzinhos viveram bem para sempre.

Todo dia você come. Todas os seres comem, sem exceção. Ser que não enche o bucho, morre. Mas comer não é saborear. Comer é mastigar, triturar e engolir. Saborear requer algo além de dentes, requer você. Viver é comer. Viver com consciência é saborear. Para engolir a realidade, basta ter sentidos, para realidade ter sentido, é preciso presença. Por isto que você se sente um morto vivo. Seu corpo está presente, sua boca está presente, a comida está presente, mas o principal está faltando: você. Vazio interior é quando o automatismo e a uniformidade comem você. A alma do negócio é saborear o negócio. Quando você desaparece do seu viver, está jogando ajinomorto no banquete vivo. Viver fica sem cor, sem cheiro e sem sabor. Quer voltar a viver? Volte para sua vida!

Educação é vaca amarela. Por isso seus educadores te colocam para assistir Galinha Pintadinha. É um aviso: bico calado ou come toda bosta dela! E, atualmente, como a vida virou um smartphone, a vaca ficou online.

Veja quantas vacas estão pastando pela sua timeline agora mesmo. Alguma vez você já conversou com elas? Alguma vez elas já conversaram com você? Nunca! Vacas online são vacas de presépio, figurativas, que você adiciona para não pastar sozinho. Se você conversar de verdade, a vaca vai para o brejo. O máximo que você pode fazer é fingir conversar, usando emojis e encaminhando posts.

E assim caminha a humanidade: amarelando.

Seu pai não fez por mal, fez por ignorância. Seu avô fez com seu pai, então, ele repetiu com você. Seu avô também não fez por mal, também fez por ignorância. Seu bisavô fez com seu avô, então, ele repetiu com seu pai, que repetiu com você. Seu bisavô também não fez por mal, também fez por ignorância. Seu tataravô fez com seu bisavô, então, ele repetiu com seu avô, que repetiu com seu pai, que repetiu com você. E assim por diante, ou melhor, assim por antes. Mas o que está feito está feito. O que você pode fazer agora é entender o feito e decidir se deseja continuar fazendo.

Mas o que foi feito? Seu pai lhe disse: “homem que é homem”. E não apenas disse, declarou com tom barítono, soturno e convicção que só um homem que é homem é capaz de ter. E o que você fez? Você acreditou. Afinal, sua autoridade tinha no máximo três centímetros, duro, enquanto que a autoridade do seu conselheiro era pelo menos três vezes maior que a sua, e se não fosse, você nem tinha nascido. Que outra opção você tinha? Você fez o que seu pai, seu avô, seu bisavô e todos seus ancestrais alfa fizeram: você acreditou.

Daí fodeu! Daí você virou coroinha da tradição, família e ancestralidade. Daí você deixou de ser um homem e se transformou num bosta. Afinal, você não tinha nenhuma das qualificações necessária para ser um homem que é homem. Você podia vir a ter as devidas qualificações e assim vir a ser um homem que é homem, porém, com uma autoridade de três centímetros, sem RG, CPF, cartão Gold e opinião crítica sobre o governo do PSPT, você nem podia ser chamado de bosta, você era um bostinha.

Mas nem tudo era espinhos. O tempo estava a seu favor. Você pensou: “Sou um bosta, mas ninguém nasce homem que é homem, meu pai também nasceu bostinha, logo, só preciso descobrir quais são as qualificações que transformam um bosta em um homem que é homem, praticar, assimilar e pronto!”. Seu raciocínio foi hierarquicamente perfeito! Foi exatamente isso que todos seus ancestrais pensaram e concluíram. Você deu o primeiro passo. Fez a matrícula. O segundo passo era descobrir o que era um homem que é homem.

“Pai, o que é um homem que é homem?”, você perguntou. Embora a resposta fosse automática e a pergunta fosse aguardada, por um instante seu pai hesitou. Ele previu seu futuro inteiro, pois seria exatamente a repetição do passado dele: uma bosta pintada de homem que é homem. Mas daí ele pensou: “A vida do meu filho não pode ser uma bosta que nem a minha!!!”. E foi assim que seu pai começou com a ladainha: “Homem que é homem isso, aquilo, murilo, grilo, crocodilo, esquilo, etc”.

Se ignorância é uma benção, sinta-se desabençoado. Depois dessa reflexão, você pode até continuar seguindo a tradição, família e ancestralidade, mas não pode mais alegar ignorância. Se você é mulher, é só trocar “pai” por “mãe”, “bosta” por “tonta” e “homem que é homem” por “mulher que é mulher”, depois aplicar a mesma lógica e destino. Agora, se você é um bosta ou uma tonta, parabéns: você é uma benção.

Definições não nascem em ovos, não frutificam em árvores, não brotam do chão, não surgem de lugar nenhum da natureza. Se você acredita em Deus, definições também não vem do espírito santo, pois não foi Deus que escreveu nenhum dos livros religiosos do mundo. Definições não são objetos naturais, nem divinos, são objetos mentais, culturais e humanos.

Definições nascem da cabeça de pessoas. Por que um metro tem exatamente o tamanho que tem? Foi Deus que definiu o tamanho do metro? Foi a natureza que cagou uma régua e disse “essa é a régua ”? Não! Um metro é uma convenção, é uma definição. Um grupo de pessoas se encontraram e definiram o tamanho do metro.

Vamos supor que hoje seja segunda-feira. Por que hoje é segunda-feira? Por que não é domingo? O que tem de intrínseco no dia de hoje que faz com que seja segunda-feira e não domingo? Não tem nada de intrínseco. Hoje é um dia igual qualquer outro dia. Hoje é hoje. O que faz com que hoje seja segunda-feira é uma convenção, uma definição.

Em algum momento, alguém definiu um calendário, provavelmente um rei para cobrar impostos, e desde então ficou convencionado os dias da semana. Todos seguem. Ninguém questiona. Fica parecendo que os dias da semana são criações da natureza ou criação divina, afinal, até Deus fez o mundo trabalhando de segunda a sábado e descasando no domingo.

Trazendo essa questão para o social, o principal a ser entendido, é que toda definição tem um definidor. Sem definidor não tem definição. Sem a definição do rei, não existiriam os dias da semana. Sem a definição dos cientistas, não existiria o metro e todas as convenções científicas. Logo, o mesmo acontece com as definições sociais.

Vamos supor que você seja considerado feio. Feio é uma definição estética. Se é uma definição, tem um definidor. Quem é o definidor? Quem define o que é feio e bonito? Vamos supor que você é considerado gay. Gay é uma definição de gênero. Se é uma definição, tem um definidor. Quem é o definidor? Quem define o que é hétero e gay? Vamos supor que você é considerado pecador, ou criminoso, ou errado. Tudo isso são definições morais. Se é uma definição, tem um definidor. Quem é o definidor?

Você não vive regulado por suas próprias definições ou você vive regulado por definições alheias? Vamos supor que você seja, Adriano, brasileiro, casado, 32 anos, encanador, pai, flamenguista, homem, carioca, feio, pobre, bem-humorado, ateu, etc. Tudo isso são definições que regulam sua vida. Quem é o definidor? Você?

Viver é decidir instante após instante. Toda decisão requer um critério de avaliação (régua). Você tem duas opções: (1) Ou você decide sua vida usando sua própria régua, (2) ou as réguas alheias decidem sua vida por você. O resultado de usar uma régua alheia, é viver uma vida alheia. O resultado de viver uma vida alheia, é viver mal. Então, para viver bem, se torne autor das suas próprias definições.

Você não quer sair da cama, por isso aperta o soneca até o limite da demissão. Ficar na cama sonhando com a demissão é tudo que mais quer, mas você não fica. Todo mundo faz o que não quer, queira ou não queira, e você não pode ser diferente. Todo mundo atravessa o dia se arrastando, queira ou não queira, e você não pode ser diferente. No fim do dia, todo mundo volta para casa sentindo o mesmo vazio, a mesma agonia, o mesmo desgosto em viver, e claro, você igualmente. Daí você acende um incenso diferente, coloca uma música diferente, faz uma meditação diferente e dorme convicto que amanhã, amanhã, amanhã, vai ser diferente.

Chantagem maternal impossibilita qualquer relacionamento saudável. A mãe grita truco e joga o sete copas: “Eu te dei a vida, moleque!”. Como não se sentir acuado? Só retrucando com o zap: “Eu não pedi para nascer”.

É maldade jogar o zap? Não. É pegar pesado? Sim! Mas quando a regra do jogo é o empirismo, que outra opção um filho tem para não ter que arrumar a cama pelo resto da vida. Aliás, vida, que por mais que ele pague, jamais será sua.

Eu já usei o zap. Minha mãe ficou chocada. “Como ousa!?” ela disse. Mas entendeu o impasse. A frase “Eu te dei a vida” versus a frase “Eu não pedi para nascer” são como o copo meio cheio e meio vazio, ambas afirmações estão certas e erradas, é questão de ponto de vista.

Dói para um filho dizer que não pediu para nascer. Mas é preciso dizer pelo menos uma vez na vida. E não como chantagem, mas como bisturi. O cordão umbilical físico é cortado pelo médico, o cordão umbilical psicológico deve ser cortado com as próprias mãos.

Sua vida é a vida que seus pais queriam para você, é a vida que sua sociedade lhe ensinou a viver, é a vida que o medo lhe vendeu junto com o seguro de vida e a aposentadoria, é a vida que a inveja e os programas de televisão assopraram em seus ouvidos, é a vida que a religião e Deus lhe deu. Resultado: sua vida não te representa.

É por isso que você se sente um fracasso. É por isso que a felicidade dos outros te incomoda. É por isso que você fuma cigarro, usa drogas, come sem parar e vive na rede social. É por isso que você tem vontade de apertar o botão de desligar e começar do zero. Puft! Vida nova! Que bom seria, né?

A boa notícia é que você pode recomeçar a qualquer instante. Você é livre para decidir como viver. Nada lhe obriga a viver de uma forma que não te representa. A má notícia é que não basta você decidir mudar, você precisa executar sua decisão.

Não basta decidir atravessar o rio, você precisa nadar até o outro lado. Decidir é o primeiro passo da mudança, mas nenhuma viagem é feita de um passo só. Caminhe. Faça a viagem de volta até você. Ou você vive diferente, ou sua vida continua igual.

PERGUNTAS

Você não convive de verdade. É fingimento. Você e o outro não foram ao cartório oficializar a farsa, mas vocês têm um contrato de fingimento. Por isso o outro te elogia e você elogia o outro. Vocês estão cumprindo o contrato. Elogiar um ao outro é uma forma de dizer: “Continue fingindo que eu também continuo”. Convivência desse tipo funciona feito jogo de xadrez, não há lugar para espontaneidade. Cada movimento precisa passar por rigorosa análise do que dirão antes de vir ao tabuleiro. É muito sofrido viver assim. Ninguém aguenta. Por isso você deseja rasgar o contrato. O outro também. Só que ninguém toma iniciativa. Fica um esperando o outro desistir do fingimento. Esperando, esperando, esperando… E é assim que cada um ajuda a perpetuar o que todos desejam que acabe.

Observe sua intenção em relação ao outro. Se sua intenção é controlar o outro, você está vivendo outroísta.

Comparação em si não é outroísmo. A comparação em si é um processo mental natural e inevitável. O processo mental da comparação acontece para que você possa diferenciar características dos objetos observados. Outroísmo acontece quando você se obriga a ser igual ao objeto ao qual está se comparando. Quando se obriga a ser igual ao outro, ou quandoobriga o outro a ser igual a você.

Viver é mar que sobe e desce alternando dores e delícias. A mesma onda que te afunda na dor, assim que muda de fase, te eleva ao pico mais alto da felicidade, depois te afunda novamente e te eleva novamente. Assim por diante, num sobe e desce sem fim. Então, só tem um jeito de evitar a dor: não vivendo.

É uma delícia passear ao ar livre sentindo a brisa, mas você pode pegar um resfriado. É uma delícia sentir o aroma das rosas, mas você pode se furar com os espinhos. É uma delícia brincar com o mágico, a trapezista, a bailarina, o domador de leões e todos os integrantes do circo humano, mas eles podem te fazer de palhaço. Viver é perigoso. Melhor não viver para não arriscar sentir dor.

E como faz para não viver? Você pensa em duas opções: Opção (A): sair da brincadeira (suicídio). Opção (B): fazer igual os três porquinhos, construir uma casa bem forte, impermeável e morar dentro dela para não ser comido pelo infortúnio, rejeição, frustração e decepção. Você se encolhe e vive entocado feito tartaruga.

Ao executar a opção (B), além de não ganhar da dor, você ainda perde a alegria de viver. Por isso volta a pensar na opção (A). Mas tem também a opção C: se permitir sentir dor. O benefício da opção (C) é finalmente conseguir realizar o motivo de ter nascido: viver.

Você acredita que se viver sendo você, espontaneamente você, o outro vai te rejeitar, te excluir, te odiar, te crucificar, enfim, vai te matar (metaforicamente falando). A menos que esse outro seja um repolho, uma melancia, uma parede, um tatu, enfim, algo não humano, você está certo, provavelmente o outro vai te matar sim. Então, o que você faz para evitar que o outro te mate? Você se suicida (metaforicamente falando). Você mesmo se mata fingindo ser outro. Fingindo ser o que não é. Você sofre com isso, claro! Imagine a dor de um cavalo se obrigando a cacarejar e botar ovo! Imagine a dor de uma águia se obrigando a rastejar feito cobra! Não tem nada mais sofrido do que viver em negação de si. É uma tortura. Então, se quer viver bem, pare de se rejeitar para ser aceito pelo outro. Você não tem obrigação de agradar ninguém. Tire essa corda do pescoço. Viva bem!

Não. É impossível deixar de ser carente. Carência é inevitável. Carência é desejo. Todo ser é desejante, então, todo ser é carente. O bem viver não vem do fim da carência. Esse é o equívoco. O bem viver vem de lidar bem com a carência.

Sim, mentir é antiético e por isso gera má convivência. Mas é pior que isso! O problema da mentira é que viver fingindo ser outro é exaustivo. Quanto maior a mentira, mais exaustivo. Mentira não se sustenta por si só, requer esforço para permanecer parecendo verdade. Mentir é igual segurar pedra. Toda pedra quer cair, quer voltar para o chão. Uma pedra só fica na sua mão enquanto você a impede de voltar para o chão. Para fingir ser outro você precisa ficar se segurando e se impedindo de ser você. Segurar uma pedra o dia inteiro já é exaustivo, muito mais exaustivo é viver se segurando a vida inteira. Ninguém aguenta, nem merece, nem precisa. Desista do peso da mentira. Abra a mão. A pedra cai sozinha.

Deve bancar seus erros, seus acertos, suas crenças, seus valores, suas preferências, tudo.

O maior evento de adoração brasileiro se chama romaria, que é um evento de adoração da mãe de Deus. Se é pecado odiar Deus, que dirá a mãe dele! O único amor verdadeiro no universo, puro, cristalino, incondicional, imaculado, é o amor de mãe. Como você vai odiar quem te ama de forma tão imaculada? Por fim, quem te deu a vida? E que dinheiro paga essa dívida? Nenhum! Entende? Segundo a mentalidade materialista, você não nasceu, você foi colocado dentro de uma dívida eterna e está condenado a pagar um boleto até morrer, pois sem sua mãe você não existiria.

Porque você não suporta a dor da rejeição. Seu viver autoísta desagrada o outro e o outro te rejeita. Para evitar a rejeição do outro, você opta pelo viver outroísta.

Seu desejo na unicidade afetiva é pelo caro. Você quer o caro e não quer o nulo. Quando o outro te aceita, significa que você é caro, valoroso. E quando o outro te rejeita, significa que você não tem valor, que é nulo. Então, para evitar a rejeição e garantir aceitação, você finge ser algo que não é.

Para construir novas crenças você precisa viver novas opções. Para viver novas opções você precisa optar por novas opções. Para optar por novas opções você precisa se permitir errar. Para se permitir errar você precisa bancar seus erros. Caso contrário, você vai ser sempre Maria Vai Com As Outras. Por que você opta por ser Maria Vai Com As Outras? Por que daí você tem em quem jogar a culpa. Eu fiz o que todo mundo faz. O problema é que tudo mundo não vive com as consequências das suas escolhas, quem vive com as consequências das suas escolhas é você. Então, ou você se banca, ou então, fica só esse blablabla de baixa estima.

Só tem um benefício: experimentar o inútil prazer de ser você.

O que precisa ficar óbvio é que não existe mãe. O que você chama de mãe é um ser humano igual você, ignorante igual você, que erra igual você. Mãe é um rótulo que você coloca em uma pessoa. Tire o rótulo e conviva com a pessoa. Boa convivência só é possível entre seres humanos e nunca entre rótulos.

Praticando autociência e ficando consciente que a pessoa falecida que você chamou de mãe era um ser humano igual você, ignorante igual você, que fez merda igual você. E ficando consciente da função espelho que o comportamento da sua mãe teve para você.

No outroísmo submisso você não aceita a opinião do outro, você finge que aceita. Aceitar e fingir aceitar são coisas diferentes. E o objetivo do seu fingimento é justamente manipular o outro para receber algum benefício. Por exemplo, o outro lhe diz que branco é cor sem vida e que a cor mais bonita é amarelo. Você prefere branco, metade do seu guarda roupa são de roupas brancas, mas para manipular o afeto do outro por você, você queima todas suas roupas brancas e compra uma tonelada de roupas amarelas. Você está sendo outroísta submisso. Agora, quando a opinião do outro coincide com a sua, daí não tem fingimento, daí você está aceitando a opinião do outro porque você concorda com ela. E o objetivo da aceitação não é manipular o outro para receber algum benefício, é optar pela melhor opção. Por exemplo, o outro lhe diz que branco é cor sem vida e que a cor mais bonita é amarelo. Você concorda com isso. Daí você queima todas suas roupas brancas e compra uma tonelada de roupas amarelas. Você está sendo autoísta.

Sim, sempre que você se submete, é submissão.

Não necessariamente. Pode acontecer de um lado ser submisso e o outro ser autoísta. Pode acontecer também de um lado ser impositivo e o outro ser autoísta. Porém, o mais comum é a gangorra entre imposição e submissão.

Quando você não quer bater palmas, sim, é outroísmo submisso. Você bate palmas porque não quer que o outro pense mal de você. Você quer que o outro pense bem de você. Ou seja, você quer controlar a opinião do outro sobre você.

Não necessariamente. Pode ser, pode não ser. Meu trabalho de professor de autociência, por exemplo, consiste em servir vocês, alunos, mas não é outroísmo submisso, é autoísmo. Outroísmo e autoísmo não está no ato, mas na motivação do ato, na intenção do ato. A esposa pode fazer sexo com o marido, por exemplo, para ter prazer ou para salvar o casamento. É o mesmo ato, mas são duas motivações diferentes. Outroísmo submisso é fingimento. Usando o exemplo da esposa, se a esposa finge que quer fazer sexo para salvar o casamento, está sendo outroísta submissa. Outroísta porque a motivação da esposa é controlar o outro. Submissa porque está fazendo isso através do fingimento, da submissão.

Traição nasce da decisão de uma das partes não cumprir com o combinado. O que acontece é que muitas vezes o suposto combinado não foi combinado por ambas as partes. Quando isso acontece, não houve traição, houve falta de acordo. Vamos supor que eu crie expectativas ao seu respeito e passe a acreditar que você tem obrigação de satisfazer minhas expectativas. Não combinamos nada. Eu criei expectativas por conta própria e nem te falei nada sobre isso. Mas acredito que temos um acordo. Quando você frustra minhas expectativas, eu me sinto traído. Só que não houve traição nenhuma, o que houve foi falta de acordo.

Não, vazio existencial é você cheio de autonegação. Autonegação não é negar a experiência que você está tendo, é se negar viver sendo o que você é. Imagine um passarinho que se obrigue a viver igual uma vaca. O passarinho estará em autonegação. A natureza do passarinho não é bovina. Um passarinho tentando viver igual vaca irá sentir vazio existencial, como se algo estivesse muito errado, como se ele estivesse fora do seu destino. E está! Destino de passarinho não é pastar e mugir, é voar. Analogamente, o mesmo acontece com você. Seu destino é ser você. Quando você se obriga a viver sendo outro, você sente um vazio existencial, como se estivesse faltando algo em sua vida. E está. Está faltando você.

AULAS

FRASES

© 2023 • 1FICINA • Marcelo Ferrari