Os três cuzinhos

19/06/2022 by in category Textos tagged as , , , with 0 and 0

Era uma vez três cuzinhos que morriam de medo da vida. Então, para se protegerem, resolveram construir uma casa com mentiras de palha. Juntaram ciência de palha, autoconhecimento de palha, religião de palha, filosofia de palha, arte de palha, espiritualidade de palha, moral de palha, amor de palha, tudo de palha, e fizeram uma casa bem forte, bem protegida. Porém, assim que terminaram de construir o abrigo de palha, a vida se vestiu de ruim, e disse:

— Meus amigos, me deixem entrar!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!!

E a vida disse:

— Se não me deixarem entrar, vou soprar até a casa cair!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!! Aqui você não entra!!!

Então, a vida encheu o peito, e soprou:

— Cuuuuuuuuuuuuuuuu!

A casa de mentira de palha caiu.

Os três cuzinhos saíram correndo. Após correrem muito, os três cuzinhos raciocinaram, raciocinaram, e chegaram à conclusão de que casa feita com mentiras de palha não era segura. Para se proteger da vida, eles precisavam construir uma casa com mentiras de madeira. Juntaram ciência de madeira, autoconhecimento de madeira, religião de madeira, filosofia de madeira, arte de madeira, espiritualidade de madeira, moral de madeira, amor de madeira, etc. Os três cuzinhos trabalharam dia e noite, e assim que terminaram, a vida voltou vestida de ruim, e disse:

— Meus amigos, me deixem entrar!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!! Aqui você não entra!!!

Então, a vida encheu o peito, e soprou:

— Cuuuuuuuuuuuuuuuu!

A casa de mentiras de madeira caiu também!

Os três cuzinhos fugiram novamente. Decididos a ganhar da vida de uma vez por todas, os três cuzinhos raciocinaram, raciocinaram e chegaram à conclusão que a solução era fazer uma casa com mentiras de tijolos. Muito esforço, muito esforço, muito esforço. Juntaram ciência de tijolos, religião de tijolos, filosofia de tijolos, arte de tijolos, espiritualidade de tijolos, moral de tijolos, amor de tijolos, etc. Quando a casa de tijolos ficou pronta, a vida voltou vestida de ruim, e disse:

— Meus amigos, me deixem entrar!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!!

E a vida disse:

— Se não me deixarem entrar, vou soprar até a casa cair!

E os três cuzinhos, apertados de medo, responderam:

— Não!!! Aqui você não entra!!!

Então, a vida encheu o peito, e soprou:

— Cuuuuuuuuuuuuuuuu!

E a casa de mentiras de tijolos caiu feito castelo de cartas.

A vida se aproximou. Os três cuzinhos ficaram super apertados. Pensaram que a vida iria comê-los vivos. Mas a vida apenas pegou um espelho, colocou na frente deles, e disse:

— Olhem neste espelho! Eu digo “cu” porque é isto que vocês são, três cuzinhos apertados, três cuzinhos morrendo de medo da vida.

— Queremos vida boa e você é ruim! — disseram os três cuzinhos.

— É por isso que assopro suas casas! — respondeu a vida.

— Como assim? — perguntaram os três cuzinhos.

— Viver bem não é vida boa. Viver bem é lidar bem com a vida quando está boa ou ruim. Não é fugindo da vida ruim que se vive bem. E não adianta se esconder atrás de mentiras. Mentiras são folhas secas, separadas do fluxo da vida. Se querem viver bem, nutridos pela seiva viva, então, sejam folhas verdes (verdadeiras) — disse a vida.

— E como fazemos isso? — perguntaram os três cuzinhos.

— Ficando consciente do óbvio — disse a vida.

— Que óbvio? — perguntaram os três cuzinhos.

— Vida ruim não mata, ensina a viver bem — disse a vida.

— Como assim? — perguntaram os três cuzinhos.

— Viver bem é lidar bem. Decepção não mata, ensina a lidar bem com as crenças. Frustração não mata, ensina a lidar bem com as expectativas. Insatisfação não mata, ensina a lidar bem com o desejo. Prejuízo não mata, ensina a lidar bem com as perdas. Crítica, infâmia e injuria não matam, ensina a lidar bem com a opinião dos outros. E assim por diante.

— Nossa, isso é óbvio mesmo! — exclamaram os três cuzinhos.

— Então, relaxem, queridos cuzinhos! E da próxima vez que bater na porta, respondam cantando — disse a vida.

— Cantando o quê? — perguntaram os três cuzinhos.

A vida pegou um violão, tocou e cantou: — Quem tem medo de qualquer mau, qualquer mau, qualquer mau? Quem tem medo de qualquer mau? Qualquer mau, quem tem?

E os três cuzinhos viveram bem para sempre.

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