
— Vai doer? — Marx pergunta ao enfermeiro.
— Vai sim, — responde o enfermeiro — não vou mentir para você.
Um minuto depois ele começa a berrar:
— Paaaaara! Por favor! Paaaara!
Se não fosse um hospital dava para imaginar um estupro. Se bem que essa interpretação não estaria errada. A agulha é fálica e penetra sem consentimento da carne, o que caracteriza estupro.
A agulha endurece o músculo da perna de Marx. Ele sai da sala de injeção andando duro, como se tivesse uma perna de pau.
— Ouvi você gritando com a injeção — diz o próximo na fila.
— Nossa, achei que ia morrer — Marx responde.
— Foi injeção do que?
— Benzetacil — responde Marx.
— Porque não senta e espera melhorar?
— Sou motoqueiro do ifood e essa é a perna do desembréio. Quero só ver como vou conseguir mudar de marcha. Mas o enfermeiro disse que só vai passar daqui duas horas. Não dá para ficar duas horas esperando — diz Marx.
— Primeira vez que toma Benzetacil?
— Primeira e última! — diz Marx — Perguntei ao enfermeiro qual era o medicamento que fazia efeito mais rápido. Ele disse que era Benzetacil, então, decidi tomar, pois tenho que trabalhar amanhã cedo.
Marx sai mancando do hospital. Apressado para chegar em casa, para dormir, para acordar cedo e bater o cartão em uma máquina de inox absolutamente indiferente ao seu estado de saude e caracteristicas pessoais.
Marx chega em casa se arrastando. Deita no sofá e liga a televisão. Ouve as mesmas notícias de sempre: guerras, corrupção, roubo, violência, luta por igualdade social. Levanta, vai até a cozinha. Abre a geladeira. Assim que inala o cheiro do yaquisoba, sente ânsia de vômito. — Não aguento mais comer isso — ele fala em voz alta.
Enquanto come o yaquisoba, pensa na sua vida na cidade. Que vida é essa? Como isso pode ser chamado de vida? Lembra do amigo João Cabral, o único que ganhava dele no jogo de pebolim. Abre o youtube e procura pelo trecho do filme do amigo. Assite chorando.
— Por que está chorando? — o unicórnio pergunta a Marx.
— Porque é muito triste! — responde Marx, sem perceber que está dormindo no sofá.
— O que é triste? — pergunta o unicórnio.
— O capitalismo é triste! E além de triste, é um absurdo! O fundamento da ideologia capitalista é produzir riqueza. E cadê a porra da riqueza? Cadê? Cadê? Cadeeeeeê? Olha o cemitério que virou esse mundo! Como diz Eduardo Marinho: “Por tão poucos terem tanto, é que tantos tem tão pouco”. Como 100 pessoas conseguem controlar 8 bilhões? — Marx indaga o unicórnio se referindo às 100 pessoas mais ricas do mundo que controlam os 8 bilhões de pessoas que estão abaixo deles na pirâmide social.
— Muito louco isso, não é? Mais louco que conversar com um unicórnio — diz o unicórnio.
Marx não entende a indireta e continua sem perceber que está dormindo no sofá.
— Eu sei qual é o truque do capitalismo! É perverso, mas genial! — diz o unicórnio.
— Você sabe!!!! Pooooorra! Qual é? Me conta! — diz Marx.
— O truque sou eu! — diz o unicórnio.
— Você é um unicórnio! Você nem existe! Você é uma mentira — diz Marx.
— Exato! Como 100 pessoas conseguiriam controlar 8 bilhões senão através da mentira? — diz o unicórnio.
Marx congela com o que ouve.
— Você trabalha? — pergunta o unicórnio.
— Sim! Eu sou motoboy! — responde Marx.
— Por que você trabalha? — pergunta o unicórnio.
— Para receber dinheiro em troca! — responde Marx.
— Cada segundo que você passa trabalhando é você trocando seu tempo de vida por dinheiro, certo? — pergunta o unicórnio.
— Sim, correto! — responde Marx
— Por que você troca seu tempo de vida por do dinheiro? — pergunta o unicórnio.
— Porque preciso de dinheiro para sobreviver? — responde Marx.
— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, — diz o unicórnio — vai passar essa vergonha no crédito ou no débito?
— Hahahaha! No crédito! — responde Marx.
— Você não precisa de dinheiro para sobreviver — diz o unicórnio.
— Como não! — exclama Marx.
— Você come dinheiro? — pergunta o unicónio.
— Eu como comida: arroz, feijão, batata, ovo, melão, manga, etc. Mas preciso de dinheiro para comprar comida. Então, preciso de dinheiro para sobreviver. Esse é o problema?
— Não, o problema não é esse! — diz o unicórnio.
— Então, qual é? — pergunta Marx.
— O problema é que você acredita que precisa de dinheiro para sobreviver. Você não precisa de fato, você apenas acredita que precisa — diz o unicórnio.
— Como vou comprar comida sem dinheiro? — pergunta Marx.
— Não vai! É impossível — responde o unicórnio.
— Tá vendo! É preciso ter dinheiro para sobreviver, porra!!!! — diz Marx.
— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, — diz o unicórnio — vai passar mais essa vergonha no crédito ou no débito?
— Hahahaha! Vou passar essa no débito também! — responde Marx.
— É preciso ter dinheiro para COMPRAR comida e não para sobreviver. — diz o unicórnio — Se fosse preciso ter dinheiro para sobreviver todos os outros seres do planeta já estariam mortos, pois não existe dinheiro na natureza. Cavalo tem dinheiro? Periquito tem dinheiro? Samambaia tem dinheiro? Já viu vaca fazendo compra no supermercado?
— Mas esses não são seres humanos! — diz Marx, apelando para o último recurso lógico que lhe sobrou.
— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, — diz o unicórnio — vai passar mais essa vergonha no crédito ou no débito?
— Hahahaha! No débito também, se ainda tiver algum! — responde Marx.
— Índios são seres humanos e também não precisam de dinheiro para sobreviver — diz o unicórnio.
— Mas não posso chegar no supermercado e pegar uma manga na prateleira igual um índio pega uma manga no pé! — diz Marx.
— Por que não? — pergunta o unicórnio.
— Porque é crime! É roubo! — diz Marx.
— E o que é roubo? — pergunta o unicórnio.
— É apropriação indevida da propriedade alheia! — responde Marx.
— E a manga é propriedade de quem? — pergunta o unicórnio.
— É propriedade do dono do supermercado! — responde Marx.
— E quem foi que disse isso? A mangueira? Hahahahaha. Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, você não cansa de passar vergonha? — diz o unicórnio — A manga não é propriedade de ninguém. Propriedade é uma invenção que faz parte da estratégia que os 100 espertos usam para controlar os 8 bilhões de otários. Se tem algum ladrão nessa história, são os inventores dessa mentira chamada “propriedade”. O capitalismo está fundado na farsa da propriedade. Por isso é imprescindível que todos os seres humanos acreditem nessa mentira. Se você tiver consciência que o dono do supermercado não é dono da manga, como ele vai te vender a manga? Não vai! Você apenas pega a manga na gôndola, igual um índio pega a manga no pé.
— Daí a polícia me prende! — diz Marx.
— Com certeza, pois a função da polícia é fazer você se lembrar que a mentira da propriedade é verdade. — diz o unicórnio.
— Mas todo mundo acredita na mentira da propriedade e também que é preciso COMPRAR comida para sobreviver! — diz Marx.
— Sim, claro! As crianças aprendem isso na escola. Os pais ensinam isso aos filhos. E se depender dos 100 no topo da pirâmide, vai continuar assim eternamente. Caso contrário, como 100 vão conseguir escravizar e explorar 8 bilhões?
— Puta que pariu! Inacreditável! 8 bilhões de seres humanos vivendo na merda, escravizados e explorados dia e noite, tudo porque acreditam na farsa da propriedade e de que precisam de dinheiro para sobreviver. É muita burrice! Muita burrice! O problema não é o dinheiro, nem o capitalismo, nem os 100 espertos, o problema é a burrice. Somos 8 bilhões de trouxas!
— Exatamente! — diz o unicórnio — Vai passar essa vergonha no crédito ou no débito?
— Hahahahahaha! Estou rindo, mas é de desespero! — diz Marx.
— O capitalismo não é de todo ruim, pois o capitalismo produz progresso! Concorda? — pergunta Marx.
— Isso é mais uma farsa! O capitalismo não produz nada. A única coisa que o capitalismo produz é lucro. Só lucro! Apenas lucro! Nada além de lucro! — diz o unicórnio.
— Carros, computadores, telefones celulares, foguetes, etc, tudo isso é produto do capitalismo, não? — questiona Marx.
— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx…
— Hahahahaha! Para! Já sei! Não precisa ficar me zoando! Eu já percebi que estou dormindo e que você é um sonho.
— Carros, computadores, telefones celulares, foguetes, etc, tudo isso é produto da criatividade e da realização humana! Dinheiro não pensa! Como pode inventar qualquer coisa? Quem inventa coisas é a criatividade humana. As pessoas vendem suas ideias porque acreditam que precisam de dinheiro para sobreviver. Se não acreditassem nisso, não precisariam vendê-las, apenas colocariam à disposição e benefício de todos. A evolução seria muito maior e melhor — diz o unicórnio.
— Maior e melhor, por quê? — questiona Marx.
— Porque a criatividade e realização humana não ficaria limitada apenas ao que dá lucro aos 100 espertos no topo da pirâmide.
— Por exemplo… — diz Marx.
— Por exemplo, ao invés dos seres humanos usarem a criatividade para produzir mais e melhores armas de guerra, usariam para produzir mais e melhores meios de transporte, casas, cidades, agricultura, formas de organização social, obras de arte, etc — diz o unicórnio.
— Entendi — diz Marx — Acho que chegou a hora de você morrer! Antes que eu acorde e você desapareça, quais são suas últimas palavras? — pergunta Marx.
— Mate seus unicórnios antes que eles matem você!

Segura a onda my brother
Essa vai pra você
Dinheiro não faz o tempo parar
Você vai se arrepender
Segura a onda my brother
Chega de lero lero
Posso não ser milionário
Mas faço o que quero
Não vou!
Não vou me trocar por um cheque
Eu sou um adulto moleque
Não vou!
Não vou me trocar por um cheque
Eu sou!
Eu sou um adulto moleque
Segura a onda my brother
Vou te falar a verdade
Dinheiro traz conforto
Mas não compra felicidade
Segura a onda my brother
Dinheiro é indiferente
Com o que você pensa
E como você se sente
Não vou!
Não vou me trocar por um cheque
Eu sou!
Eu sou um adulto moleque
Não vou!
Não vou me trocar por um cheque
Eu sou!
Eu sou um adulto moleque
Dinheiro, caro colega,
É um bicho morto de fome
Se correr o bicho pega
Se ficar o bicho come