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Em vez de chover no molhado, nesse livro vou dar um passo para trás. Vou falar sobre algo que está por trás do outroísmo submisso, algo que nunca falei antes. Como é a primeira vez que falo sobre este assunto, viaje comigo e, se os pontos parecerem desconexos no começo, depois você conseguirá ligá-los.

O que é dor? Ao fazer essa pergunta, estou igualando dor com sofrimento. Então, não há problema se você fizer o mesmo.

Você pode dizer que dor é algo desagradável, algo ruim, algo que dói. Todas essas respostas estão corretas, porém elas ocultam a lógica principal a ser descoberta na equação da dor. Que lógica oculta é essa?

Que dor é diretamente proporcional ao desejo.

Se você não fosse um ser desejante, não experimentaria dor. Quando você se sente chateado, triste, aborrecido ou com raiva, por exemplo, observe que isso está diretamente ligado a um desejo não realizado. A experiência que você está tendo é indesejada. Se fosse desejada, você não ficaria bravo, triste ou contrariado, ficaria feliz. Você só experimenta dor quando a experiência é contrária ao seu desejo.

Quando você sente raiva, é porque deseja que uma situação fosse diferente. Tristeza é porque deseja que algo que se perdeu ainda estivesse ali. Frustração é o desejo de que um obstáculo não estivesse no caminho. Ou seja, todas suas dores são como mensageiras. Elas estão sempre apontando para um desejo que não está sendo satisfeito.

Voltando então à pergunta original: o que é dor?

Dor é desejo insatisfeito.

Essa é uma definição que vira a chave. A dor deixa de ser algo que vem de fora e passa a ser uma experiência interna de insatisfação

Dor é desejo insatisfeito.

Com essa definição de dor, vou fazer outra pergunta: qual foi a primeira vez em que sua experiência mudou do estado de satisfação total para insatisfação total? Qual foi o momento zero dessa transição?

Foi o momento em que você nasceu! Foi no momento do parto!

No útero, não existe desejo insatisfeito. No útero, não existe não. No útero, só existia sim. Era um estado de absoluta segurança, absoluta plenitude, absoluta satisfação. O útero era o sim absoluto.

Quando você está no útero, sua satisfação é plena e ininterrupta, não há interrupção no estado de satisfação. Fome é dor. Fora do útero, você come, a dor passa, mas depois retorna. No útero, você nunca sente fome, está sempre saciado. Você está no paraíso, em completa satisfação.

Quando você sai do útero. O que acontece? O paraíso acaba imediatamente. Em um piscar de olhos, você sai da plena satisfação e vai para a plena insatisfação, do prazer ininterrupto para a dor. É a primeira vez que se sente frio, fome, a necessidade de lutar pra respirar. É o primeiro e mais barulhento não que a vida te dá.

Você sai do absoluto sim e vai para o absulto não. Só que você nunca experimentou dor antes. Como você acha que foi esse momento? Foi desesperador! Foi aterrorizante? Com certeza foi a maior badtrip da sua vida.

Você não lembra disso, mas pode imaginar. Então, imagine! Você no bem bom, nunca sentiu dor antes, nunca sentiu fome, nunca sentio frio, nada disso. Nunca sequer precisou respirar. De repente, você sai desse estado de absoluto sim e vai para o absoluto não.

Você acha que isso é ou não é traumático? Claro que é traumático. É o maior trauma da sua vida. Você não sabe o que é tempo ainda. Não sabe que as experiências começam e terminam. Você acha que aquela dor será eterna. Essa situação é um desespero.

Vamos chamar essa experiência de dor absoluta.

A psicanálise tem um conceito que se chama castração. A castração tem a ver com a ideia de falta. Falta algo, não tem algo. De um jeito bem simples, a castração psicológica é a dor que você sente quando seu desejo é barrado. É a dor de ouvir um não. É a falta, a ausência daquela satisfação que você queria.

O que é castrado na negativa? O desejo. Quem o castra? O outro. E aqui tá o ponto crucial: a dor de ouvir um não hoje em dia, seja de um chefe, de um parceiro, de um amigo, parece tão gigante, tão desproporcional, porque ela toca lá naquela ferida original. Ela reativa o eco daquela primeira rejeição, daquela saída do útero. É por isso que o medo da rejeição tem tanta força.

Outroísmo submisso é a estratégia que você usa para fugir dessa dor da castração. Para que o outro diga sim para você, você mente, fingindo algo para enganá-lo. Mas, na hora em que você mente, o primeiro a te causar dor é você, porque você está dizendo não para si mesmo. Então, você mesmo se rejeita para não sentir a dor da rejeição do outro.

A dor da rejeição é uma dor terrível. Lá no fundo, em sua memória, é a mesma dor que você sentiu ao nascer. A dor de ter o paraíso e perdê-lo. Você teme a rejeição porque já esteve em um estado de prazer total e foi castrado (rejeitado). O seu nascimento é a sua primeira e mais profunda castração.

Eu vou contar uma história e quero que você leia como se fosse a sua própria história. Use a imaginação e coloque-se neste lugar. Depois vou te fazer uma pergunta.

Você nasceu. Sua experiência de vir ao mundo foi terrível. Começou com aquele terror de sair do sim absoluto para o não absoluto, sem saber o que fazer. A experiência foi terrível e desesperadora. Mas ficou pior!

Quando você nasceu, além do médico lhe dar aquele tradicional tapa na bunda, por ser relapso, ele deixou você cair no chão. Você caiu e quebrou a perna logo no seu primeiro dia de vida, precisando engessá-la. Mas ficou pior!

Depois, o médico foi entregá-lo à sua mãe, mas ela não o quis. Ela jogou você no lixo. Mas ficou pior! Um cachorro passou, confundiu sua orelha com uma linguiça e a comeu. Mas ficou pior!

Em seguida, uma noia o encontrou e te levou pra viver na cracolândia. Mas ficou pior! Conforme você foi crescendo, por ser manco e não ter orelha, os outros o zombavam, ninguém lhe dava atenção. Sua vida foi um inferno, uma sucessão de tragédias.

Muito bem, agora vem a pergunta. Imagina que essa é sua história. Imagina que você viveu tudo isso no passado e que você está me contando essa história hoje. O que isso significa?

Imagina que a história contada anteriormente é sua história. Imagina que você viveu tudo aquilo no passado e que você está me contando essa história hoje. O que isso significa?

Significa que a prova de que você pode sobreviver a qualquer dor é que você está vivo. Você sobreviveu àquela primeira dor, a mais avassaladora de todas, quando não tinha recurso nenhum para lidar com ela. Se aquilo foi possível, o que não é?

Significa que o simples fato de você estar vivo é a prova viva de que você é um vencedor. E mais! Toda vez que você conta uma história de dor, de castração, sem perceber, você está sendo a prova viva de alguém que está vencendo mais uma dor, caso contrário, você estaria morto e não teria como estar contando.

Autonegação é uma opção fruto da crença que a dor é maior que você. Mas isso é um equívoco. Se fosse verdade você estaria morto. Mas você está vivo. Mas o fato de você estar vivo, é a prova viva, de que você é maior que a dor. E maior que a morte, no sentido que a castração é a morte do desejo.

Tem uma música minha, chamada “Fique” que diz: “Fique, não fuja, fique. Quando tudo der em nada, fique. Se você for a piada, fique. É impossível fugir de si”. A música continua: “Fique, suporte o insuportável. Fique, completamente vulnerável. Fique, deixe a lágrima cair. Fique, encare essa dor. Fique, ela é seu professor. Fique, basta você se permitir… ressignifique, ressignifique”.

Você pode resignificar a dor. Ou seja, você pode entender a dor de outra maneira. Você pode entender que a dor não está ali para o seu mal, mas para o seu bem. Como você olha para a dor? Ela é uma tragédia ou uma professora? Ressignifique a sua visão sobre a dor.

A música conclui: “Fique firme, fique. Sinta a dor do corte. Fique firme, fique. A dor é um passaporte. Fique firme, fique. Você é mais forte que a morte”. Quando você sente dor, acha que vai morrer, mas você é mais forte que a morte.

A prova disso é que você está vivo.

Para viver de forma autoísta, que é a autorrealização, você precisa deixar de ser um “bebê chorão” e aprender a suportar a dor da rejeição. Quando você não consegue suportá-la, condena-se a viver de forma outroísta submissa, negando-se para fugir da dor e receber a aceitação do outro. Para viver de forma autoísta, é fundamental que você seja capaz de suportar a dor. E você é capaz, porque já suportou várias vezes. Então, meu caro sobrevivente, lembrem-se do que foi explicado aqui e pratique ficar. Sua capacidade de suportar a dor aumentará a cada dia e, cquanto mais aumentar, melhor você irá viver.

Fique
Quando tudo der em nada
Fique
Se você for a piada
Fique
É impossível fugir de si

Fique
Suporte o insuportável
Fique
Completamente vulnerável
Fique
Deixe a lágrima cair

Fique
Encare essa dor
Fique
Ela é seu professor
Fique
Basta você se permitir

Ressignifique
Ressignifique
Ressignifique
Ressignifique

Fique firme fique
Sinta a dor do corte
Fique firme fique
A dor é um passaporte
Fique firme fique
Você é mais forte
Que a morte

Você é mais forte
Que a morte
Você é mais forte
Que a morte
Você é mais forte
Que a morte
Você é mais forte

Fique
Suporte o insuportável
Fique
Completamente vulnerável
Fique
Deixe a lágrima cair

Fique
Encare essa dor
Fique
Ela é seu professor
Fique
Basta você se permitir

Ressignifique
Ressignifique
Ressignifique
Ressignifique

Fique firme fique
Sinta a dor do corte
Fique firme fique
A dor é um passaporte
Fique firme fique
Você é mais forte
Que a morte

Você é mais forte
Que a morte
Você é mais forte
Que a morte
Você é mais forte
Que a morte
Você é mais forte

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