Não tinha internet no sítio, então, para ler os e-mails recebidos eu precisava ir de bicicleta até uma LAN House na cidade mais próxima, Mirassol. Demorava mais de meia hora para ir do sítio até Mirassol, mas eu adorava o percurso. Enquanto pedalava pela rodovia vicinal, ia observando os sítios, o gado, as plantações e pensando na vida.
Quando chegava na LAN house, conectava meu notebook na internet, abria um programa de gerenciamento de e-mail, o Outlook, fazia o download de todos os e-mails, depois voltava para o sítio. Eram dezenas de e-mails para responder. E quanto mais e-mails tinha para responder, mais diminuía meu trabalho braçal no sítio.
Um dia, quando abri o Outlook, tinha um e-mail de um leitor do blog Buda Pra Cristo com um texto anexo. O leitor me sugeriu ler o texto. Disse que iria gostar porque era parecido com as coisas que eu escrevia. Abri o texto e comecei a ler. Se tratava da transcrição de uma palestra com perguntas e respostas. Minha reação foi pensar assim: “Esse palestrante manja dos paranauê!”.
Respondi ao leitor dizendo que gostei do texto e perguntei quem era o palestrante. O leitor me disse que era o coordenador do Espiritualismo Ecumênico Universal e me adicionou em um grupo do Yahoo chamado EEU. Comecei a acompanhar as postagens e fiquei cada vez mais simpático com o que o palestrante dizia sobre a experiência humana.
Até que um dia, ao invés de uma transcrição, o palestrante enviou o áudio da palestra. Quando fui escutar, percebi que havia algo diferente com a voz dele. Ele falava trocando o “s” pelo “x” e não pronunciava o “r”. Perguntei no grupo porque o palestrante tinha aquele jeito estranho de falar. Me explicaram que era um Preto Velho de umbanda falando através de um médium.
Preto velho é uma entidade de umbanda, hoje sei disso. Sei também das diferenças e semelhanças entre espiritismo e umbanda. Mas nessa época, minha cultura sobre o assunto era zero. Umbanda para mim era macumba, coisa do capeta. Então, quando ouvi que o palestrante era um capeta, fiquei mais espantado ainda, pois ele tinha o discernimento de um Buda. Sócrates e Krishnamurti ficariam com inveja da sua maiêutica.
Passado um tempo, fui para São Paulo visitar minha mãe. Quando estava lá, surgiu um convite no grupo para um encontro presencial em São Paulo, com o Preto Velho do EEU. Anotei o endereço e fui. O encontro aconteceu na casa de um dos participantes do EEU, no bairro da Saúde. Quando cheguei no local, já havia um punhado de pessoas aguardando.
— Olá! Sou o Ferrari, — eu disse — da lista do EEU.
— Você é o cara da Matrix?
Descobri que muitos integrantes da lista liam e gostavam dos textos do Matrix Zero. Fomos para o quintal, sentamos em roda e começamos a conversar. Passado algum tempo, chegou Firmino, o médium do Preto Velho. Ele morava perto de Piracicaba e viajou direto para o encontro. Fomos apresentados e ele também me perguntou sobre os textos da Matrix.
— Alguns textos são muito parecidos com os ensinamentos do EEU — Firmino me disse.
— É porque alguns são adaptações dos textos do EEU — eu respondi.
Ele riu da minha confissão de plágio.
Quando deu o horário, Firmino acendeu uma vela, fez sinal da cruz e incorporou Pai Joaquim de Aruanda, o Preto Velho que coordenava o trabalho do EEU. Foi a primeira vez que vi uma incorporação. Estranhamente, me senti encontrando um velho amigo. Joaquim se virou apoiando as mãos no joelho, sentou numa cadeira e falou o que sempre falava no início das conversas:
Não lembro qual foi a primeira pergunta que fizeram, mas lembro que foi feita em tom de conversa de botequim. Achei aquilo sensacional. Não precisava de formalidade, fluflu e chantilly espiritualista para conversar com Joaquim, ele era satsilva que nem eu.
Fui o participante que mais fez perguntas nesse dia. Eu perguntava e Joaquim respondia em linguagem espiritualista ecumênica, usando palavras como Deus e espírito. Eu traduzia as palavras dele nas minhas e seguia conversando. Quando a vela, o café e o cigarro já estavam acabando, fiz uma pergunta usando o termo budista “bodhisattva”. E Joaquim respondeu:
— Ixo memo, fiu, boi de piranha!
Todos riram, eu inclusive. Mas se tivesse entendido mesmo a piada, devia ter chorado. No futuro, Joaquim iria me incentivar a ser colaborador do trabalho do EEU. Eu teria que ir na frente, abrindo caminho para boiada e seria comido pelas piranhas da hipocrisia. Não sei se Joaquim teve essa intenção ao fazer a piada, mas foi uma profecia.
Inventei de mandar cartas para o Buda, ele veio responder e me pegou para Cristo.