É bom ser teimoso. Eu garanto. Se eu não fosse teimoso, não tinha chegado aqui e não estaria escrevendo esse livro. Quando decidi seguir pelo caminho do autoconhecimento, aos 21 anos, tive que ir contra tudo e todos, família, sociedade, amigos e inimigos. Tive que largar meu emprego e minha carreira. Abandonei a banda de rock em que tocava. Abandonei meu vício em álcool e outras drogas. E depois de muitos anos no autoconhecimento, tive que abandonar todas as escolas por onde passei, todos os livros que li, todos os ensinamentos que recebi e todos os gurus que cruzaram meu caminho.
Fiz tudo isso baseado no que? Na mais pura e absoluta teimosia. Pois a teimosia nunca me prometeu nada em troca. Nunca disse o que viria no futuro. Nunca sequer disse o que viria depois do próximo passo. Me dizia apenas: “teime!”. E eu teimei. Muito. Noite e dia. Teimei até o meu limite. E todas às vezes que desisti, teimei em tentar novamente. E foi assim, de teimosia em teimosia, que cheguei aqui.
É com conhecimento de causa que afirmo: não existe maior poder no universo do que a teimosia. Imagine como seria o mundo se por um dia, apenas um dia, todos teimássemos em ser bons, verdadeiros, íntegros, justos, éticos, amorosos, pacientes, benevolentes, beneficentes, etc. Seria maravilhoso, não é? O problema é que usamos a teimosia no sentido posto. Teimamos em ser maus, mentirosos, corruptos, anti-éticos, violentos, impacientes, impiedosos e nocivos. Somos teimosos por natureza, mas usamos a teimosia contra nosso próprio bem. Isso acontece porque teimosia sem consciência é igual carro sem motorista.
Teime! Teime muito! Teime sempre! Teime com todas as suas forças. Teime até desfalecer! Teime mesmo quando tudo e todos estiverem em oposição. Mas teime com consciência para teimar no sentido correto, benéfico, auto-realizador. Esse livro tem o propósito de ajudar você a despertar a consciência e assim fazer bom uso da teimosia. Boa leitura!
Isso é para os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os peças redondas em buracos quadrados. Os que veem as coisas de forma diferente. Eles não gostam de regras. Eles não têm nenhum respeito pelo status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou difamá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram a raça humana para frente. Enquanto alguns os veem como loucos, nós vemos gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo, são aquelas que o fazem.
Claro que é mais fácil dizer que é difícil. Claro que é mais fácil fazer mimimi. Claro que é mais fácil ficar na mesmice, na zona de conforto, censurar e depois dizer vitorioso: “Eu não disse que era loucura!”. Mas é esse tipo de vitória que você quer experimentar? A vitória do mais do mesmo? A vitória da inércia? Ou será que você está louco de vontade de pirar nas possibilidades, de se atirar de cabeça nos desafios, de colocar o delírio em prática, de realizar o impossível e depois dizer: “Eu não disse que era loucura!”.
Quem quer inventa um meio, quem não quer inventa um freio. Se você quer mesmo. Se quer de doer no osso. Se quer de ficar com febre. Então, de que importa o tamanho do desafio? Não há dificuldade capaz de vencer sua inteligência e vontade. Difícil é viver mal.
Sonhar mais um sonho impossível / Lutar quando é fácil ceder / Vencer o inimigo invencível / Negar quando a regra é vender / Sofrer a tortura implacável / Romper a incabível prisão / Voar num limite improvável / Tocar o inacessível chão / É minha lei, é minha questão / Virar esse mundo, cravar esse chão / Não me importa saber se é terrível demais / Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz / E amanhã, se esse chão que eu beijei / For meu leito e perdão / Vou saber que valeu delirar / E morrer de paixão / E assim, seja lá como for / Vai ter fim a infinita aflição / E o mundo vai ver uma flor / Brotar do impossível chão
“Vem por aqui” — dizem-me alguns com olhos doces, estendendo-me os braços, e seguros de que seria bom se eu os ouvisse quando me dizem: “vem por aqui”! Eu olho-os com olhos lassos, (há, nos meus olhos, ironias e cansaços). E cruzo os braços, e nunca vou por ali. A minha glória é esta: criar desumanidade! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade com que rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde me levam meus próprios passos. Se ao que busco saber nenhum de vós responde, por que me repetis: “vem por aqui”? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, redemoinhar aos ventos, como farrapos, arrastar os pés sangrentos, a ir por aí…
Se vim ao mundo, foi só para desflorar florestas virgens, e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem para eu derrubar os meus obstáculos? Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, e vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, amo os abismos, as torrentes, os desertos.
Ide! tendes estradas, tendes jardins, tendes canteiros, tendes pátrias, tendes tetos, e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios. Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, e sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios. Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém. Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; mas eu, que nunca principio nem acabo, nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: “vem por aqui”! A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou. Não sei por onde vou, não sei para onde vou, — sei que não vou por aí.
Convivo com um rapaz do tipo caga-regra. Se você não conhece esse termo, vou explicar. Cagar regra é uma gíria que significa dizer ao outro o que é certo e errado para o outro. Pai e mãe geralmente são caga-regras. Educadores em geral são caga-regras. Ditadores são o exemplo máximo de caga-regras. Com certeza você conhece um caga-regra, ou então, você mesmo é um. Mas enfim, continuando….
Esse rapaz regularmente caga-regra para mim sobre meu comportamento em um grupo que participamos. Eu escuto as regras dele. Às vezes, concordo, outras vezes, discordo. Quando eu concordo, ele fica todo simpático comigo. Quando eu discordo, ele fecha a cara e me diz: — Não dá para conversar com você, Ferrari, você é muito cabeça dura — Depois vira as costas e encerra a conversa.
Certo dia, durante uma atividade, esse rapaz começou a cagar regra e reclamar do meu comportamento. Ele reclamou uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete vezes, ou até mais. Fiquei de saco cheio. Eu realmente não concordava em fazer o que ele estava querendo que eu fizesse. Mas como estávamos no meio de uma atividade e não havia tempo para dialogar, apenas disse: — Vai a merda e me deixa em paz!
O rapaz ficou horrorizado comigo e começou a reclamar mais ainda. Eu entendi que mandar ele a merda novamente não iria resolver, então, deixei ele reclamando até terminar a atividade. Quando a atividade terminou, perguntei se ele queria conversar. Ele disse que não. Respeitei e peguei minha mochila para ir embora. De repente, ele se acalmou um pouco e disse: — Ok, vamos conversar.
— Você faz exatamente a mesma coisa que reclama que eu faço. Somos iguaizinhos. Não tem diferença nenhuma — eu disse.
O rapaz ficou calado. Achou que eu iria reclamar dele, ou brigar com ele, mas não esperava essa afirmação. Então, me perguntou: — E o que eu faço igual você?
— Você é cabeça dura igual a mim. Somos iguais nisso. Só que eu nunca reclamei disso. Sabe por quê? — eu pergunto.
O rapaz juntou os beiços e fez cara de não sei.
— Eu nunca reclamei porque ser cabeça dura não é um defeito, é uma qualidade — eu disse.
— Não entendi!— disse o rapaz.
— Ser cabeça dura significa que você não abre mão do que você considera certo só porque os outros consideram errado. Significa que você não abre mão dos seus valores só porque os outros acham ridículo. Significa que você não faz o que os outros querem só porque os outros querem. Ser cabeça dura é ser teimoso. Isso é ótimo! O mundo seria um lugar muito melhor, se todos os seres humanos fossem cabeças duras ao invés de cabeças moles — eu disse.
— E o que é ser cabeça mole? — perguntou o rapaz.
— Ser cabeça mole é desistir do que você considera certo só porque os outros consideram errado. É desistir dos seus valores só porque os outros acham ridículo. É fazer o que os outros querem que você faça só porque os outros querem. Enfim, ser cabeça mole é ser maria vai com as outras — eu disse.
— Maria vai com as outras, nunca! Isso não! — disse o rapaz.
— Exatamente! Nisso somos idênticos! Você é cabeça dura igual a mim. Só que eu não reclamo da sua cabeça dura, mas você reclama da minha. Então, te pergunto: por que a sua cabeça dura é uma virtude e a minha é um problema?
— Me diga você! — respondeu o rapaz.
— Eu sou cabeça dura e você é cabeça dura. Somos iguais nisso. Mas eu sou cabeça dura de um tipo e você é de outro tipo. É por isso que eu não reclamo de você, mas você reclama de mim — eu disse.
— Quer dizer que tem dois tipos de cabeça dura? Quais são os dois tipos? — perguntou o rapaz.
— Cabeça dura democrática e cabeça dura caga-regra — eu respondi.
— O que é caga-regra — ele perguntou.
— Cagar regra é uma gíria que significa dizer ao outro o que é certo e errado para o outro — eu disse.
— Qual o problema nisso? — o rapaz perguntou.
— O problema é que você não tem competência em saber o que é certo e errado para o outro, pois o outro é outro, diferente de você — respondi.
— Mas se é certo é certo, se é errado é errado! — ele disse.
— Para você é certo colocar açúcar no café? — eu perguntei.
— Sim, é certo — ele respondeu.
— E para um diabético, é certo colocar açúcar no café? — eu perguntei.
— Não! É errado — ele respondeu.
— Certo e errado não é absoluto, é relativo, é particular. O que serve para você, pode não servir para o outro, o que faz bem para você, pode fazer mal para o outro, o que é importante para você, pode ser irrelevante para o outro, e vice-versa — eu disse.
— Eu sei disso!— disse o rapaz.
— Se soubesse, não reclamava da minha cabeça dura — eu disse.
— Eu reclamo porque você é cabeça dura! — o rapaz disse.
— Sim, mas você também é cabeça dura e eu não reclamo. Por que você reclama da minha cabeça dura e eu não reclamo da sua? — eu disse.
— Já falei! Me responda você!— disse o rapaz.
— Porque eu sou cabeça dura democrático e você é cabeça dura caga-regra. Para mim, cada um é livre para acreditar diferente, gostar diferente, dar valor diferente. Você é o oposto, quer que todos acreditem igual você, gostem igual você e valorizem o mesmo que você. Quando você reclama da minha cabeça dura, na verdade, você está querendo dizer: Ferrari, seja cabeça mole e pense igual a mim! Quando eu penso diferente, você me chama de cabeça dura como estratégia para amolecer minha cabeça— eu disse.
— Discordo!— disse o rapaz.
— Ótimo! Não precisa concordar comigo, seja cabeça dura, pense no assunto com sua própria cabeça. Se fizer isso, você verá que é verdade: você é caga-regra — eu disse.
… o diálogo continua em breve …
Eu já disse uma vez e repito / O que eu disse uma vez está dito / Minha cabeça é minha, meu camarada / Cada cabeça é o centro do universo / Eu sou a minha propriedade privada / E ninguém pode me privar esse verso / Minha cabeça é minha e me pertence / E você não pode me impedir que eu pense / Qualquer pensamento oh! sim / Cada cabeça cabe um mundo / Você se guie, seu vagabundo / E eu por cá sigo por mim / Se eu a queria pra criar cabelo / Ou pra usar chapéu / Isso é problema meu / Que eu a use pra ter pesadelo / Ou pra sonhar com o céu / Isso é problema meu / Nem pai de santo nem psiquiatra / Cabeça minha quem faz sou eu / Que ela tenha um parafuso de mais / Um parafuso de menos / Isso é problema meu / Que ela esteja pra cá do sol / Pra lá da lua / Isso é problema meu / Nem pra oficina nem pra guilhotina / Cabeça minha quem manda sou eu / Pois que afinal, seu moço / Minha cabeça está no meu pescoço / E não no seu.
Eu não nasci / para satisfazer / as suas expectativas / perdão / E não adianta / você partir / pro ataque ou pra defensiva / perdão / Eu sou / o que sou / como tudo que é existente / nem melhor, nem pior / diferente
— Eu tenho minha cabeça dura, você tem a sua. Eu ajo de acordo com minha cabeça dura, você age de acordo com a sua — disse o rapaz.
— Sim, é isso mesmo! — eu disse.
— Mas o que você faz me prejudica — disse o rapaz.
— E o que você faz me prejudica — eu disse.
— Como resolver isso? — o rapaz me perguntou.
— Primeiramente: diálogo. Eu não tenho como saber o que está dentro da sua cabeça dura se você não me contar. Você não tem como saber o que está dentro da minha cabeça dura se eu não te contar. O diálogo é o primeiro passo para solução — eu disse.
— E qual é o segundo passo? — o rapaz me perguntou.
— O segundo passo é o acordo. Devemos pensar em uma solução que beneficíe todas as cabeças duras envolvidas — eu disse.
— E se não tiver acordo — o rapaz me perguntou.
— Pode ser que a solução não apareça de imediato. Pode ser que leve algum tempo até pensar em uma opção que beneficíe todas as cabeças duras envolvidas. Mas sempre surge uma ideia conciliadora. E se não surgir e não tiver acordo, ainda tem uma alternativa infalível — eu disse.
— Qual? — o rapaz me perguntou.
— O respeito. Cada um faz o que acha certo e respeita o certo do outro — eu disse.
— Entendi! Foi uma boa conversa. Claro que não foi exatamente assim que essa conversa aconteceu. Você colocou palavras na minha boca e entendimentos na minha cabeça que não aconteceram de fato — disse o rapaz.
— Sim, pois o propósito desse texto não é descrever exatamente o que aconteceu, é ajudar o leitor a entender os dois tipos de teimosia: democrática e caga-regra. Acho que nossa conversa cumpriu esse propósito — eu disse.
— Agora concordamos — disse o rapaz.
Teime! Teime muito! Teime sempre! Teime com todas as suas forças. Teime até desfalecer! Teime mesmo quando tudo e todos estiverem em oposição. Mas verifique sempre se sua teimosia é uma teimosia democrática ou caga-regra. Se for uma teimosia caga-regra, para o seu próprio bem, desista dela. Teimosia caga-regra não produz bem viver nem boa convivência. Não vou explicar o porquê nesse livro. Mas se quiser entender mais, tem vários outros livros no site da 1ficina que explicam isso. Basta fazer uma busca pelo termo “outroísmo impositivo”. Se sua teimosia for caga-regra, para o seu próprio bem, transforme-a em uma teimosia democrática. Ao fazer isso, você não estará desistindo do que é certo e valoroso para você, estará apenas desistindo de fazer algo impossível: fazer com que todos os seres do universo pensem igual você. Isso é impossível e quando você desiste disso, o benefício é todo seu.
Se sua teimosia visa mudar o outro: sua esposa, seu marido, seus filhos, seu pai, sua mãe, seus amigos, seus inimigos, o vizinho, sua sociedade, etc, meu conselho é que desista o quanto antes. Você está numa missão impossível. Você vai morrer tentando sem jamais conseguir. Se fosse possível mudar o outro, o outro não seria outro, seria você. Se sua teimosia visa mudar a si mesmo, realizando suas capacidades, melhorando suas habilidades e comportamentos, mas está fracassando, meu conselho é que troque o ponto final por uma vírgula e acrescente a palavra AINDA. Eu não consigo, AINDA. Eu não consegui, AINDA. Não existe fracasso, tudo é aprendizagem. Ou você consegue, ou você aprende. Êxito é só questão de tempo. Teime! Insista! Persista! Tente outra vez! Jamais desista de si! O que você chama de fracasso hoje é a escola do seu êxito de amanhã.
Teime em ser você! Seja cabeça dura! Não obedeça nada além da voz de trovão que ecoa em seu coração. Obediência é escravidão voluntária. O escravo é prisioneiro da força alheia. O obediente é prisioneiro da própria decisão de obedecer. Nada é capaz de corromper seu arbítrio. Nem Deus. Nunca obedeça o que você considera errado, só porque todos os santos consideram certo. Nunca deixe de fazer o que você considera certo, só porque todos os mestres e ensinamentos proíbem e condenam. Por mais árido que for o ambiente, por mais difícil que for a circunstância, traga sua verdade à tona igual um capim brotando na rachadura de uma parede de concreto. Você não nasceu para ser mais um tijolo na parede da obediência. Você não nasceu para satisfazer as expectativas de ninguém. Você nasceu para ser você, único, ímpar, singular, diferente de todos os outros seres do universo. Então, teime em ser você! Teime muito! Teime sempre! Teime com todas as suas forças. Teime até desfalecer! Teime mesmo quando tudo e todos estiverem em oposição. Vão dizer que é heresia. Vão dizer que você é egoísta. Vão fazer romaria para pedir que desista. Vão pregá-lo na cruz. Vão salvar o ladrão. Vão apagar sua luz e depois vão lavar as mãos. Não se incomode! Teime mesmo assim! Porque no fim é between você e god.
Sim, pra tudo tem jeito / tudo pode ser feito / se você acredita / Nada pode lhe impedir / de sempre conseguir / se você acredita / O impossível não é maior que seu poder / de inventar outra opção, recriar / Eu também penso que não / mas o meu coração / por alguma razão / insiste que sim / Eu também penso em desistir / mas o meu coração / por alguma razão / não desiste de mim / Não existe perfeito / apenas faça do jeito / que você acredita / Seu inimigo é tudo / seu aliado é tudo / que você acredita
Não vou transcrever esse áudio porque esse você precisa ouvir. Boa audição!