Obviedades são aquelas coisas fáceis de saber, mas difíceis de explicar. Todos sabemos empiricamente o que é vida, tempo, amor, verdade e sofrimento, por exemplo, mas é difícil explicar essas obviedades. Problema também tem esse problema. Todos sabemos empiricamente o que é problema, mas é difícil definir e explicar. O primeiro problema para definir e explicar o que é um problema, é que existem problemas de diversos tipos, problemas matemáticos, problemas técnicos, problemas de convivência, problemas financeiros, problemas de saúde, entre outros. Nesse livro vamos estudar o que é um problema de convivência. Esse livro é uma adaptação da palestra abaixo, realizada em 27 de junho de 2022. Boa leitura!
As imagens a seguir são perguntas e não respostas. Cada imagem exemplifica uma situação de convivência e duas possíveis respostas: solução ou problema. Pense a respeito de cada situação e responda mentalmente conforme for avançando na visualização e na leitura.
( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
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( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
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( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
( ) Solução ou ( ) Problema?
Provavelmente você classificou todas as situações dos exemplos como “problemas” e você tem um motivo para ter feito isso. Que motivo é esse? Você consegue identificar porque você classificou todas as situações dos exemplos como problema e não como solução? Se não, antes de continuar com a leitura, volte, pense e procure identificar qual é o problema que todas as situações dos exemplos tem em comum.
Todas as situações dos exemplos estão fora do seu controle. Sendo assim, podemos forjar a seguinte definição: problema é tudo que você não controla. Analise cada exemplo para verificar se essa definição de problema é verdadeira para todos os casos.
Por que você não tem controle sobre nenhuma das situações dos exemplos? Simples! Porque seu arbítrio só funciona para controlar você, não funciona para controlar o outro. Então, seu problema de convivência, na verdade, é uma burrice. Qual burrice? Tentar fazer o impossível: controlar o arbítrio do outro. E qual é a solução para essa burrice? Desistir da burrice! Não é possível controlar o arbítrio do outro. Se isso fosse possível, você já teria conseguido pelo menos uma vez na vida, mas você nunca conseguiu. E nunca irá conseguir, pois é impossível. Então, só tem uma solução para seu problema de convivência: desistir da missão impossível.
Um oficial de saúde vai fiscalizar uma fazenda e pergunta ao fazendeiro: “Que comida você dá aos porcos?”. O fazendeiro responde: “Dou bagaço de cana, sabugo de milho, lavagem, leite azedo, botina velha, tudo que não presta”. O oficial multa o fazendeiro por atentado contra a saúde pública. Um ano depois, o oficial retorna e faz a mesma pergunta: “Que comida você dá aos porcos?”. O fazendeiro, prevenido, responde: “Dou caviar, pizza quatro queijos, salmão defumado, lasanha, vinho do porto, tudo do bom e do melhor”. O oficial multa o fazendeiro por desperdício de comida. Um ano depois, o oficial retorna e faz a mesma pergunta: “Que comida você dá aos porcos?”. O fazendeiro responde: “Não dou comida nenhuma, dou um vale refeição para cada um, eles que decidam o que comer”. Moral da história. Ao tentar controlar o outro, você fica escravo do outro, porque assume a responsabilidade do outro. Você coloca sobre seus ombros uma obrigação que não tem e fica preso nela. Quer se libertar de todas as obrigações que nunca teve? Desista do controle! Dê liberdade ao outro.
Se você não controlar a mamadeira, você morre de fome. Se você não controlar a temperatura no inverno, você morre de frio. Se você não controlar seu carro, você morre acidentado. Enfim, se você não controlar o outro, você morre. Só que tem outra coisa e tem outro ser humano. E você acredita que é tudo a mesma coisa. Vou te contar uma coisa: não é! Isso mesmo! Não é! Uma coisa é uma coisa, outro ser humano é outro ser humano. Ser humano não é mamadeira, não é carro, não é cobertor, não é tapete, não é sapato, não é telefone celular. Seres humanos não são coisas. Cada ser humano, assim como você, tem sentimento próprio, valor próprio, pensamento próprio, vontade própria e… pasme! Cada ser humano tem inteligência e arbítrio para optar pelo que é melhor para si. Então, embora você precise controlar as coisas para sobreviver, você não precisa e nem deve controlar os outros seres humanos. Tudo que você consegue ao tentar é viver em cabo de guerra, sofrer e gerar sofrimento. Use sua inteligência e entenda isso. Use seu arbítrio e liberte o outro. Você irá descobrir que o prisioneiro era você.
Seu arbítrio só serve para controlar você, não serve para controlar o outro. Ficar consciente disso é o primeiro passo para boa convivência. Mas não é o último, pois sua burrice em acreditar que você consegue controlar o outro é um hábito, então, mesmo que você se conscientize, ela ainda se repete no automático. Como resolver isso? Repetindo o processo de conscientização. Quando? Toda vez que sua burrice se manifesta. E quantas vezes é preciso fazer isso. Quantas vezes for necessário. Boa prática!
Você tem livre arbítrio, você pode fazer o que bem entender. Você pode chorar. Você pode entrar na internet e mandar mensagem para o “reclame aqui”. Você pode fazer faculdade de direito, se tornar juiz e mudar a legislação nacional. Você pode entrar em depressão. Enfim, você pode fazer o que bem entender. Agora, se sua pergunta for “O que posso fazer para conviver bem com a manifestação do outro?”. Você pode e deve abandonar o jogo do controle e jogar o jogo da liberdade.
Como conviver bem com pessoas que não falam o que pensam?
Permitindo que sejam pessoas que não falam o que pensam.
Como conviver bem com pessoas que mentem?
Permitindo que sejam pessoas mentirosos.
Como conviver bem com pessoas que me odeiam?
Permitindo que sejam pessoas que te odiam.
Como conviver bem com pessoas burras?
Permitindo que sejam pessoas burras.
Como conviver bem com pessoas arrogantes?
Permitindo que sejam pessoas arrogantes.
Como conviver bem com pessoas racistas?
Permitindo que sejam pessoas racistas.
Como conviver bem com pessoas de direita e esquerda?
Permitindo que sejam pessoas de direita e esquerda.
Como conviver bem com pessoas assim e assado?
Permitindo que sejam pessoas assim e assado.
“Desejo de controle” é um equívoco. Quando você controla o garfo e a faca na hora do almoço, seu desejo não é controlar o garfo e a faca, seu desejo é comer. Quando você controla o carro para voltar para casa, seu desejo não é controlar o carro, seu desejo é voltar para casa. Quando você controla o piano para tocar uma música, seu desejo não é controlar o piano, seu desejo é produzir a música. Analogamente, quando você controla o outro para isso e aquilo, seu desejo não é controlar o outro, seu desejo é por isso e aquilo.
Controle não é desejo, é estratégia de realização do desejo. Controlar o garfo e a faca é estratégia para realizar o desejo de comer. Controlar o carro é estratégia para realizar o desejo de voltar para casa. Controlar o piano é estratégia para realizar o desejo de ouvir música. Controlar o outro é estratégia. Toda realização é executada através de uma estratégia. É impossível realizar um desejo sem a execução de uma estratégia.
Controle é a primeira estratégia que você aprende e usa durante toda sua vida. Sua sobrevivência depende de você se tornar competente em controlar as coisas. Se você não controlar o garfo e a faca, não come. Se você não controlar o carro, bate no muro. Se não controlar o piano, não tem música. Contudo, embora o controle seja uma estratégia que funciona muito bem para interagir com as coisas, não funciona para interagir com outros seres humanos, pois todo ser humano tem vontade própria igual você. Por isso, na interação com outros seres humanos, a melhor estratégia de interação é o jogo da liberdade.
Não, você continua sofrendo com isso, caso contrário, você não teria como saber que são opções desagradáveis. O que desaparece quando você desiste do jogo do controle é a perpetuação do sofrimento.
Vamos supor que eu te desvalorize chamando de “feia”. Não tem como você se sentir agradada com isso. Você quer valor. Então, você sofre com o que eu digo. Mas se além de sofrer, você decidir me controlar, você irá sofrer ainda mais e perpetuar seu sofrimento.
Por exemplo, você me pergunta como é uma mulher bonita. Eu lhe digo que mulher bonita tem bunda grande, peitos grandes, lábios grandes, pernas finas etc. E lá vai você se violentar, colocando botox e fazendo lipoaspiração. Tudo isso para me controlar. E tão logo eu te vejo, reformada, lhe digo: “Credo! Piorou! Tá mais feia ainda!”.
E se decidir continuar jogando o jogo do controle comigo, só vai conseguir ampliar mais e perpetuar mais seu sofrimento.
Seu sofrimento não pode ser desligado, caso contrário, seria como desligar seu GPS e você não teria mais um sistema de navegação, você não teria mais como saber o que é bem, bom, caro e vero para você. Desistir do jogo do controle faz cessar seu mal viver.
Ficando consciente que é exatamente assim que funciona a brincadeira de convivência e não tem como ser diferente. Tudo que você faz prejudica alguém e vice versa. Tudo que você não faz também prejudica alguém e vice versa.
Se não quer brincar não desce no play. Entrou na brincadeira da convivência, não tem para onde fugir. Frustrar e ser frustrado, prejudicar e ser prejudicado, desagradar e ser desagradado, contrariar e ser contrariado, é inevitável na convivência.
Depois, ficando consciente que assim como você não nasceu para satisfazer as expectativas dos outros, os outros também não nasceram para satisfazer as suas.
Por fim, conversando e encontrando uma opção que beneficie ambos simultaneamente.
Imagine uma eleição. Milhares de pessoas votam. Qual é o resultado? É exatamente a somatória dos votos. Ou seja, o resultado de uma eleição não depende só do voto de um eleitor depende do voto de todos. O que você chama de “vida” é igual uma eleição, depende do arbítrio (voto) de todos os viventes.
Para que você pudesse ter vida boa, sempre, garantidamente, a vida teria que ser resultado único e exclusivo do seu arbítrio. Seu arbítrio teria que ser absoluto e se sobrepor ao arbítrio de todos os seres do universo. Mas não é assim que a vida funciona. A vida não é uma ditadura, a vida é uma democracia. Por isso não existe vida boa, pois você é incapaz de controlar o arbítrio (voto) dos outros.
Você tem arbítrio, então, você pode fazer o que bem entender. Você pode pintar a pessoa de azul. Você pode embrulhar a pessoa com plástico bolha. Você pode jogar a pessoa dentro de um moedor de carne e transformá-la em salsicha. Você pode pendurar bolas de árvore de natal na pessoa. Tudo pode. Então, você pode fazer o que bem entender com o outro. E vice versa. Agora, se sua pergunta for “O que posso fazer para conviver bem com essa pessoa?”. Você pode e deve abandonar o jogo do controle e jogar o jogo da liberdade.
Pelo contrário, é estar em paz consigo e com todos. No viver autoísta, você se permite viver sendo você, isso é viver em paz consigo. Quando você vive em paz consigo, você entende como é ruim se obrigar a ser outro e para de fazer isso com o outro. Você para de tentar mudar os outro, você permite que o outro seja outro e convive em paz com o outro. Fim da guerra.
Estudo do ser humano no aspecto existencial, psicológico, pessoal e social.
Aula do ciclo de estudos de autociência – EUreka 2023