Outro dia, quando cheguei na pista de skate, uma menina estava parada feito estátua em cima do quarter, olhando para baixo. Quarter é uma rampa com aproximadamente dois metros de altura que os skatistas usam para descer e pegar velocidade. Descer é dropar. Para dropar é preciso colocar o skate na borda da rampa e se atirar rumo ao chão em queda livre. Para quem é iniciante, como no caso dessa menina, dropar é como pular de um penhasco.
Comecei meu rolê. Meia hora depois, quando fui beber água, olhei para o quarter e a menina ainda estava lá, parada na mesma posição, olhando para baixo.
— Tenta na rampa menor, depois você volta aqui — aconselhei a menina.
— Lá é fácil, eu já consigo — ela respondeu.
— Treina lá até pegar confiança — acrescentei.
A menina aceitou meu conselho. Dropou várias vezes na rampa menor e voltou para o quarter. Mas ainda não sentia confiança para dropar. Um skatista conversou com ela. Mostrou como dropar. Disse que era fácil e não precisava ter medo.
Mais de uma hora de rolê e a menina ainda estava parada no topo do quarter, exatamente na mesma posição. Havia uma briga dentro dela. O desejo gritava — Vai, vai, vai! — E o medo gemia — Não! Não! Não!
— O máximo que pode acontecer é você morrer — comentei.
Ela riu nervosa e disse confiante:
— Agora eu vou!
Mas não foi. Não se moveu um milímetro. Continuou parada, olhando para o chão, como se fosse uma fotografia. Óbvio que ela não iria desistir por nada. A pista podia fechar, podia passar uma semana, um mês, um ano, a vida inteira, e ela iria continuar alí, na mesma posição, até dropar.
— Quer que eu segure sua mão? — perguntei.
— Sim, sim, quero! — ela respondeu.
Segurei e ela dropou perfeitamente, como se fosse a milésima vez naquele dia. Assim que dropou, voltou correndo para cima do quarter e disse:
— Agora eu vou sozinha.
E dropou sozinha uma dezena de vezes.
Voltei para casa pensando como a suposição aumenta o mundo. Um quarter de dois metros não tem nem dez centímetros para quem está acostumado a dropá-lo todo dia, mas para um iniciante, que só tem suposição, parece um abismo.