A palavra violência vem do verbo violar. Quando você está executando um ato de violência, você está violando o outro. Quando o outro está executando um ato de violência, o outro está violando você. Violência é violar, invadir, infringir, transgredir. A partir dessa definição, vamos aprofundar no entendimento do que é violência. Existe uma forma de falar de violência que é assim: “Fulano violou a integridade física de ciclano”. No estupro, por exemplo, uma pessoa viola a integridade física da outra. Quando uma pessoa esfaqueia a outra pessoa também está violando a integridade física do outro. Agora vamos deixar explícito o que está implícito no termo “violar a integridade física”. Vamos supor que você queira violar a integridade física de uma pessoa. O que essa pessoa precisa ter para que seja possível você executar a violência?
PARTICIPANTE: Um corpo.
Exato! Como você pode violar o corpo de uma pessoa sem corpo? Você não consegue. Óbvio que sem corpo não tem pessoa física, mas estamos aqui para entender o óbvio mesmo. Você só consegue violar o corpo de uma pessoa porque a pessoa tem um corpo, caso contrário, você vai violar o quê? Mas corpo é um jeito bem superficial de entrarmos no assunto. Tem outra palavra bem melhor e similar a corpo que esclarece mais o que é violência. Que palavra é essa?
PARTICIPANTE: Individualidade.
Isso! Para você poder violar a integridade física de uma pessoa é preciso que essa pessoa seja uma integridade física. Integridade = individualidade = unicidade. Uma pessoa é uma integridade, é uma individualidade, é uma unicidade. A palavra unicidade vai esclarecer e ampliar nosso entendimento do que é violência. Só existe violência porque existe unicidade. Unicidade física é entendida por corpo. Violência física é você violando o corpo do outro e vice-versa. Só que a unicidade de uma pessoa não é apenas física. Então, violência não é só física.
Ser humano não é só corpo (fisicalidade). Ser humano é um quaternário, tem unicidade física, sensorial, afetiva e intelectual. Então, assim como existe violência física, também existe violência sensorial, afetiva e intelectual. Só que a violência física é a única considerada violência e as outras três não são. Quando uma pessoa viola sua unicidade sensorial, ou afetiva ou intelectual, essa pessoa não considera que executou um ato de violência com você. E o contrário também. Quando você viola a unicidade sensorial, ou afetiva ou intelectual do outro, você também não considera que executou um ato de violência com o outro.
Por exemplo, quando você tenta enfiar seu critério de certo e errado goela abaixo no outro, você não considera que está executando um ato de violência com o outro, muito pelo contrário, você acha que está fazendo um bem para o outro, que está ajudando o outro. Afetividade é valor. Vamos supor que você se ache uma boa mãe. Só que seu filho não acha. O critério de valor dele é diferente do seu. Então, você começa a brigar e obrigar seu filho a te reconhecer como uma boa mãe. Ao fazer isso, você não vai considerar que está cometendo um ato de violência com seu filho, mas está. Violência afetiva. Quando você quer obrigar alguém a gostar de um estilo de música, você enche o saco da pessoa, faz ironia, guerra de nervos, só que você não considera isso um ato de violência. Mas é violência também. Quando o outro não gosta de algo, forçar a barra é violência sensorial.
Violência sensorial, afetiva e intelectual não são consideradas violências. Se não cortou o pescoço, não furou os olhos, não tem hematoma e sangue jorrando, não é violência. Mas é. Violência é violar. Quando você viola a unicidade do outro, seja fisicamente, sensorialmente, afetivamente ou intelectualmente, você está executando um ato de violência com o outro. Quando o outro viola sua unicidade, seja fisicamente, sensorialmente, afetivamente ou intelectualmente, o outro está executando um ato de violência com você. Violência não é só física, é quaternária: física, sensorial, afetiva e intelectual. Então, você viola e é violado de quatro maneiras. Só que apenas a violência física é considerada violência, as outras três não são. Mas isso é um equívoco. O que expliquei até aqui foi para desfazer esse equívoco. Ficou claro? Alguma pergunta?
PARTICIPANTE: Como um pai pode ser violento com um filho que ama?
O filme Sociedade dos Poetas Mortos dá um exemplo disso. O pai queria que o filho fosse médico. Colocou todo o amor dele naquele ato de obrigar o filho a ser médico. Os pais violentam os filhos por amor. Eles acreditam que estão fazendo bem aos filhos. É um equívoco sincero, bem intencionado, mas é um equívoco. Nenhum pai acha que está violentando o filho. Os pais acreditam que estão fazendo o melhor, que estão educando os filhos. Mas educação sem diálogo, na base da imposição, sem entender que o filho é outro, diferente, que tem unicidade própria, não é bom para o filho nem para os pais, pois gera má convivência. Não adianta você educar um gato para botar ovos. Por mais amor que você coloque nessa tentativa, você vai estar violentando o gato, pois gato não bota ovos, não é da natureza dele. A unicidade de cada um é a natureza de cada um. Se o seu filho tem natureza de gato, seu filho jamais irá botar ovos. Ele só vai fingir que bota e ainda vai ficar magoado com você.
PARTICIPANTE: Se ignoramos nossa unicidade, como saber da unicidade dos outros?
Exato! Violamos a unicidade dos outros porque ignoramos nossa própria. Percebe a sutileza? Violência nem é o assunto. É só auxílio ao assunto. O assunto mesmo é a ignorância. A ignorância é a raiz da violência. Se ignoramos nossa própria unicidade, como lidar bem com a unicidade do outro? Impossível.
PARTICIPANTE: A violência é uma bola de neve. Eu violento você, você me violenta de volta. E a bola de neve vai aumentando.
Isso mesmo! Mas não sabemos viver de outro jeito. Só sabemos jogar o jogo da violência, que é oscilar entre opressor e oprimido, violentado e violentador. Nossa mentalidade coletiva diz que liberdade é estar na posição de opressor, violentador, controlador, etc. Escravidão é estar na posição de oprimido, controlado, violentado. Quando você está sendo violentado, você é prisioneiro, o outro está te dominando, então, você deve buscar liberdade se tornando o opressor do opressor. E assim por diante, até o topo da pirâmide do controle, onde você pode controlar todos e ninguém pode controlar você. Daí você é absolutamente livre. Isso é um equívoco. Vamos estudá-lo em breve.
PARTICIPANTE: A solução é o respeito?
Não! A solução é lucidez. Respeito é desdobramento da lucidez. A palavra respeito só serve de gasolina para perpetuação da violência. Todo mundo quer ser respeitado, mas ninguém respeita ninguém. Respeito não se pede, respeito se dá. Quando você pede respeito, na verdade, o que você está pedindo é que o outro reze sua cartilha. Isso não é respeito, isso é violência. Quando você realmente respeita, você respeita inclusive o desrespeito. Mas ninguém respeita o desrespeito. Respeitar o desrespeito é a história de oferecer a outra face. Quem oferece a outra face?
PARTICIPANTE: Como inibir a violência do outro?
Olha aí o problema pintado de solução! Inibir a violência do outro é usar a violência para acabar com a violência. É tentar apagar o fogo jogando gasolina. É impossível inibir a violência do outro. Você pode tentar. Mas essa tentativa é você violentando o outro.
PARTICIPANTE: Por que o outro viola minha unicidade?
Porque o outro ignora sua própria unicidade (dele mesmo).
PARTICIPANTE: A violência está por todo lado.
A violência é o alicerce da nossa sociedade. Nosso sistema jurídico se chama “sistema penal”, ou seja, é a regulamentação da violência.
PARTICIPANTE: Acreditamos que estamos fazendo o melhor.
Exato! Não somos violentos por maldade. Somos equivocados sinceros. Todo pai e toda mãe, ao violar a unicidade do filho, acredita que está executando um ato de amor. Por isso que o problema não está na violência, mas no que vem antes, na ignorância de si. Quando você entende que você é uma unicidade, diferente do outro, automaticamente você entende que o outro também é uma unicidade, diferente de você. Entende também, que por serem diferentes, o que é melhor para você é diferente do que é melhor para o outro e vice versa.
PARTICIPANTE: No filme do super homem, ele fica em dúvida se deve interferir ou não na vida dos humanos. Eu acho que esse é o problema: interferência. A gente acha que é o super-homem e interfere na vida do outro, impõe para os filhos nosso modo, e assim segue uma geração após a outra.
O problema não é a interferência. O problema é que não consideramos o outro como sendo outro. Falamos em “outro”, mas só falamos, é só uma palavra vazia. Consideramos o outro como extensão de nós mesmos, feito um sapato, um garfo, uma mochila, um chaveiro. Ou seja, uma coisa sem vontade e sem unicidade. Pensamos no outro como um robô que só existe para satisfazer nossos desejos e expectativas. Então, o problema não é a interferência. O problema é a ignorância da unicidade. Se entendêssemos o outro como sendo outro, não haveria como existir violência. Vamos supor que você vai almoçar com seus colegas de trabalho. Você come feijoada. No caminho de volta a feijoada começa a borbulhar no seu estômago. Sua barriga vai ficando inchada. Você entra no elevador com a turma e você tem duas opções: peidar ou morrer. Para não morrer, você decide peidar. Seus companheiros de trabalho não têm para onde fugir. Elevador não tem janela. Pergunto: você interferiu na experiência dos seus companheiros de trabalho?
PARTICIPANTE: Sim, interferi.
Você acha que interferiu pouco ou muito?
PARTICIPANTE: Bastante.
Você acha que eles prefeririam a interferência do super homem ou a sua?
PARTICIPANTE: Do super homem.
Criei essa imagem para deixar bem explícito que interferir é inevitável. Não é opcional. A qualidade da sua interferência que é opcional. Foi exatamente o que o super homem entendeu. Não fazer nada é um tipo de interferência. Fazer alguma coisa é outro tipo de interferência. Autoísmo é um jeito de você interferir na convivência. Outroísmo é outro jeito. Interferir é inevitável. Se sua interferência é outroísta ou autoísta, isso sim é opcional.
PARTICIPANTE: Quando sou humilhado tenho que aceitar a humilhação. Isso é respeitar?
Respeito é desdobramento da lucidez, não da autoimposição. Respeito por autoimposição é fingimento. Você só é capaz de executar o respeito quando está consciente do ciclo vicioso da violência. Uma vez consciente, para não perpetuá-lo, você executa o respeito. Então, quando uma pessoa te humilha, não adianta você pensar assim: “Como aprendi que respeitar é a opção que quebra o ciclo vicioso da violência, vou aceitar essa humilhação”. Isso não funciona. Você continua no ciclo vicioso da violência. Você está se obrigando a fazer uma coisa que não quer e não entende. Você está violentando seu nível de consciência. Você não tem lucidez suficiente para executar o respeito, assim como um surdo não tem audição para cantar afinado. Então, assim como não funciona o surdo se obrigar a cantar afinado, também não adianta você se obrigar a respeitar. A solução para o surdo cantar afinado é recuperar a audição. A solução para você executar o respeito é despertar a consciência para sua unicidade.
Lembra da conversa sobre medicina preventiva e medicina curativa? É isso! Como não temos lucidez ainda, vamos para gangorra da violência quase sempre. 99% das vezes. Daí o jeito é praticar medicina curativa para sair da gangorra. Saímos. A lucidez aumenta 1%. Ótimo! Agora vamos para gangorra 98% das vezes. Melhoramos. Mas ainda caímos na gangorra. O jeito é praticar medicina curativa de novo. Saímos de novo. A lucidez aumenta para 2%. Ótimo! Agora vamos para gangorra 97% das vezes. Melhoramos mais um pouco. Porém, ainda caímos na gangorra. O jeito é praticar medicina curativa de novo. E assim por diante. Até ficarmos mestres em viver bem. Daí, ao invés de medicina curativa, passamos a praticar medicina preventiva.
PARTICIPANTE: Qual é a ligação da violência com o outroísmo?
Outroísmo é violência. Atenção! Não é que outroísmo gera violência. Outroísmo é violência. Outroísmo é tentar uniformizar o outro, fazer o outro igual a você e vice-versa. Um tentando uniformizar o outro é violência. Então, embora não tenhamos consciência disso, estamos a todo instante sendo estimulados e estimulando nossa coletividade a perpetuar a violência. E pior! Fazemos isso falando de amor, paz, respeito, educação e várias outras palavras que são apenas disfarces para violência.
Para terminar, vou esclarecer mais um ponto. Quando pensamos em violência, pensamos sempre em ataque. Ataque físico, ataque psicológico. O mais comum é pensarmos em ataque. Só que violência não é ataque. Se violência não é ataque, o que é?
PARTICIPANTE: É defesa.
Exato! Violência é defesa. Violência parece ataque porque a melhor defesa é o ataque. Você ataca o outro para se defender. O outro ataca você para se defender. A melhor defesa é o ataque. Entender isso possibilita você se investigar e sair do ciclo vicioso da violência. Você pode se perguntar: “Por que estou atacando isso ou aquilo no outro? O que estou tentando defender dentro de mim?”. Essa investigação vai produzindo autoconhecimento e retirando você do ciclo vicioso da violência.
Primeiro você acredita que algo que possuí está sendo ameaçado. Então, com o intuito de proteger esse algo, ataca o outro, pois a melhor defesa é o ataque. Essa é a lógica da guerra. Matar para não morrer. Destruir para não ser destruído.
Entender a lógica da guerra ajuda você a viver melhor, pois gera autoconhecimento. Quando você está atacando o outro, com palavras ou granadas, pode e deve se perguntar: “Estou atacando o outro para proteger o que em mim?”. A descoberta do que você está tentando proteger ajuda você a lidar melhor com as circunstâncias, ou seja, viver melhor.
Guerras têm lados, bandeiras, brasões, hinos, verdades. Cada lado ataca para defender suas verdades. Quando um não quer, dois não brigam, mas enquanto dois querem, o pau come. Gregos e troianos, judeus e muçulmanos, são alguns exemplos disso.
Se você está participando de alguma guerra, você pode usá-la para autoconhecimento. Seja qual lado você estiver atacando, se pergunte: “Estou atacando o outro para proteger o que em mim?”. Essa descoberta irá lhe ajudar a lidar melhor com as verdades de ambos os lados do conflito, pois irá lhe trazer autoconhecimento.
Claro que você pode simplesmente vestir sua verdade e sair metralhando o inimigo até matá-lo. Mas garanto que não vale a pena. Basta observar que embora você mate e morra por uma ideologia, jamais uma ideologia fez ou fará nada por você, a não ser te separar e te impedir de viver em paz com os outros.
Não somos todos iguais, somos todos igualmente diferentes. Eu sou outro você. Você é outro eu. Mas eu não sou você, nem você sou eu. Eu sou eu e você é você. A luz de uma estrela é luz, igual a luz de outra estrela, mas a luz de uma estrela é a luz de uma estrela e não de outra. Um dedo é a mão, outro dedo é a mão, os cinco dedos são a mesma mão, mas retirado os dedos, que mão tem? Universo não é unidade, é UNImultiplicidade. Convivemos, mas isso não significa ausência de individualidade, significa coexistência, pois como poderia haver convivência sem coexistência?
Viver em universalidade é viver consciente da unimultiplicidade. Unimultiplicidade significa que toda unidade é feita de múltiplas unidades igualmente diferentes. Por exemplo, todos os órgãos do corpo são igualmente o corpo, mas cada órgão do corpo é um órgão diferente. Aplicando a unimultiplicidade na coletividade humana, todos os seres humanos são igualmente a coletividade humana, mas cada ser humano é um ser humano diferente.
O que separa você dos outros seres humanos, não é que você é diferente, mas que você tenta ser igual. Você vive tentando ser igual os outros ou tentando fazer os outros serem iguais você. Os outros tentam fazer o mesmo.
Mas sendo que uniformidade é impossível, devido a universalidade do universo, você só consegue fracassar. Sendo que fracassar é dolorido, você sofre. Ao sofrer, você culpa o outro e o outro culpa você pelo sofrimento que estão causando por si e em si. Como solução ao sofrimento, excluem uns aos outros socialmente, ou moralmente, ou afetivamente, ou fisicamente.
Vivem juntos e separados.
— Violência é violar a unicidade do outro.
— Violência pode ser física, sensorial, afetiva e intelectual.
— Você viola a unicidade do outro porque ignora sua própria.
— Violência é outroísmo.
— Violência não é ataque, é defesa.
— Violência parece ataque porque o ataque é a melhor defesa.
— Você sai do ciclo da violência se tornando consciente de que está dentro dele.
Um erro justifica o outro? Dois erros fazem um certo? A violência que recebo justifica a violência que entrego? Vingança corrige erros? Essas são perguntas que o filme Coringa coloca na tela e dentro da nossa cabeça.
Por um lado, concordamos com a vingança do Coringa. Olho por olho dente por dente. Quem nunca quis matar seus algozes? Quem não os mata mentalmente todo dia? Quem nunca esfaqueou o chefe? Quem nunca torturou o pai, a mãe, a esposa, o marido e os filhos? Quem nunca metralhou os inimigos? Quem nunca apertou o botão da bomba atômica e explodiu a porra toda? Quem? Quem? Quem?
Somos vingativos. Mesmo fingindo santidade, secretamente queremos vingança assim como o Coringa. Por isso o filme do Coringa é perturbador. O filme projeta na tela o que desejamos em secreto e não temos coragem de admitir nem para nossa sombra. Somos Coringas por dentro, fingimos por fora.
Mas nem mesmo o Coringa vivia como Coringa no começo do filme. O que aconteceu? O que acontece dentro de um indivíduo que faz com que ele decida colocar em prática a vingança? Necessidade inadiável de sair da posição de agredido? Sim, claro! E essa necessidade é natural, saudável e justa. Porém, será que a vingança é uma estratégia capaz de atingir o objetivo almejado pelo vingador: o fim da violência?
O grupo de super-heróis mais famoso do cinema se chama: vingadores. O super-herói Batman nasce sob o juramento de Bruce Wayne de vingar a morte dos pais. Mas vingança é a mesma motivação do Coringa. Então, por que o Coringa é vilão enquanto Batman e os vingadores são super-heróis?
Quer aceitar algo? Aceite esse conselho: desista de aceitar o outro. Você é incapaz de aceitar o que não entende. Você não entende o outro, por isso não consegue aceitá-lo. E pior! Você não tem como entendê-lo. É impossível. Você não tem acesso ao outro, as crenças do outro, valores, sentimentos, motivações, preferências, etc. O outro é outro justamente porque é inacessível a você. Então, desista da missão impossível. Use essa mesma disposição e tempo para aceitar a si. Isso sim é possível. Você tem absoluto acesso a si. Você está sempre a sua disposição. E você é totalmente capaz de se entender. Mergulhe no autoconhecimento. Você tem 24 horas por dia de oportunidade para se conhecer. Aproveite. Quanto mais autoconhecimento, mais autoaceitação, quanto mais autoaceitação, mais fácil e simples é aceitar o outro, até inevitável, mesmo sem ter acesso ao outro, pois o outro é outro-você.
O oposto de violência não é paz. Paz é estado emocional. O oposto de violência é religião. E não me refiro a doutrinas religiosas, me refiro ao verbo religar, que é a origem da palavra religião. Violência é violar, separar, excluir. Religião é religar, reunir, incluir. Violência é tesoura. Religião é cola.
Não é preciso ter uma religião para ser religioso. Tanto ateus como deístas podem ser religiosos desde que pratiquem religar. O maior religioso da história humana, Jesus, não era cristão, era apenas religioso. Jesus nunca rezou missa, nunca pregou a bíblia, nunca disse para ninguém seguir uma religião, Jesus apenas explicou: “se alguém te bater, ofereça a outra face”. Jesus ensinou e praticou a não-violência, assim como Gandhi. Jesus chamou a prática da não-violência de amar. Quando Jesus dizia “ame!” não estava falando em ter sentimentos, estava dizendo: seja religioso, ofereça a outra face, pratique a não-violência.
Claro que é mais fácil decorar a bíblia do que oferecer a outra face. Claro que é mais fácil fazer caridade do que oferecer a outra face. Claro que é mais fácil rezar por um mundo melhor do que oferecer a outra face. Claro que é mais fácil atingir a iluminação do que oferecer a outra face. Contudo, nada disso resolve a violência. Assim como só o calor consegue evaporar a gota d’água, só a prática da religião consegue dar fim a violência.
Você ama Jesus? É seguidor dele? Ótimo! O que está esperando para fazer o que ele ensinou: oferecer a outra face? Você não ama Jesus? Você é ateu? É comunista? Apenas anseia viver em um mundo menos violento? Ótimo também! Está esperando o quê para dar sua parcela de contribuição a comunidade? Aí está explicado no que consiste ser religioso e praticar religião. Se deseja uma convivência menos violenta, boa prática!
Os porcos espinhos saíram do estado de isolamento e caminharam até a porta. Antes de entrarem, o guardião explicou: — Assim que vocês atravessarem essa porta, começarão a experimentar uma coisa chamada “convivência”. Vocês irão interagir, trocar e cooperar uns com os outros. Mas também irão magoar e machucar uns aos outros muitas e muitas vezes. Lidar bem com o mal faz parte da aprendizagem da boa convivência. As brigas, as mágoas, os espinhos devem ser usados para aprendizagem. No começo é difícil porque dói muito. Aprendam a usar a dor como despertador e professor. Ao sentirem dor, olhem para o que está acontecendo dentro de vocês, nunca para fora. Bons estudos e podem entrar!
Quando você pratica violência, você está tentando excluir o outro. É como se você não desse permissão para o outro existir. É como se você dissesse: desapareça! Você quer excluir o outro do universo. Só que o universo é tudo. O universo é o sistema total. Não dá para excluir nada. Como você vai excluir uma pessoa do universo? Não tem para onde você expulsar. Não tem lado de fora do universo. A exclusão não funciona. É impossível.
Tem uma frase do Greenpeace que diz assim: “Do ponto de vista do planeta, não existe lixo”. Quando você quer excluir o lixo, você pega o lixo e põe para fora da sua casa, põe na rua. Mas esse lixo não deixa de existir. O lixeiro pega seu lixo e leva para o aterro sanitário. O aterro sanitário fica cheio de lixo. E o aterro sanitário é o planeta. E o planeta é sua casa. Por isso é tão importante a questão da reciclagem. Ou executa a reciclagem do lixo, ou fica esse monte de lixo amontoado no mundo.
Na Idade Média, por exemplo, as pessoas emporcalhavam os castelos que moravam até não aguentar mais. Daí, ao invés de limparem o castelo, se mudavam para outro castelo. Isso ilustra bem a mentalidade da exclusão.
Do ponto de vista do planeta, não existe lixo. Do ponto de vista do universo, não existe exclusão. Por isso, na declaração de universalidade, tem um trecho que diz: “Toda forma de exclusão e desrespeito que em mim enxerga de mim não passa”. Exclusão é impossível. Quando você tenta fazer algo impossível, você vive mal.
Desrespeito é você tentando mudar a unicidade do outro. O outro é verde e você quer que ele seja azul. “Fica azul! Fica azul! Verde eu não gosto. Fica azul”. Quando você faz isso, está desrespeitando a unicidade do outro. Está cometendo um ato de violência. E está colaborando para a perpetuação do ciclo da violência.
A declaração de universalidade é uma declaração de compromisso com o fim do ciclo de violência. “Toda forma de exclusão e desrespeito que em mim chega de mim não passa”. Dizer isso é o mesmo que dizer: “Eu me comprometo a jamais perpetuar o ciclo da violência, eu me comprometo com a universalidade”.
Mas na hora que o outro te violenta, o que você faz? Você revida. Imediatamente. Bateu, levou! Usando a metáfora cristã, na hora que o outro te dá um tapa na cara, você não pensa em oferecer a outra face, você pensa que é justo revidar. E você está certo. Justiça é igualar os lados. O outro te deu um tapa. É justo revidar.
Só que um erro não justifica o outro. Quando você revida, você está tentando dar fim a violência perpetuando a violência. Fazer isso é igual tentar apagar um incêndio colocando mais fogo. “Ah, mas é justo!”, você pensa. Sim, é justo. Mas quando você planta violência, colhe violência. “Ah, mas não fui eu que comecei!”, você justifica. Sim, mas imagine que você é um soldado em uma guerra. De que importa quem começou a guerra? O que importa é que se nenhum dos lados decidir parar, a guerra, que ninguém sabe quem começou, irá continuar.
Não importa quem começou com a violência, o que importa é levá-la ao fim. Você leva um tapa na cara. A violência chegou em você. A guerra chegou em você. Não foi você que começou. Mas você tem arbítrio. Você pode optar por dar fim a violência. Ou pode perpetuá-la. A parte da declaração de universalidade que diz, “toda forma de exclusão e desrespeito que em mim chega de mim não passa”, expressa a decisão de dar fim a violência.
Basta você decidir e pronto! Fim da violência. Só que receber violência e optar pelo fim da violência é o mesmo que perdoar uma dívida. A tentação por revidar é quase irresistível. Imagine que o outro te dê 10 tapas consecutivos na cara. Pá, pá, pá, pá, pá. Você se questiona: “Levei 10 tapões e não vou poder dar nem um tapinha de volta? Vou perdoar essa dívida?”. Para dar fim ao ciclo de violência, sim.
Perpetuar o ciclo de violência ou perdoar a dívida? Eis a questão. Eis a decisão a ser tomada. Vou ilustrar com um exemplo meu. Estou jogando futebol. Faço uma coisa errada. O outro me xinga e grita: “Seu retardado, não consegue nem chutar uma bola! Vai embora!”. A violência chegou em mim. A exclusão e desrespeito chegou em mim. Daí a pessoa faz uma cagada pior que a minha. Nesse instante, tenho que decidir entre perpetuar o ciclo de violência ou perdoar a dívida.
É a minha chance de revidar. É a minha hora de montar em cima da cabeça do outro e cagar grosso. Ele merece, porque gritou comigo. E é justo, porque foi ele que começou. Só que se eu optar pela violência, embora o outro mereça retaliação, e embora seja justo, estarei perpetuando o ciclo da violência que quero que termine. Então, para realizar meu desejo de dar fim ao ciclo de violência, perdoo a dívida.
INTERLOCUTOR: Mas é melhor revidar que engolir sapo.
— Dar fim ao ciclo de violência não é engolir sapo, é ser inteligente. É a única opção que produz boa convivência. Por isso, perdoar a dívida só funciona se você entender que precisa perder na guerra da violência para ganhar no bem viver.
INTERLOCUTOR: Você falou também que não quero matar o outro, quero matar o comportamento do outro.
— Sim, ao percebe a função espelho, você usa a violência recebida para autoconhecimento. Você pensa assim: “Que essa violência recebida sirva de lição para que eu jamais faça com os outros isso que fizeram comigo”. Eis a explicação da famosa regra de ouro: não faça com os outros o que não quer que faça com você.
Imagine dois cegos jogando ping pong. Assim é sua convivência. Você ignora a causa do seu comportamento e o outro ignora a causa do comportamento dele. Como uma convivência baseada na ignorância pode ser de boa qualidade? Impossível. E não adianta força de vontade. Não adianta tentar resolver comportamento atuando sobre o comportamento. Fazer isso é como tentar curar febre atuando sobre o termômetro. Comportamento é efeito. Para resolver sua febre você deve descobrir a causa da sua febre. Para melhorar a qualidade da sua convivência você deve descobrir a causa do seu comportamento. Sendo que a causa do seu comportamento está em você, para descobri-la, só tem um jeito: praticando autociência. Eis como jogar bem o jogo da convivência.
Não! John Lennon errou. All you need is not love. Você deve despertar a consciência. Amor não é solução, amor é o problema. Quer ver? Por que o homem bomba faz kabum? Porque ama deus. Por que os alemães dizimaram os judeus? Porque amavam sua pátria. Por que os adoradores da ideologia A difamam a ideologia B e vice versa? Porque amam suas ideologias. Por que seu pai lhe obriga a usar um sapato 36 sendo que você calça 37? Porque seu pai te ama. Por que você aceita? Porque você ama seu pai. Por que você coloca uma coleira na sua namorada e a proíbe de ter outros namorados? Porque você ama sua namorada. E assim por diante. Percebe? É tudo por amor! Sempre! Inevitavelmente! Essa é a primeira obviedade para qual você deve despertar. A segunda é que você não sabe amar. Você ama em absoluta ignorância do que é, para que serve e como funciona. Mas o sonho não precisa acabar, apenas deve se tornar um sonho lúcido. Ou então, você vai continuar criando o problema e cantando “love, love, love…”.
Em se tratando de um ataque psicológico, não há necessidade de defesa. Não há nada que o outro possa fazer para ferir sua unicidade afetiva e intelectual. Vamos supor que você me ataque psicologicamente me chamando de feio. Qual é o problema? Nenhum. Você me chamou de feio. Só isso! Eu não preciso me defender do seu ataque. Eu sou o que sou e não tenho como deixar de ser. Quando você me chama de feio eu não deixo de ser o que sou. Se você me chamar de bonito, também não deixo de ser o que sou. Então, qual é a necessidade de me defender? Nenhuma. Mas se eu quiser que você me considere bonito, daí sim tenho que me defender.
A raiva não se transforma em mágoa, produz a mágoa. A raiva vem para você ficar consciente que sua unicidade está sendo violada pelo outro. Quando você abafa a raiva, finge que está tudo bem, a raiva continua ali dando o recado dela, e quando o outro te violenta de novo, soma a raiva com a memória da raiva, sendo esse outro uma pessoa do seu afeto, a raiva acumulada vai produzindo mágoa, vai maculando seu afeto.
Despertando a consciência para o que é ser humano e como funciona a experiência humana. Sem essa consciência é impossível conviver bem. Onde é que eu compro essa consciência? Vende no supermercado? Tem na internet? Entrega pelo correio? É gratuito, mas você não encontra em lugar nenhum. Para adquirir essa consciência você deve praticar autociência. Onde eu pratico isso? Na academia? Tem curso disso? Você pratica em si, se observando. Quando eu pratico isso? Você tem duas opções: (A) agora ou (B) nunca.
Não educando. Educação é o nome politicamente correto do outroísmo impositivo. Educar uma criança, no sentido de programá-la para seguir seus valores e crenças, não é diferente de domesticar um cachorro. Você bate palmas e a criança rola no chão. Você assobia e a criança fica em pé. Você balança a cabeça para direita e a criança pula. E assim por diante. Se você não quer ser outroísta impositivo com uma criança, nem com ninguém, desista da educação. Tentar resolver a violência através da educação é igual tentar apagar fogo jogando gasolina. Dito isso, vamos supor que você queira ensinar uma criança a falar russo. O que é necessário, fundamental e imprescindível para que isso seja possível? Você precisa saber falar russo. Como você pode ensinar algo que você mesmo não sabe o que é e nem como fazer? Impossível! Então, como você pode ensinar uma criança a viver autoísta se você mesmo não sabe? Impossível também. Se você quer ensinar uma criança ou qualquer pessoa a viver autoísta, primeiro pratique em si mesmo. Se concentre só e completamente nisso. Esqueça todo o resto. Abandone todo o resto. Conforme você for despertando a consciência, você fará isso em sua própria experiência humana. Quanto mais você viver em si o que quer ensinar ao outro, mais o seu viver estará ensinando o outro sem que você precise falar nada. Resumindo, seja o exemplo do que você quer ensinar, caso contrário, a única coisa que você estará ensinando ao outro é a hipocrisia.
Imagine que você está jogando futebol e toda vez que a bola vem para você o juiz apita e marca falta. Você não consegue sair desse ciclo, fica preso nele, dentro dele. Basta alguém passar a bola para você e o ciclo se repete, o juiz apita e marca falta. Então, você decide descobrir porque está preso no ciclo do apito. Você investiga o jogo e descobre que futebol se joga com os pés e você está usando a mão. Por isso que toda vez que passam a bola para você se repete o ciclo do apito. Você está pegando a bola com a mão. Ao ficar consciente disso, você para de pegar a bola com a mão e sai do ciclo do apito. Analogamente, o mesmo acontece com o ciclo da violência. Você fica preso no ciclo da violência porque combate violência com violência. Para sair, você deve ficar consciente que está dentro.
Você é culpado pelas suas opções. Os outros são culpados pelas opções deles. Numa convivência todos são culpados, mas cada um com sua parcela. Assuma sua parte da culpa e deixe com os outros a parte deles.
Sua doença (equívoco) é acreditar que o outro lê pensamento. Então, quando você comunica sua dor ao seu agressor, você está se curando do equívoco de que o outro lê pensamento. Pode ser que o outro não se importe com sua dor, mas pelo menos ele estará ciente de como o comportamento dele está afetando você.
Não gosto de falar sobre o que não é óbvio, mas nesse caso vale o desconforto.
Certa vez, fizeram a seguinte pergunta a um extraterrestre que estava se manifestando através de um médium: “Como será quando os extraterrestres chegarem?”. Ele respondeu: “Vocês se sentirão envergonhados!”. Uma pessoa no grupo perguntou: “Envergonhados com o que? Com vocês? Com a forma como vocês vivem?”. Ele respondeu: “Não, vocês ficarão envergonhados com vocês mesmos, com a forma que vocês vivem!”. Poucos entenderam a resposta. Até porque era preciso já estar envergonhado para entendê-la.
Ora, só mesmo com a consciência muito adormecida para não sentir vergonha da forma como vivemos. Hipocrisia, recalque, violência, vingança, luta pelo poder. E seguimos sem remorso! Como? Que nível de inconsciência é esse que acha isso normal?
Sua opção por viver de forma outroísta resulta em você executar atos de natureza outroísta (atos violentos), esteja você consciente disso ou não.
Sim, você ataca para se defender. Ou seja, você ataca porque está se sentindo vitimizada, prejudicada. Só que o fato de você estar se sentindo vítima, não significa que está sendo vítima. Quando você está andando na rua e começa a chover, por exemplo, a chuva te molha e te prejudica. Você pode até ficar resfriada e morrer. Só que a chuva não está querendo te prejudicar, a chuva só está sendo chuva. O mesmo acontece na sua convivência com outros seres humanos. O outro não está querendo te prejudicar, o outro só está sendo outro. Você não é vítima. Mas você pode se sentir vítima se acreditar assim. E você pode se sentir vítima por qualquer coisa que o outro fizer. O outro respira e você acredita que ele está querendo roubar o seu ar. O outro comemora o gol do time dele e você acredita que ele está menosprezando o seu. E assim por diante.
Você está focando no comportamento e não na intenção. Quando a intenção do seu ataque não é controlar o outro, mesmo sendo um ataque, não é outroísmo. Um time de futebol, quando está atacando o outro, não tem intenção de controlar o outro, tem intenção de fazer o gol e ganhar o jogo, logo não é outroísmo. O mesmo acontece com a fuga. Se a intenção da fuga for controlar o outro, como por exemplo, mentir para fugir da culpa, daí sim, é outroísmo. Se a intenção da fuga não for controlar o outro, como por exemplo, fugir de um bandido armado, isso não é outroísmo.
Ficando consciente que é exatamente assim que funciona a brincadeira de convivência e não tem como ser diferente. Tudo que você faz prejudica alguém e vice versa. Tudo que você não faz também prejudica alguém e vice versa.
Se não quer brincar não desce no play. Entrou na brincadeira da convivência, não tem para onde fugir. Frustrar e ser frustrado, prejudicar e ser prejudicado, desagradar e ser desagradado, contrariar e ser contrariado, é inevitável na convivência.
Depois, ficando consciente que assim como você não nasceu para satisfazer as expectativas dos outros, os outros também não nasceram para satisfazer as suas.
Por fim, conversando e encontrando uma opção que beneficie ambos simultaneamente.
Quem enfia a faca não sente a dor; por isso, é importante gritar quando dói, ou seja, falar sobre a violência recebida para quem lhe violentou. Senão, o outro não tem como tomar consciência do efeito do seu ato e, consequentemente, não tem como mudar de comportamento. Geralmente é impossível e improdutivo falar no momento. O outro está de cabeça quente, você também está de cabeça quente e não tem comunicação de fato. Qualquer palavra é como jogar gasolina no fogo. Espere a tempestade passar para que o barco da comunicação possa navegar com eficiência. Quando o outro estiver receptivo, abra seu coração e comunique sua dor para ele, sem medo de ser feliz. Se o outro estiver interessado em melhorar a qualidade da convivência, irá lhe entender e pedir desculpas. Se não tiver interesse nisso, irá enfiar outra faca no seu coração aberto. Vai doer em dobro. Mas tudo bem! Toda vez que você expressa seu sentimento, você está diretamente se curando e, indiretamente, curando o outro e sua coletividade inteira.
É ficar alternando entre outroísmo submisso e impositivo. Por exemplo, durante um relacionamento, você está numa posição submissa e o outro numa posição impositiva. Nessa posição, você fica em autonegação para evitar que o outro te rejeite, por exemplo. Passado um tempo, você não aguenta tanta autonegação. Só que ao invés de você sair da posição submissa e ir para a posição autoísta, você vai para o outro lado da gangorra, você vai para a posição impositiva, você parte para a vingança e se torna o opressor do opressor. Daí, o outro começa a te rejeitar, tal como você não queria. E mais uma vez, ao invés de você ir para a posição autoísta, você vai para o outro lado da gangorra, você volta para posição submissa para recapturar o afeto do outro. E assim por diante. Eis a gangorra do outroísmo.
Dê a si mesmo o seguinte comando mental: “Eu não posso pensar em abacate!”. Se logo após esse comando, você pensar em abacate, repita o mesmo comando: “Eu não posso pensar em abacate!”. Se após repetir, você ainda estiver pensando em abacate, repita novamente e assim por diante. Se você fizer isso a vida inteira, você passará a vida inteira pensando em abacate. Se você passar a vida inteira pensando em abacate, quando terá oportunidade de pensar em si? Nunca! O outro é um abacate. Quando você é outroísta em pensamento, quando fica tentando mudar o outro na sua imaginação, tudo que você consegue é ficar pensando no outro. Se você passar a vida inteira pensando no outro, quando terá oportunidade de pensar em si? Nunca! Esse é o malefício do outroísmo mental.
Se submeter não, mas é preciso cooperar com a vontade do outro. Por exemplo, você quer usar o banheiro e o outro também quer usar o banheiro. Não dá para vocês dois sentarem na mesma privada ao mesmo tempo. Um precisa esperar o outro. Vamos supor que você decida esperar. Você não se submeteu a vontade do outro, você está cooperando com a vontade do outro. E você não está cooperando em benefício apenas do outro, mas em benefício próprio. Pois enquanto um não cooperar com o outro, ambos só conseguirão bloquear um ao outro e nenhum dos dois conseguirá realizar o que quer: usar o banheiro. Essa foi a descoberta de John Nash, conhecida como equilíbrio de Nash: a melhor opção é a colaboração, pois com colaboração todos tem seus desejos realizados.
O maior evento de adoração brasileiro se chama romaria, que é um evento de adoração da mãe de Deus. Se é pecado odiar Deus, que dirá a mãe dele! O único amor verdadeiro no universo, puro, cristalino, incondicional, imaculado, é o amor de mãe. Como você vai odiar quem te ama de forma tão imaculada? Por fim, quem te deu a vida? E que dinheiro paga essa dívida? Nenhum! Entende? Segundo a mentalidade materialista, você não nasceu, você foi colocado dentro de uma dívida eterna e está condenado a pagar um boleto até morrer, pois sem sua mãe você não existiria.
Seres humanos pisam uns nos outros para se sentirem por cima. Ironia e tiração de sarro servem para isso. Xingamento também. Maledicência e injúria também. A estratégia muda, mas o objetivo é sempre o mesmo: ficar por cima. E funciona. Principalmente entre aqueles que temem serem pisados também ou que querem pegar carona na subida.
Um náufrago estava caminhando por uma ilha deserta quando viu uma pessoa se afogando no mar. O náufrago se jogou na água, salvou a pessoa e a levou para ilha. Chegando na ilha, descobriu que a pessoa era a Sharon Stone. Muito agradecida, Sharon Stone disse ao náufrago para pedir o que quisesse em retribuição ao salvamento. O náufrago não hesitou e disse: “Quero fazer sexo com você!”.
Durante dois mês eles transaram todos os dias e o náufrago ficou muito feliz. No terceiro mês o náufrago começou a ficar deprimido. Sharon Stone percebeu e perguntou se podia fazer algo mais para deixá-lo feliz. Sem hesitar, o náufrago pegou um velho baú de roupas e vestiu a Sharon Stone de paletó e gravata. Depois disse: “Faz de conta que estamos na civilização e você é meu colega de trabalho. Eu vou ficar parado aqui como se estivesse no elevador lotado. Você chega e me cumprimenta”.
Sharon Stone achou estranho, mas concordou. Ela entrou no elevador fictício vestida de homem e disse: “Olá, tudo bem com você?”. E o náufrago respondeu entusiasmado: “Raaaaapaaaaz, você não vai acreditar com quem estou transando!”.
Entendeu o fundamento da treta? Por isso você jamais recebeu e jamais receberá uma mensagem no privativo dizendo que tem pinto pequeno ou que é gorda balofa. Glorificação e difamação só funcionam quando tem plateia. Quem joga flores ou tomate é o público. Difamação privada vai direto para privada. Não tem poder nenhum. Difamação só funciona quando é feita na rede globo em horário nobre. Difamação privada não é difamação, é conversa. Você envia uma mensagem descrevendo o desafeto com a intenção de conversar e resolvê-lo, não de piorá-lo.
Violência física é violar a unicidade física do outro. Você tenta forçar um BEM para o outro, mas o seu BEM resulta em um MAL. Ex: Você me obriga a beber suco de laranja. Vai me fazer MAL. Coisa ácida faz MAL para mim. Violência sensorial é violar a unicidade sensorial do outro. Você tenta forçar um BOM para o outro, mas o seu BOM resulta em um RUIM. Ex: Você me obriga a escutar funk. Vai ser RUIM. Ouvir funk é um desprazer para mim. O suco de laranja é prazeroso, mas a acidez me faz mal. Percebe que uma mesma interferência pode ser violenta em uma dimensão e não em outra? Não é fácil ser quaternário.
Só tem uma única coisa que você pode fazer. Ou você faz essa única coisa, ou não faz. Ou você faz essa única coisa, ou estará apenas fingindo que está fazendo alguma coisa. Essa única coisa é praticar autociência, despertar a consciência existencial, psicológica e pessoal e assim, ser MENOS UM em estado de ignorância.
Praticando autociência e ficando consciente que a pessoa falecida que você chamou de mãe era um ser humano igual você, ignorante igual você, que fez merda igual você. E ficando consciente da função espelho que o comportamento da sua mãe teve para você.
Respeitar o outro é dar permissão ao outro de ser outro. Só que o outro não precisa da sua permissão para ser outro. Se isso não é óbvio para você, faça um teste. Proíba o tomate de ser tomate. Proíba a laranja de ser laranja. Proíba o fogo de queimar. Proíba a água de ser molhada. Proíba o açúcar de ser doce. Proíba a galinha de botar ovos. Proíba o sol de brilhar. Faça isso e você ficará consciente que o outro não precisa da sua permissão para ser outro. O outro não precisa do seu respeito. Quando você dá permissão ao outro de ser outro, você não está libertando o outro, você está libertando a si mesmo dessa missão impossível. O outro é outro e vai viver sendo outro independente de você respeitar isso ou não. Mas quando você não dá liberdade ao outro, quem fica preso é você.
Você deve observar sua intenção. Viva em constante observação sobre o motivo de suas manifestações. Quando o motivo da sua manifestação for controlar o outro, essa manifestação é outroísta. Quando o motivo da sua manifestação for se expressar, for você sendo você, essa manifestação é autoísta.
Talvez você e a outra pessoa estejam falando a mesma coisa de jeitos diferentes. Você é 100% culpado pelo que você opta. O outro é 100% culpado que ele opta. Então, quando você e o outro se relacionam, sendo que você é 50% do relacionamento e o outro é 50%, está correto dizer que cada um é 50% culpado pela produção do relacionamento.
Vingança é uma estratégia de convivência. Mas é uma estratégia de convivência outroísta (violenta), então, geradora de atos violentos.
Estudo do ser humano no aspecto existencial, psicológico, pessoal e social.
Aula do ciclo de estudos de autociência – EUreka 2021