Grandes artistas são reveladores do ser humano. Esse é o caso do cineasta Lars Von Trier. Dogville não é uma cidade, é o que somos. Dogville sou eu. Dogville é você. Dogville é o ser humano. Mas se Dogville somos nozes, por que é tão repulsivo? Simples, porque é espelho da nossa hipocrisia. Dogville revela o que escondemos atrás das paredes. Já ouviu aquela expressão que diz “Ah! Se as paredes falassem!”. Lars Von Trier faz as paredes falarem. E pior! Faz as paredes falarem sobre tudo que escondemos atrás delas.
Existe um conceito no teatro chamado “quarta parede”. A quarta parede é uma parede imaginária que fica entre o palco e a plateia. A quarta parede não existe, é apenas um conceito dramatúrgico para os atores agirem espontaneamente como se estivessem entre quatro paredes. A banda Capital Inicial tem uma música chamada “Quatro Vezes Você” que fala da quarta parede. A letra diz assim: “Rafaela está trancada há dois dias no banheiro, enquanto a sua mãe toma Prozac, enche a cara e dorme o dia inteiro. Carolina pinta as unhas roídas de vermelho. Em vez de estudar fica fazendo pose nua no espelho. O que você faz quando ninguém te vê fazendo? O que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?”
Somos como uma casa com quatro paredes. Nossas paredes são nossos corpos, que escondem nossos pensamentos, sentimentos e desejos. Mas o que aconteceria se nossas paredes falassem? O que aconteceria se a casa humana perdesse todas as paredes e nossos pensamentos, sentimentos e desejos se tornassem visíveis? É isso que Lars Von Trier faz no filme Dogville. É isso que a prática da autociência faz com seus praticantes.
Não queremos ver o que realmente somos. Não queremos ver nossas doenças psicológicas. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento. Queremos fingir que somos felizes, bem resolvidos, corretos, justos, amorosos, virtuosos, espiritualizados, cheirosos e saudáveis. Queremos fingir que somos belas violas.
No final de outro filme, A Ilha do Medo, o personagem principal, Teddy, faz a seguinte pergunta ao seu psicólogo: “O que seria pior, viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”. A pergunta de Teddy é ótima, mas desconsidera uma terceira opção, podemos viver como um monstro em processo de cura. Se você está decidido pela terceira opção, assistir Dogville faz parte da medicação de cura. Pode assistir várias vezes, sem restrição. Boa cura!
