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Você sabia que nossos antepassados acreditavam que a Terra era plana e se mantinha no espaço suportada por quatro elefantes em pé sobre as costas de uma tartaruga? Hilário, não? Pois é! Hoje em dia, olhamos para trás e achamos que nossos antepassados foram tolos em acreditar nisso.

No futuro, quando a natureza existencial dos seres humanos for senso comum, quando todos estiverem conscientes que são SERES humanos e não CORPOS humanos, nossos sucessores também olharão para trás e acharão que fomos tolos em acreditar no materialismo.

O materialismo tem sido nossa tolice desde sempre. Tanto o conhecimento científico como o senso comum estão alicerçados na crença de que a matéria existe e a consciência é um fenômeno derivado da manifestação da matéria. Diversas tradições espirituais falam o oposto, que a consciência existe e a matéria é um fenômeno derivado da manifestação da consciência. Mas é raro um ser humano consciente de que é SER humano e não CORPO humano.

O motivo disso é que para ver a ilha é preciso sair da ilha. Ou seja, para que você fique consciente de que é um SER humano e não um CORPO humano, você precisa sair da matéria (sair da ilha). Mas isso é impossível, porque não tem como você sair de onde não entrou.

Para você sair da realidade física (matéria) e chegar na realidade metafísica (além da matéria) seria preciso que você estivesse dentro da realidade material e saísse. Só que você não está, nunca esteve e jamais estará dentro da realidade material (física), é a realidade material que está dentro de você. Eu sei que essa afirmação parece absurda, mas é óbvio ululante, e você só acha absurda porque está adormecido sobre sua natureza existencial. Você vive como um personagem em um sonho que se esqueceu que é o sonhador.

Um pequeno ganso é colocado dentro de uma garrafa e alimentado através da boca da garrafa. O ganso vai ficando cada vez maior e preenche toda a garrafa. Passado um tempo, o ganso está muito grande e não pode mais sair pela boca da garrafa. Como tirar o ganso de dentro da garrafa sem destruir a garrafa e sem matar o ganso?

Esse é um koan budista. Koans são perguntas enigmáticas inventadas pelos mestres budistas para levarem seus alunos até alguma eureka. A eureka deste koan é que não existe metafísica. A garrafa representa o equívoco do materialismo e o ganso é você acreditando nesse equívoco, ou seja, acreditando que é um CORPO humano.

Na solução desse koan, o discípulo tem uma eureka, corre para o mestre e diz: “Já sei como tirar o ganso de dentro da garrafa!”. O mestre pergunta como e o discípulo responde: “Percebendo que o ganso está fora da garrafa”. O mestre reconhece a iluminação do discípulo e diz: “Muito bem! Agora conserve fora o que nunca esteve dentro!”.

Você não é um CORPO humano, apenas acredita que é. Por isso, sua busca para transcender a matéria, para atingir a realidade metafísica, é justamente o que te mantém dentro da garrafa (dentro do equívoco do materialismo). Perceba que é sua observação que cria a matéria e não o oposto. É assim que você sai da garrafa em que nunca esteve dentro.

Imagine que você é um SER imaterial que colocou um óculos de realidade virtual que simula uma realidade material humana igual essa que você está experimentando. Imagine que você esqueceu que colocou o óculos e alguém lhe diga que você é um SER imaterial e que só está se vendo como CORPO porque está usando um óculos de realidade virtual. Como você pode saber se isso é verdade? Basta você tirar os óculos de realidade virtual, não é? Mas e se for impossível tirar os óculos?

Eis o grande desafio do despertar existencial (iluminação). Uma vez que você, SER imaterial, decide brincar de SER humano, é como se você colocasse esse óculos de realidade virtual e esquecesse. Como é impossível tirar os óculos, você passa a acreditar que é um CORPO humano. E mais! Passa a alimentar esse equívoco diariamente. Por isso, parece um absurdo a afirmação de que é a realidade material que está dentro de você e não o oposto. Você alimentou demais o ganso e não consegue mais tirá-lo de dentro da garrafa.

Diante a afirmação de que é sua observação que cria a realidade material, você pode argumentar: “Quando fecho os olhos o mundo continua lá! Prova disso é que quando abro os olhos, volto a enxergá-lo!”. O problema desse argumento é que está alicerçado no equívoco de que você tem olhos. Você é um SER imaterial. Você não tem olhos, você é um olhar sem olho (consciência). Seus olhos humanos são tão materiais como os olhos de um personagem em um sonho.

Em uma realidade sonhada quem está enxergando a realidade não são os olhos do personagem, é o olhar do sonhador. Quando você fecha os olhos em um sonho, você não para de ver o que estava vendo, você para de sonhar o que estava sonhando. Quando abre os olhos, você não volta a enxergar, você volta a sonhar. Analogamente, você não vê o mundo porque está lá fora e você tem visão, mas porque visão não é visão, é criação.

Feche os olhos e imagine que você é uma pessoa olhando para uma cadeira. Permaneça imaginando isso e se pergunte: Eu estou vendo essa cadeira com os olhos ou estou criando essa cadeira com a imaginação? Faça esse exercício e você perceberá que está criando a cadeira e não vendo a cadeira. Visão é um equívoco. Você não é um CORPO humano com visão, você um SER imaterial usando um óculos de realidade virtual que faz você acreditar que é um CORPO humano com visão.

Como sair do equívoco do materialismo sendo que é impossível tirar os óculos de realidade virtual? O truque para você tirar os óculos sem precisar tirar os óculos, é perceber que você não é um observador DENTRO da realidade material (dentro do sonho), que você é o observador DA realidade material (observador do sonho).

O óculos de realidade virtual tem perspectiva espacial binária: espaço cheio e espaço vazio. Por isso você acredita que é um corpo (espaço cheio) separado por distância (espaço vazio) dos outros corpos (outros espaços cheios). Para sair desse equívoco, mesmo usando os óculos que criam o equívoco, você precisa perder a perspectiva espacial binária.

Como fazer isso? Ao invés de olhar para a realidade como sendo uma infinidade de coisas (espaços cheios) contidas no nada (espaço vazio), olhe para a realidade como sendo uma coisa só, um espaço só, completamente cheio. Ao invés de usar o espaço vazio para separar uma coisa da outra, use o espaço vazio para unir uma coisa na outra, até que não tenha mais separação entre as coisas e tudo seja a mesma coisa: a realidade observada.

Uma vez que esteja executando essa observação unificadora, faça a seguinte reflexão: “É inegável que sou o observador que está observando essa realidade, mas onde eu estou nessa realidade que estou observando?” Você irá perceber que você não é um observador DENTRO da realidade (CORPO humano), que você é o observador DA realidade (SER humano).

Esse é o despertar existencial (iluminação).

Finalmente chegamos ao título desse livro: Quarta Parede. O que é a quarta parede? Quarta parede é uma convenção dramática usada por atores de teatro, cinema e televisão que supõe uma parede imaginária que separa o observador do observado, ou seja, separa o público do palco. Embora o público possa ver os atores no palco através dessa parede imaginária, a suposição da quarta parede funciona como uma parede de verdade, ajudando os atores a esquecerem do observador (público) e focarem na dramaturgia.

Quebrar a quarta parede é quando o observador que estava sendo ignorado passa a ser reconhecido. Quando um ator quebra a quarta parede, ele reconhece o público e fala diretamente com ele, consciente da sua presença. Isso pode ser feito de várias maneiras, como, por exemplo, falando diretamente para o público: “Oi, tudo bem! Está confortável aí na cadeira? Está gostando do espetáculo?”.

Despertar existencial (iluminação) é quando você quebra a quarta parede, sai do equívoco de CORPO humano e se percebe como SER humano. Em outras palavras, é quando você percebe que é o observador da sua realidade.

No final do capítulo sobre como atingir a iluminação, sugeri que você fizesse uma observação unificadora e se perguntasse: “É inegável que sou o observador que está observando essa realidade, mas onde eu estou nessa realidade que estou observando?”. Ora, você está onde todo observador está: na quarta parede.

Você, SER imaterial, é a quarta parede. A realidade material que você está observando, que inclui seu corpo, é o observado, o palco onde tudo está acontecendo. Só que você é um observador adormecido, igual quando vai ao cinema e se identifica tanto com o filme que esquece que é o observador sentado na poltrona. Por isso, quando o ator no cinema quebra a quarta parede, você leva um susto. A quebra da quarta parede faz você ficar consciente de algo que estava se esquecendo: de si, observador.

O mesmo acontece quando você se identifica com o materialismo e acredita que é um CORPO humano. Se você, CORPO material, quebrasse a quarta parede e conversasse diretamente com você, SER imaterial, você também levaria um susto e cairia em si.

Se isso fosse possível, você gostaria que acontecesse? Gostaria que seu corpo quebrasse a quarta parede e te deixasse consciente que é um SER humano e não um CORPO humano? Gostaria de atingir a iluminação agora, sem precisar ler livros, estudar, ouvir palestras, conversar com gurus, beber chá de cipó ou passar anos meditando? Se sim, assista o vídeo abaixo e repita o experimento na sua sala de teatro (realidade).

Filme que deixa explicita a quarta parede.

Depois que Eckhart Tolle escreveu o livro “O Poder Do Agora”, virou febre falar coisas como “ficar no agora” e “viver no agora”. Desde então todo mundo tenta viver no agora. Tenta com empenho e persistência. Tenta com sinceridade. Tenta com a melhor das intenções. Só que ninguém consegue. O fracasso da prática de viver no agora é total, colossal e retumbante.

Mas por que ninguém consegue viver no agora se só existe agora? Porque viver no agora não é estar presente agora, agora, agora, agora, agora, ou seja, a cada frame do filme da vida. Viver no agora é estar consciente que a vida é um filme passando na consciência e que você é a consciência que está assistindo.

Por isso, por mais que tente, ninguém consegue viver no agora. Ao invés do praticante ficar consciente que é a consciência parada — aqui e agora — assistindo o filme em movimento, o praticante tenta viver cada frame do filme e se esquece completamente que é essa consciência parada aqui e agora.

O resultado desse equívoco é o oposto do que a prática de viver no agora visa proporcionar. Ao invés do praticante ficar em paz, fica angustiado, pois ao invés de êxito, só consegue fracassar. Quanto mais tenta, mais fracassa. Quanto mais fracassa, mais angustiado fica. Quanto mais angustiado fica, mais tenta. E assim por diante.

Se tem uma coisa impossível de ser vivida é o agora. Quando é agora? Agora? Mas agora já passou! Como observou Heráclito, a única coisa permanente na vida é a impermanência. Em suas palavras: “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é o mesmo e você também já não é o mesmo.”

Sendo assim, o que é viver o agora então? Como deixar de fracassar e obter êxito nessa prática?

Viver no agora é viver na quarta parede. Simples assim! Fácil assim! Fique consciente dessa realidade na sua frente! Essa realidade em constante movimento que você está experimentando aqui, agora e sempre. Note que você — experimentador dessa realidade — nunca saiu e nunca sai do lugar, nunca volta ao passado e nem vai para o futuro, está sempre aqui e agora.

Note que você é a quarta parede. E mais! Note que as três paredes não existem, é apenas um filme tridimensional e humano acontecendo na consciência que é você. Perceba isso e fique consciente disso enquanto o filme acontece e sua vida se desenrola nele. Fazer isso é viver no agora. E quando você perder isso, não se preocupe, basta voltar.

O iluminado mais famoso da história humana é Sidarta Gautama, conhecido como Buda. A história da sua vida é a história da sua iluminação. Assista à história de Sidarta antes de continuar a leitura.

Nas cenas finais do filme, Sidarta está sentado na famosa posição de flor de lotus — posição de meditação — e está meditando a fim de atingir a iluminação. Ele está determinado, e Mara — que representa o materialismo — reforça seus esforços para impedi-lo.

Primeiro, vem as paixões materiais (orgulho, cobiça, etc). Depois, maremotos e explosões. Depois, surge um exército gigantesco. Flechas de fogo são acesas e atiradas na direção de Sidarta, mas ele permanece tranquilo. E para sinalizar que venceu o materialismo, as flechas se transformam em pétalas de rosa.

Mas a derrota não foi completa. O materialismo ainda tenta convencer Sidarta de que ele é o corpo. De que a consciência é produto da matéria. “Eu sou sua casa, você mora em mim”, diz o materialismo. Sidarta refuta mostrando a si mesmo o óbvio, que a matéria não existe, que é uma experiência de fisicalidade.

Por fim, Mara, que representa o materialismo, desaparece, e Sidarta atinge a iluminação.

Assistindo o filme, ou mesmo pensando na iluminação de Sidarta, temos a tendência a acreditar que ele atingiu a iluminação acessando alguma sabedoria extraordinária. Mas não foi nada disso. O que aconteceu foi que Sidarta se deu conta da coisa mais ordinária que tem: eu sou consciência.

Quando as flechas de fogo — que simboliza os desafios da vida — foram atiradas em sua direção, Sidarta ficou em paz porque ficou na quarta parede. Ficar na quarta parede proporciona essa paz ao iluminado. Ele sabe que “Armas não podem cortá-lo, o fogo não pode queimá-lo, a água não pode molhá-lo, o vento jamais o levará para longe”, como diz o Bhagavad-gita.

Quando o materialismo diz a Sidarta que a consciência é um produto da matéria, que ele é um corpo, mais uma vez Sidarta desmascara o materialismo indo para a quarta parede. A resposta que ele dá, é como se dissesse ao seu corpo: “Então, porque sou eu que estou vendo você e não você que está me vendo?”.

A iluminação de Buda é nobre, muito nobre. Merece toda nossa admiração. Mas não é de forma alguma algo extraordinário, nem difícil. Toda idolatria e mito que tem sobre o tema, é apenas isso, idolatria e mito. Iluminação é simples e fácil. É ficar consciente que você é consciência, ou seja, ficar consciente da quarta parede. Sidarta fez isso. Você pode fazer também. Qualquer um pode.

Todo dia
Todo dia eu subo um degrau
Nessa escadaria
Sem começo
Sem final

Todo dia
Todo dia avanço um passo
Nessa estrada
Rabiscada
No espaço

Todo dia
Todo dia pego um trem
Nessa estação
Tempo vai
E tempo vem

Esse trem é mágico
Essa reta é torta
Para onde eu me levo
Isso já não importa
De onde quer que saia
Pra onde quer que volte
Do começo ao fim
Sou eu dentro de mim

PERGUNTAS

Observe que lugar é experiência de fisicalidade. Observe que seu corpo é experiência de fisicalidade. Observe que seu corpo deslocando é experiência de fisicalidade. Observe que experimentar não é uma experiência e não sai do lugar.

O que te impede é o hábito de acreditar no materialismo.

Sim, só que uma pessoa de mentalidade materialista também pode fazer a mesma pergunta e dar a mesma resposta: eu. A diferença é que o “eu” da pessoa de mentalidade materialista, é o corpo, e o “eu” da pessoa desperta, é o nada.

Porque você acredita que é um corpo. Quando digo que a realidade está dentro de você, não estou dizendo que está dentro da sua barriga, ou dentro da sua cabeça, estou dizendo que a realidade é imanente a consciência. Você não é um corpo, você é uma consciência.

Porque você QUER ACREDITAR que é um corpo. Você pensa assim: “Se não sou um corpo, então, o que eu sou? Um fantasma? Um nada? Um vazio? Não! Isso é loucura! Não, não, não! É óbvio que sou um corpo! Olha o corpo aqui! Estou vendo! Estou pegando! Isso é conversa de maluco!”

A lógica da explicação existencial é a lógica existencial. Só que a lógica existencial é uma lógica atemporal e adimensional. Então, não tente entender a lógica maior pela menor. Não tente encaixar o atemporal e adimensional dentro do temporal e dimensional. Faça o oposto. Perceba que a lógica do materialismo está contida na lógica existencial. Perceba que temporalidade e dimensionalidade é produto da existência. Percebido isso, problema resolvido.

O paradigma materialista não é sempre um problema. Muitas vezes é solução. Você precisa usar o paradigma materialista para executar todas essas atividades físicas e práticas que você executa o tempo todo, como fritar um ovo e comê-lo, por exemplo.

Para entender quando o paradigma materialista é um problema, você deve se perguntar o inverso: “Para que NÃO SERVE o paradigma materialista?”.

O paradigma materialista não serve para explicar o que é a vida e o que é ser humano. E por que não serve? Porque se servisse, já tinha servido e você viveria bem.

Nem eu, nem você, nem ninguém, nem coisa alguma. Só que eu sei disso e você ignora. Se quiser saber também: acorde!

É errado usar o verbo ESTAR para tratar da existência, o correto é usar o verbo SER. Você É o espaço. Sua realidade ESTÁ em você.

Tocar é experiência de fisicalidade. Você não toca os objetos, você tem uma experiência de fisicalidade de que você é um corpo físico tocando outros objetos físicos. Parece concreto porque experiência de fisicalidade é exatamente assim, experiência de forma, experiência de corpo, experiência de objeto, experiência de concretude.

Não é correto dizer que comprovei com o verbo no passado, pois é um saber constante, presente, no gerúndio. Eu vivo em constante comprovação. Eu vivo sabendo que matéria é experiência de fisicalidade.

AULAS

FRASES

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