Psicologia do vamulá

17/12/2021 by in category Vídeos tagged as with 0 and 0

Tem uma história que eu adoro. É uma história histórica mesmo, da época da colonização do Brasil. Essa história conta que quando os portugueses chegaram no Brasil, muito bem vestidos e usando chapéu, ficaram espantados ao verem os índios andando pelados pra lá e pra cá sem nenhum pudor. Então, o comandante da expedição portuguesa escreveu uma carta para o Rei de portugal dizendo: “Prezado Rei, envie urgentemente padres para evangelizar os índios brasileiros, pois eles andam pelados e não sabem o que é pecado.”.

Estou contando essa história porque ela ilustra bem a diferença entre psicologia positiva, popularmente conhecida como coaching, e psicologia investigativa. Não sei se esse termo existe “psicologia investigativa”, mas é um ótimo termo e vou usá-lo para contrapor a psicologia positiva. Vamos entender os dois termos.

Por psicologia investigativa me refiro àquela psicologia tradicional que você deita no divã e conta toda sua história de vida para o psicólogo, fala mal dos seus pais, reclama da vida e fica ruminando seus traumas. Você não precisa necessariamente deitar no divã e cumprir todos os estereótipos para fazer psicologia investigativa, mas basicamente a prática da medicina investigativa é entrar na memória e investigar seus traumas, investigar as origens, o desenvolvimento e a estrutura dos seus traumas. Por isso a psicologia investigativa é investigativa. Na psicologia investigativa, toda energia e trabalho é destinada a investigação do passado.

Psicologia positiva é trabalhar na motivação. A palavra coaching vem do inglês e significa “técnico”. A palavra “coach” ilustra bem a metodologia motivacional da psicologia positiva. Um técnico é aquele que fica na beira do campo gritando e motivando os jogadores: “Vamo lá, tigrão! Vamo lá, tigresa! Vamo lá, leoa! Vamo lá gigante! Você consegue! Você é foda! Você é o cara! Você é o campeão! Você é a mulher! Você é lindona! Você é poderosa! Você é inteligente! Você é próspero! Você é o super homem! Você é o homem de ferro! Você é a mulher maravilha! Você é todos os super heróis da Marvel batidos no liquidificador com energético! Você é top! Força! Fé! Foco! Vamo que vamo! Booora!

Essa explicação pode lhe parecer extravagante e caricata, então, vou fornecer uma explicação mais formal. Na psicologia positiva o que acontece é que você define uma meta, um objetivo e daí constrói um sistema de crenças que deve lhe empoderar e levar você até a realização do seu objetivo. Ou seja, na psicologia positiva, toda energia e trabalho é destinado a construção de um sistema de crenças empoderador capaz de deslocar você rumo a meta, rumo ao objetivo, ou seja, rumo ao futuro.

Na psicologia positiva você não deita no divã e fala mal dos seus pais, não resmunga seu sofrimento, não fica ruminando seus traumas. Na psicologia positiva não tem retorno ao passado, como na psicologia investigativa. A psicologia positiva só tem olhos para o futuro. Só se importa com o futuro. Só trabalha para chegar no futuro. Presta atenção no grito motivacional: vamulá! Lá onde? Lá não é aqui. Então onde é lá? Lá é o futuro.

Percebe? Psicologia positiva é sempre para o futuro, lembre para lá, nunca aqui. E por que nunca aqui?

Porque aqui está uma bosta. Porque aqui é só trauma, dor e sofrimento. Porque aqui é o inferno. Então, booora para lá. Vou embora para Passargada, orque lá sou amigo do rei. Vamo lá! Porque aqui é uma bosta, mas lá é bom. Aqui é o pão que o diabo amassou, mas lá é big mac e milkshake de ovomaltime com cobertura extra. Aqui é o samsara, mas lá é o nirvana. Aqui é o velho, o morto, o podre, mas lá é o novo, o limpinho, a vida higienizada e eterna. Aqui é sofrimento, mas lá é felicidade.

A psicologia positiva está certa quando diz que aqui é sofrimento. É isso mesmo! Você sabe disso. O equívoco da psicologia positiva não é esse. O equívoco na psicologia positiva é você acreditar que existe lá. Não existe lá. Lá é sempre aqui. Se existisse lá, você já teria chegado lá, de tanto que você tem passado a vida correndo para chegar lá. Só que toda vez que você chega lá, o que acontece? Você descobre que lá é aqui. Você descobre que nunca saiu daqui, que você está aqui o tempo todo e que não tem como sair daqui.

Então, quando você entende isso, o que é raro de entender, o que é inusitado, o que é um em um milhão que entende, você desiste de buscar a felicidade lá, pois fica óbvio que não está lá, porque lá não existe.Mas se a felicidade não está lá e nem aqui, porque aqui é só sofrimento. Então, onde está a tal da felicidade?

Agora eu tenho sua atenção, não tenho? Agora você não para de me ouvir por nada. Agora eu posso recitar 50 sonetos de Shakespere em ingles arcaico e ler o código de defesa do consumidor inteirinho que você continua me ouvindo só pra saber qual é a resposta da pergunta. “Onde está a tal da felicidade? Me diz, me diz. Se você é sabidão mesmo! Me diz então. Diz aí. A queima roupa. Diz na lata. Para de enrolar e diz”.

Felicidade está em você viver sendo você de verdade.

“Cuma? Quiqui foi que vc disse ae!”

Não entendeu? Vou repetir:

Felicidade está em você viver sendo você de verdade.

“Não! Não acredito! Cê tá me zuando!”

Não estou não! Pensaê! Pensa em momentos de felicidade da sua história, que você estava em paz, alegre, relaxado, se sentindo bem, etc… Nesses momento, você está sendo você de verdade ou estava fingindo algum comportamento que não era você de verdade, ou seja, estava fingindo ser outro.

Pois é! Não estou inventando nada, estou falando o óbvio. Quando você vive sendo você de verdade, em acordo com sua vontade, em acordo com sua natureza, você é feliz aqui e agora. E como sempre é aqui e agora, se você vive sendo você mesmo sempre, você é sempre feliz.

Pronto, eis aí o paraíso e o nirvana juntos.

Só que não é isso que acontece! Você não vive sendo você de verdade, muito pelo contrário. Você só viveu sendo você de verdade na infância e antes de levar muita chinelada para na linha, porque afinal, você tinha que começar a apanhar cedo senão você jamais iria chegar lá.

Eu te entendo.

Seu caso de negação de si para chegar lá não é só seu, é de todos os seres humanos, o que me inclui. Eu também vivi em autonegação e acreditando que felicidade era chegar lá. Fique tranquilo. Você não está sozinho nesse equívoco, todos os seres humanos, absolutamente todos estão nesse mesmo equívoco com você.

No trabalho da 1ficina eu chamo esse equívoco de outroísmo. Outroísmo é quando você se nega e se obriga a viver sendo outro. Pensa numa vaca se obrigando a botar ovo como galinha. Pensa numa galinha se obrigando a fazer fotossíntese como uma árvore. Pensa numa árvore se obrigando a pular feito canguru. Pensa num abacateiro se obrigando a dar goiaba como uma goiabeira. Pensa no Michael Jackson se obrigando a trabalhar com computação como o Bil Gates. Pensa no bil Gates se obrigando a ser um craque de futebol como o Pelé. E assim por diante.

Isso é outroísmo. É se obrigar a viver fora da sua natureza, da sua verdade, da sua singularidade.

Claro que quando você vive assim, seu viver, que é sempre aqui e agora, é um inferno. E claro que você precisa ter ESPERANÇAS de que a felicidade está lá. Só que não está lá. Nunca está e nunca estará lá. Essa é má notícia!

E qual é a boa notícia? Felicidade está aqui, sempre aqui, pois felicidade está em você viver sendo você de verdade.

Daí surge a grande pergunta: Mas se felicidade está aqui, então, por que não está aqui? Afinal, você acreditou na psicologia positiva justamente porque aqui só tinha sofrimento.

Perfeito! Mas aqui só tinha sofrimento porque você estava vivendo em autonegação, e viver em autonegação é um jeito sofrido de viver.

Se você se permitir viver sendo você de verdade, naturalmente você, singularmente você, aqui e agora será finalmente o lá que você tanto buscou e busca. Aqui é agora será você experimentando a felicidade de ser você, naturalmente você, único, singular.

“Então vamulá! Por onde eu começo?”. Vamulá não, vamos aqui, porque começa aqui, em você, e termina aqui, em você.

“Começa aonde em mim?” você quer saber.

Começa exatamente aonde você parou de viver sendo você de verdade e começou a viver sendo outro, sendo o que seus pais queriam que você fosse, o que seus professores queriam que você fosse, o que seus amigos queriam que você fosse, o que sua sociedade queria que você fosse, o que o comercial da margarina queria que você fosse e assim por diante.

“Mas isso começou na infância, eu nem lembro mais”, você me dirá.

Pois é! Por isso, o caminho para você finalmente chegar lá, na felicidade, não é a psicologia positiva, é a psicologia investigativa.

A psicologia positiva é como os portugueses que contei no início que querem catequizar e domesticar os índios para que assim sejam felizes. Mas a felicidade dos índios não está lá, no catecismo e no mundo civilizado, está no indio sendo índio, sendo naturalmente o que é, vivendo do jeito que tem vontade de viver, pelado andando pra lá e pra cá.

Antes dos portugueses chegarem os índios sequer sabiam que andavam pelados, pois nunca tinham visto roupa, nem ninguém andando vestido antes. Para os índios, eles não andavam pelados, eles estavam apenas sendo o que eram, verdadeiramente o que eram, sem nenhuma autonegação.

E a psicologia investigativa, como fica nessa história?

Você vivendo em autonegação, você vivendo outroísta, é como um índio que foi catequizado, que passou a viver cheio de roupas como um português, que sofre profundamente com isso, mas não entende porque sofre tanto sem nenhuma motivo aparente. O motivo não é aparente porque você internalizou a catequização que recebeu e transformou em uma competência subconsciente. Ou seja, você vive sendo outro no automático, seu subconsciente te mantém acreditando e vivendo como português. Por isso seu sofrimento é aparentemente sem motivo, porque o motivo está no passado.

No passado, por conta das influências e punições que você foi recebendo, você mesmo foi se programando para se tornar outro, se tornar um eu de mentira.

Então, se a causa do seu sofrimento está no passado, não é indo para o futuro que você irá descobri-la e resolvê-la. Para descobri-la e resolvê-la você precisa voltar ao passado, voltar as memórias das experiências vividas que deram origem ao seu comportamento de autonegação. Fazer isso, voltar ao passado para investigar e descobrir as experiências que deram origem ao seu comportamento de autonegação, é praticar psicologia investigativa.

O resultado dessa prática é finalmente chegar lá, na felicidade que você tanto buscou e busca.

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