Pergunta que não quer calar

31/10/2021 by in category Textos tagged as , , , with 0 and 0

Minha mãe, como toda mãe, tentou me encaixar no gabarito dela. Só conseguiu sofrer com isso. Quando vinha me catequizar, eu dizia: “livre arbítrio”. Minha mãe deve ter me escutado falar “livre arbítrio” um milhão de vezes.  Ela queria subir pelas paredes de raiva, mas entendia perfeitamente. Minha mãe usava outras estratégias além do sermão da montanha. Usava chantagem emocional, ameaça, castigo. Nada adiantava frente o incorruptível livre arbítrio. E foi assim, sem jamais explicar nada para ela, que lhe ensinei todo o catecismo da boa convivência.

Minha mãe foi criada para obedecer. O catecismo dela foi a vara de marmelo. E como ela era desobediente, estava sempre apanhando. Mas ainda assim, repetiu comigo o mesmo comportamento da mãe dela com ela. Por amor, claro! Muito amor. Só que amor ignorante da universalidade. Muitas vezes tenho a sensação que os alunos da 1ficina, principalmente as alunas mães, vem estudar na 1ficina justamente para me ouvirem dizer a elas o mesmo que dizia para minha mãe: “livre arbítrio”.

A pergunta que mais ouço dos alunos, é: “O que eu faço?”. Ora, “O que eu faço?” é a pergunta que perpetua o problema. “O que eu faço?” é mais do mesmo. “O que eu faço?” é trocar seis por meia dúzia. “O que eu faço?” é pegar mais farinha no mesmo saco. Nada novo resolve porque são reformulações do mesmo equívoco. A solução não está na pergunta “O que eu faço?”. A solução está na pergunta “O que devo parar de fazer?”.  Para viver e conviver bem, você deve parar de tentar controlar o arbítrio do outro.

© 2023 • 1FICINA • Marcelo Ferrari