Quando você pratica violência, você está tentando excluir o outro. É como se você não desse permissão para o outro existir. É como se você dissesse: desapareça! Você quer excluir o outro do universo. Só que o universo é tudo. O universo é o sistema total. Não dá para excluir nada. Como você vai excluir uma pessoa do universo? Não tem para onde você expulsar. Não tem lado de fora do universo. A exclusão não funciona. É impossível.
Tem uma frase do Greenpeace que diz assim: “Do ponto de vista do planeta, não existe lixo”. Quando você quer excluir o lixo, você pega o lixo e põe para fora da sua casa, põe na rua. Mas esse lixo não deixa de existir. O lixeiro pega seu lixo e leva para o aterro sanitário. O aterro sanitário fica cheio de lixo. E o aterro sanitário é o planeta. E o planeta é sua casa. Por isso é tão importante a questão da reciclagem. Ou executa a reciclagem do lixo, ou fica esse monte de lixo amontoado no mundo.
Na Idade Média, por exemplo, as pessoas emporcalhavam os castelos que moravam até não aguentar mais. Daí, ao invés de limparem o castelo, se mudavam para outro castelo. Isso ilustra bem a mentalidade da exclusão.
Do ponto de vista do planeta, não existe lixo. Do ponto de vista do universo, não existe exclusão. Por isso, na declaração de universalidade, tem um trecho que diz: “Toda forma de exclusão e desrespeito que em mim enxerga de mim não passa”. Exclusão é impossível. Quando você tenta fazer algo impossível, você vive mal.
Desrespeito é você tentando mudar a unicidade do outro. O outro é verde e você quer que ele seja azul. “Fica azul! Fica azul! Verde eu não gosto. Fica azul”. Quando você faz isso, está desrespeitando a unicidade do outro. Está cometendo um ato de violência. E está colaborando para a perpetuação do ciclo da violência.
A declaração de universalidade é uma declaração de compromisso com o fim do ciclo de violência. “Toda forma de exclusão e desrespeito que em mim chega de mim não passa”. Dizer isso é o mesmo que dizer: “Eu me comprometo a jamais perpetuar o ciclo da violência, eu me comprometo com a universalidade”.
Mas na hora que o outro te violenta, o que você faz? Você revida. Imediatamente. Bateu, levou! Usando a metáfora cristã, na hora que o outro te dá um tapa na cara, você não pensa em oferecer a outra face, você pensa que é justo revidar. E você está certo. Justiça é igualar os lados. O outro te deu um tapa. É justo revidar.
Só que um erro não justifica o outro. Quando você revida, você está tentando dar fim a violência perpetuando a violência. Fazer isso é igual tentar apagar um incêndio colocando mais fogo. “Ah, mas é justo!”, você pensa. Sim, é justo. Mas quando você planta violência, colhe violência. “Ah, mas não fui eu que comecei!”, você justifica. Sim, mas imagine que você é um soldado em uma guerra. De que importa quem começou a guerra? O que importa é que se nenhum dos lados decidir parar, a guerra, que ninguém sabe quem começou, irá continuar.
Não importa quem começou com a violência, o que importa é levá-la ao fim. Você leva um tapa na cara. A violência chegou em você. A guerra chegou em você. Não foi você que começou. Mas você tem arbítrio. Você pode optar por dar fim a violência. Ou pode perpetuá-la. A parte da declaração de universalidade que diz, “toda forma de exclusão e desrespeito que em mim chega de mim não passa”, expressa a decisão de dar fim a violência.
Basta você decidir e pronto! Fim da violência. Só que receber violência e optar pelo fim da violência é o mesmo que perdoar uma dívida. A tentação por revidar é quase irresistível. Imagine que o outro te dê 10 tapas consecutivos na cara. Pá, pá, pá, pá, pá. Você se questiona: “Levei 10 tapões e não vou poder dar nem um tapinha de volta? Vou perdoar essa dívida?”. Para dar fim ao ciclo de violência, sim.
Perpetuar o ciclo de violência ou perdoar a dívida? Eis a questão. Eis a decisão a ser tomada. Vou ilustrar com um exemplo meu. Estou jogando futebol. Faço uma coisa errada. O outro me xinga e grita: “Seu retardado, não consegue nem chutar uma bola! Vai embora!”. A violência chegou em mim. A exclusão e desrespeito chegou em mim. Daí a pessoa faz uma cagada pior que a minha. Nesse instante, tenho que decidir entre perpetuar o ciclo de violência ou perdoar a dívida.
É a minha chance de revidar. É a minha hora de montar em cima da cabeça do outro e cagar grosso. Ele merece, porque gritou comigo. E é justo, porque foi ele que começou. Só que se eu optar pela violência, embora o outro mereça retaliação, e embora seja justo, estarei perpetuando o ciclo da violência que quero que termine. Então, para realizar meu desejo de dar fim ao ciclo de violência, perdoo a dívida.
INTERLOCUTOR: Mas é melhor revidar que engolir sapo.
— Dar fim ao ciclo de violência não é engolir sapo, é ser inteligente. É a única opção que produz boa convivência. Por isso, perdoar a dívida só funciona se você entender que precisa perder na guerra da violência para ganhar no bem viver.
INTERLOCUTOR: Você falou também que não quero matar o outro, quero matar o comportamento do outro.
— Sim, ao percebe a função espelho, você usa a violência recebida para autoconhecimento. Você pensa assim: “Que essa violência recebida sirva de lição para que eu jamais faça com os outros isso que fizeram comigo”. Eis a explicação da famosa regra de ouro: não faça com os outros o que não quer que faça com você.