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Nada melhor que assistir um filme sem ver o trailer e sem ouvir spoilers. Atualmente isso é quase impossível devido as redes sociais. Mas quando o filme Matrix estreou no cinema, em maio de 1999, a internet ainda estava começando, então, fui ao cinema sem saber do que o filme se tratava. Sabia apenas que era de um gênero que adoro: ficção científica.

Fui assistir Matrix no tradicional Cine Belas Artes, na esquina da Paulista com a Consolação. Era um domingo a noite e o cinema estava quase vazio. Sentei no meio da sala e comecei a seguir o coelho branco junto com Neo. Quando chegou no momento do plot twist, em que o Neo tomou a pílula vermelha e descobriu o que é a Matrix, tive vontade de levantar e gritar: “É isso, pooooorra! É isso caraaaalhoooo! Puta que pariiiiiiiu! É issoooo!”

Para mim o filme poderia ter parado alí. O que mais precisava? Se fosse para acrescentar alguma coisa, bastava colocar o Neo numa tela em branco dizendo para a plateia: “Entendeu agora? Você não existe. Sua realidade também é virtual. Também é o produto do funcionamento de uma interface. Sei que é inaceitável. Que parece absurdo. Que dá vontade de vomitar igual eu vomitei. Mas contra fatos não há argumentos. Aceita que dói menos.”. E seria o fim do filme e da mentalidade materialista. Kabum!!!!!

Assim que saí da sala e pisei na rua, olhei para cidade de São Paulo como se estivesse olhando para o mundo inteiro. Pensei: “Pronto! Acabou! Game over para o materialismo. Espiritualidade win! Agora todos os seres humanos irão despertar a consciência facilmente. Basta assistirem ao filme Matrix”. Voltei para casa cheio de esperança. Se o obstáculo para o despertar espiritual era falta de uma explicação absolutamente esclarecedora, esse problema estava absolutamente resolvido.

Só que não! Falha na Matrix! Mesmo com tudo explicado na tela do cinema, as pessoas ainda acreditavam que Matrix se tratava de ficção científica. Minha esperança de que Jesus havia retornado em forma de filme caiu por terra. Tive que aceitar que não bastava mostrar o óbvio aos seres humanos, era preciso esfregar o óbvio repetidamente na cara deles.

Escrevi esse livro para esfregar na sua cara o óbvio que o filme Matrix mostra, mas você não vê. E alerto que esse livro foi escrito para o ciclo de estudos EUreka em ocasião do estudo do livro Navegador Humano. Então, para melhor entendimento, recomendo ler primeiro o livro Navegador Humano e depois esse. Leia esse livro praticando autociência. Boa prática!

Matrix é uma metáfora e pode ser interpretada de diversas maneiras. Minha interpretação da Matrix nesse livro é existencial e autocientífica. Nesse sentido, a primeira coisa a ser observada, é que no começo da sua jornada, Neo não se chama Neo, se chama Mr Anderson. Isso simboliza que Neo está em completo estado de ignorância. Neo não apenas ignora, mas ignora que ignora. Neo pensa que sabe. Ele acredita que é um corpo contido no espaço, regido pelas leis da física, etc. E tem também o aspecto pessoal. Neo acredita que é funcionário em uma empresa de software, cidadão de uma cidade americana, etc. Enfim, no começo da sua busca pela resposta, Neo, assim como todo buscador espiritual, ignora que sua realidade é virtual e fruto de uma interface.

TRINITY: Eu sei porque está aqui, sei o que tem feito, sei porque você não dorme, porque vive sozinho e porque, noite após noite, fica no computador. Você está à procura dele. Eu sei porque já o procurei também e quando ele me achou, disse que não estava procurando por ele, estava procurando pela resposta. É a pergunta que nos empurra, Neo. É a pergunta que trouxe você aqui. E você sabe qual é a pergunta, assim como eu sabia. O que é Matrix? A resposta está em algum lugar, Neo. Está procurando você. E você irá encontrá-la, se quiser.

Essa cena descreve a crise existencial de um buscador espiritual. Embora um buscador espiritual não saiba explicar, ele sente que tem algo errado com sua realidade. O buscador sente uma inquietação, um desconforto com o materialismo. É isso que o empurra para busca espiritual. O ser humano é um espírito humanizado, então, por mais materialista que um ser humano seja, inevitavelmente, ele sente crise existencial e se questiona sobre sua existência. “Quem eu sou? De onde venho? Para onde vou?”. No caso do Neo, essas perguntas são representadas pela pergunta: O que é Matrix?

MORPHEUS: Você está aqui porque sabe de uma coisa. Uma coisa que não sabe explicar, mas você sente. Você sentiu a vida inteira. Tem alguma coisa errada com o mundo. Você não sabe o que é, mas está ali, como uma farpa em sua mente, te deixando louco. Foi essa sensação que eu trouxe aqui. Você quer saber o que é Matrix? Matrix está em toda parte, está à nossa volta. Mesmo agora, nesta sala aqui. Você a vê quando olha pela janela ou quando liga a televisão. Você a sente quando vai trabalhar. Quando vai à igreja. Quando paga seus impostos. É o mundo que acredita ser real… Infelizmente, não se pode explicar o que é Matrix. É preciso que veja por si. Esta é a sua última chance. Depois disto, não haverá retorno. Se tomar a pílula azul, fim da história. Vai acordar em sua cama e acreditar no que você quiser. Se tomar a pílula vermelha, fica no país das Maravilhas. Eu vou mostrar até onde vai a toca do coelho. Lembre-se! Estou oferecendo a verdade, nada mais.

Nessa cena, Morpheus representa o professor e Neo representa o aluno. Um professor desperto é como uma pessoa com visão e um aluno é como um cego. Por isso, mesmo que um professor diga a verdade explicita para o aluno, essa verdade não é compreendida. Essa cena é um exemplo disso. Morpheus diz para Neo: “Matrix está em toda parte. Está à nossa volta. Mesmo agora, nesta sala aqui. Você a vê quando olha pela janela ou quando liga a televisão. Você a sente quando vai trabalhar. Quando vai à igreja. Quando paga seus impostos”. Morpheus está explicando para Neo que a realidade é virtual e fruto de uma interface chamada Matrix. Só que Neo é incapaz de entender o que Morpheus está dizendo, porque esse discurso é como uma pessoa com visão falando sobre cores para um cego.

Mas tem outro motivo para Neo não entender. A Matrix é uma interface, então, está mais perto do que perto. Uma interface é anterior a realidade que ela está produzindo, logo, é impossível de ser apontada. Morpheus, assim como todo professor desperto, sabe disso, e diz para Neo: “Infelizmente, não se pode explicar o que é Matrix. É preciso que veja por si”. Ou seja, a explicação do óbvio não é o óbvio, a explicação da verdade não é a verdade.

Por fim, sabendo que despertar a consciência não é agradável e não tem volta, Morpheus dá a Neo uma oportunidade de decidir se quer mesmo despertar e descobrir o que é Matrix. E para reforçar que essa descoberta pode ser desagradável, Morpheus diz: “Lembre-se! Estou oferecendo a verdade, nada mais”.

NEO: Eu estou morto?

Neo toma a pílula vermelha e entra no processo de despertar da consciência. A pílula vermelha representa a prática de autociência, mais especificamente a prática da auto-observação existencial. Como resultado da prática (pílula vermelha), Neo desperta em uma capsula e rompe uma bolsa que parece uma placenta. Ele olha para o lado e vê que tem uma infinidade de outros seres humanos dormindo dentro de outras capsulas. Acontece uma espécie de parto e, por fim, Neo é resgatado. Essa cena representa o começo do despertar da consciência. O ser humano sai da capsula da mentalidade materialista, rompe a placenta da ignorância e se reconhece como espírito (ser). E tem mais! Ainda sem entender o que aconteceu, Neo pergunta se está morto. Morpheus responde que é o contrário. Ou seja, o adormecimento da consciência é a morte da espiritualidade.

NEO: Estamos dentro de um programa de computador?

MORPHEUS: É tão difícil de acreditar. Suas roupas estão diferentes, os plugues dos braços e na cabeça sumiram. Seu cabelo mudou. Sua aparência agora é o que chamamos de autoimagem residual, é a projeção mental do seu eu digital.

NEO: Isto não é real.

MORPHEUS: O que é real? Como se define real? Se você se refere ao que pode sentir, cheirar, provar e ver, então são apenas sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro… Este é o mundo que você conhece. Ele existe apenas como parte de uma simulação neuro interativa e chamamos de Matrix. Você tem vivido em um mundo de sonho. Matrix é um mundo virtual gerado por computador.

NEO: Não! Eu não acredito! Não é possível. Deixe-me sair, eu quero sair. Não acredito, eu não acredito.

É nessa cena que acontece o plot twist do filme. Neo descobre que sua realidade é virtual, fruto de uma interface chamada Matrix. Essa descoberta é inegável, assim como é inegável que a experiência humana também é uma realidade virtual fruto de uma interface humana. Só que o hábito do materialismo é muito forte, então, Neo se recusa a acreditar que a realidade é virtual. Essa recusa é natural e inevitável, pois o hábito do materialismo é muito arraigado no ser humano.

Por fim, essa cena exemplifica porque é tão difícil entender que a natureza humana é uma interface. Toda interface é anterior a realidade criada, então, é preciso dar um passo para trás para ver o que está na frente. Só que é impossível dar um passo para trás da interface humana. A natureza humana está instalada em você. Você não tem como dar um passo para trás de si. O único jeito de fazer isso, é praticando auto-observação existencial e despertando a consciência existencial.

CÍFER: Eu sei que esse bife não existe. Sei que assim que colocá-lo na minha boca, a Matrix dirá ao meu cérebro que é suculento e delicioso.

Quando você desperta e fica consciente que não existe matéria, que realidade é virtual, fruto de uma interface chamada Natureza Humana, sua realidade não muda, quem muda é você. Você continua indo almoçar naquele restaurante e comendo aquele bife suculento. Só que agora você sabe que não existe matéria e mundo externo, que sua realidade é virtual, fruto da sua interface humana. Essas duas cenas do filme Matrix demonstram isso. Quando Neo volta para a Matrix, o restaurante que ele almoçava continua no mesmo lugar. O restaurante não mudou, quem mudou foi ele, que agora sabe que o restaurante é virtual. Quando Cifer coloca o bife na boca, ele sabe que é um bife virtual, mas nem por isso ele deixa de ter a experiência de comer um bife suculento. Enfim, sair da Matrix não é sair da realidade, é apenas despertar a consciência para o que é realidade.

Jesus morre e ressuscita. A ave fênix renasce das cinzas. São vários os simbolismos espirituais que demonstram que o velho precisa morrer para o novo poder nascer. Nessa cena, é isso que acontece com Neo. Ele leva vários tiros e morre, mas ele não pode morrer de fato, pois tanto as balas como seu corpo são realidade virtual. Então, Neo morre, representando o adormecimento da consciência no materialismo, e ressuscita, representando o despertar da consciência para o equívoco do materialismo. Um despertar tão forte e tão estável, que agora Neo não encontra nenhuma dificuldade em vencer o antes invencível agente Smith.

No final dessa cena, Neo olha para Matrix e vê o famoso código-fonte. Essa cena demonstra a lucidez de Neo sobre a natureza virtual da realidade. Mas aqui vale deixar um alerta sobre um equívoco que você, buscador espiritual, pode cometer. Despertar existencial não se trata de enxergar código-fonte, ou energia, ou partículas quânticas, ou qualquer outra coisa. Claro que sua interface humana decodifica impulsos, caso contrário, você não experimentaria realidade nenhuma. Porém, impulsos são anteriores a decodificação, então, são adimensionais e incognoscíveis. Você vê impulsos decodificados, nunca os impulsos. O código-fonte que Neo vê nessa cena é simbólico, não é literal. Dou esse alerta para você, buscador espiritual, não cair no equívoco de buscar o que jamais irá encontrar.

NEO: Eu sei que você está aí, eu posso sentir a sua presença, sei que está com medo. Está com medo de mudança. Eu não conheço o futuro, não vim lhe dizer como isto irá terminar. Eu vim dizer como vai começar. Eu vou desligar o telefone e depois eu vou mostrar a essas pessoas o que você não quer que elas vejam. Eu vou mostrar o mundo sem você. Um mundo sem regras, sem controle, sem limites ou fronteiras. O mundo onde qualquer coisa é possível. O que haverá depois, você vai decidir.

Essa última cena é muito bonita. Ela representa o compromisso entre professor e aluno. Todo buscador espiritual começa sua busca em absoluto estado de ignorância. Durante sua busca, encontra um ou mais professores que o direcionam para o despertar da consciência. O buscador, assim como Neo, vai saindo da ignorância e vencendo os desafios até se tornar um mestre, dono da sua própria lucidez. Nesse momento, assim como Neo, o ex-aluno sente o dever de se tornar um professor e compartilhar o que descobriu.

A parte dessa cena que fala em mundo sem regras, sem controle, sem limites ou fronteiras, diz respeito ao autoconhecimento existencial. Você-ser está limitado pela interface humana, mas você-ser não é limitado em si. Isso é igual a jogar qualquer jogo. Futebol, por exemplo. Dentro do jogo de futebol você está limitado a usar apenas os pés, mas você não tem esse limite em si. Ou seja, a interface humana não limita sua existência, limita apenas suas possibilidades dentro da experiência humana.

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