Isolda acredita que a prisão foi a melhor coisa que aconteceu a Ramalho. Entrou um e saiu outro. Entrou traficante e saiu padre. Se bem que era um padre estranho. Não falava em Jesus como a maioria dos padres na favela. O que ocorreu foi o seguinte.
Após ser preso, nos primeiros dias, houve uma briga na cela que Ramalho estava e ele foi esfaqueado. Sangrou mais que pescoço cortado de galinha. Mas não morreu. Passou três semanas em recuperação na enfermaria. Na última semana, após ter feito amizade com a enfermeira, perguntou a moça:
“Que livro é esse que você lê e relê? É a Bíblia?”
“Quase isso! É um livro indiano que conta a história de um guerreiro chamado Arjuna. Quer ler? Posso te emprestar”, respondeu a enfermeira.
“Eu não sei ler!”, respondeu Ramalho.
“Que pena! Você iria gostar de conhecer o Arjuna”, disse a moça, “
“Por que acha isso?”, perguntou Ramalho.
“Ele também é um prisioneiro”, disse a enfermeira.
“Ah é! Qual crime ele cometeu?”, perguntou Ramalho.
“Nascer!”, respondeu a enfermeira.
Ramalho foi pego de surpresa. Ficou pensando se tinha entendido mal a resposta ou se tinha algo na resposta que ele não tinha entendido.
“Desde quando nascer é crime?”, perguntou Ramalho.
A enfermeira deu uma risada, olhou com ternura para Ramalho e respondeu: “A prisão em que Arjuna está encarcerado não é uma prisão de concreto, igual essa aqui, é uma prisão mental”.
Ramalho deu uma gargalhada e comentou: “Fala sério! Se eu estivesse encarcerado em uma prisão mental já tinha fugido faz tempo!”.
“Estou falando seríssimo! Você não faz ideia quão sério! São invisíveis as grades que nos cercam. Esse livro conta como o sábio Krishna ajudou Arjuna a se libertar da sua prisão mental”, disse a enfermeira.
“E como foi?” perguntou Ramalho.
“Você precisa ler o livro para descobrir”, disse a enfermeira.
“Eu já te disse que não sei ler”, reforça Ramalho.
“Então, aprenda!”, disse a enfermeira.
“Como?” perguntou Ramalho.
“Você é quadrado?”, perguntou a enfermeira.
“Não!”, respondeu Ramalho.
“Então, se vira!”, disse a enfermeira e foi embora.