Todo ano, na fase existencial do ciclo de estudos EUreka, aconselho os alunos a estudarem o conceito de interface. Mesmo dando ênfase ao conselho, ninguém estuda. Interface é um assunto de informática e os alunos, interessados apenas em conceitos espiritualistas, o consideram inútil para o autoconhecimento. Só que é o oposto. O conceito de interface é fundamental para o autoconhecimento, pois a natureza humana é uma interface e o ser humano é um usuário da interface humana.
No ciclo de estudo EUreka 2023, alguns alunos aceitaram meu conselho e foram pesquisar o conceito de interface na internet. Após a pesquisa, me disseram que havia pouco conteúdo conceitual sobre interface, que a maior parte era conteúdo técnico. Entrei no youtube para ver se encontrava algum bom vídeo sobre o assunto. Encontrei vários vídeos, mas nenhum explicando a essência do conceito. Isso me fez pensar em qual era a essência do conceito e como explicá-la para um leigo em informática. Encontrei a essência e pensei em um jeito de explicá-la. Sendo assim, estou escrevendo esse livro por três motivos:
1) Explicar para um leigo em informática o que é interface.
2) Conduzir o leigo em informática do conceito de interface até o entendimento de interface computacional.
3) Conduzir o aluno de autociência até o entendimento de que a natureza humana é uma interface existencial semelhante a uma interface computacional.
Claro que o terceiro objetivo é o principal e também o mais difícil. Mas assim que os dois primeiros objetivos forem atingidos, o terceiro se tornará fácil com a ajuda dos livros que já foram escritos pela 1ficina.
Dito isso, levantar ancora e içar velas! Que comece a navegação!
Mesmo que você seja completamente leigo em informática, você tem um celular. Sendo assim, você usa a interface do seu celular todos os dias. Só que o fato de você usar a interface do seu celular não significa que você saiba o que é uma interface e como funciona. Arrisco dizer que a maioria das pessoas que usam o celular nem desconfiam que estão usando uma interface. Então, não adianta começar esse livro dizendo que o Android do seu celular é uma interface, você continuará sem entender o que é e como funciona uma interface e o objetivo desse livro é o posto. Sendo assim, vamos começar com um entendimento bem simples e leigo.
O que é interface? Interface é um sistema operacional que transforma uma coisa em outra. A palavra “sistema operacional” é fundamental dentro dessa definição, então, para não deixar buracos no entendimento, vamos definir também o que é sistema operacional. Sistema operacional é um mecanismo. Trocando a palavra “sistema operacional” por “mecanismo”, nossa definição de interface fica assim: Interface é um mecanismo que transforma uma coisa em outra.
Muito bem! Agora vamos pegar um exemplo bem concreto para materializar nossa definição: um ventilador. Isso mesmo! Um ventilador é um excelente exemplo de interface que se encaixa nessa definição. Vamos verificar. Um ventilador é um mecanismo? Sim. Um ventilador é um mecanismo que transforma uma coisa em outra? Sim. Transforma que coisa em outra? Um ventilador é um mecanismo que transforma eletricidade em vento.
Todo eletrodoméstico é uma interface, pois transforma eletricidade em alguma outra coisa. E tem vários outros mecanismos que também são interfaces e que você nem desconfia. Vou citar alguns. Uma árvore é uma interface, pois é um mecanismo que transforma gás carbônico em oxigênio. Uma vaca é uma interface, pois é um mecanismo que transforma capim em leite. Uma abelha é uma interface, pois é um mecanismo que transforma néctar em mel.
Por essa você não esperava, né?
Toda interface executa um processo de transformação do que entra nela. No caso do ventilador, entra eletricidade e sai vento. No caso da árvore, entra gás carbônico e sai oxigênio. No caso da vaca, entra capim e sai leite. No caso da abelha, entra néctar e sai mel.
O que entra em uma interface é diferente do que sai. Então, para distinguir a coisa que entra da coisa que sai, vamos dar nomes diferentes para essas duas coisas. Vamos chamar a coisa que entra na interface de “input” e a coisa que sai de “output”.
No caso do ventilador, a eletricidade é o input e o vento é o output. No caso da árvore, o gás carbônico é o input e o oxigênio é o output. No caso da vaca, o capim é o input e o leite é o output. No caso da abelha, o néctar é o input e o mel é o output.
Sendo assim, temos agora uma definição mais aprimorada de interface: Interface é um sistema operacional que transforma input em output.
Na infância, eu tinha um amigo nerd que montava umas maquinetas malucas. Eu, que era fã do Professor Pardal, ficava vidrado nas produções dele. Um dia, ele me levou até a sala da casa dele e me mostrou uma tábua cheia de fios e interruptores.
— O que é isso? — perguntei.
— É um computador — ele respondeu.
Depois ele conectou a tábua cheia de fios na televisão da sala, mexeu nos interruptores e fez nascer um quadradinho branco que se deslocava pela tela preta. Foi assim que vi um computador funcionando pela primeira vez.
Passado um ano, esse amigo comprou um TK85. Creio que foi o primeiro PC do mercado brasileiro. O TK85 não tinha entrada para disket. Nem existia disket ainda. Os programas vinham em fitas K7 e os usuários tinham que fazer uploud dando play em um toca-fitas.
Quando meu amigo me mostrou o TK85, fiquei entusiasmado para jogar os joguinhos. Abri a caixa de programas e peguei uma fita K7 com um jogo chamado “fliperama”. Coloquei a fita K7 no toca-fitas e apertei o play. Só que esqueci de ligar o fio que conectava o toca-fitas ao computador. Por consequência, comecei a escutar uns barulhos eletrônicos: “pi-pu-iiii-uu-oo-eoeoiii-tu-xiii”. Fiquei assustado. Achei que tinha estragado o computador.
— Que barulho é esse? — perguntei.
— É o programa do jogo de fliperama — respondeu meu amigo, rebobinando a fita e conectando o fio do toca-fitas ao gravador.
Depois que tocou a fita inteira, que foi um upload bem arcaico, surgiu o jogo de fliperama na tela da televisão.
Essa foi minha primeira experiência com uma interface de computador. O barulho estranho que ouvi saindo do gravador era o input e o jogo que surgiu na televisão era o output. O TK85 era a interface que estava transformando o input em output.
Claro que não entendi quase nada disso naquela época, mas ficou uma faísca de entendimento. Só muitos anos depois, com a invenção do Microsoft Windows, que eu finalmente entenderia o que é uma interface de computador.
Como o propósito desse livro é aplicar o conceito de interface a experiência humana, vou dar um gigantesco pulo na história da evolução das interfaces computacionais. Vou pular do TK85 para os atuais navegadores de internet. E para manter a explicação fácil de entender, inclusive para leigos em informática, vou resumir todo processo de interface de um computador a um navegador de internet.
Você navega na internet todos os dias. Para fazer isso, você precisa usar um navegador. Mesmo que você não saiba que está usando um, você está, inclusive nesse exato momento, enquanto está lendo esse livro no site da 1ficina.
É impossível acessar a internet sem usar um navegador. Assim como você precisa de um ventilador para transformar eletricidade em vento, você precisa usar um navegador para transformar os inputs da internet em output na tela. A interface que faz isso no seu computador se chama: navegador.
Tem vários modelos de navegadores. O Google Crome é o mais popular deles. Mas tem o Windows Explore, o Fire Fox, o Safari, para computadores da Apple, entre outros. No caso da navegação pelo celular também é assim e os navegadores também são os mesmos.
Pois bem, uma vez que você está usando um navegador para ler esse livro, vamos usá-lo para entender como ele está servindo de interface entre você e a internet. Dê play no vídeo abaixo e continue lendo o texto.
Está vendo esses peixes? Você sabe que não tem peixe nenhum dentro do seu computador. Então, como é possível que esses peixes estejam nadando na tela do seu computador? Você acha que eles vieram nadando pelo fio da internet até seu computador e por isso estão aí? Claro que não! Mas então, porque você está vendo esses peixes? Simples! Porque seu navegador é uma interface que está transformando os inputs da internet no output que você está vendo: os peixes.
Você não acessa a internet diretamente, você acessa a internet através de uma interface que é o navegador. Para acessar a internet diretamente, você teria que conectar o cabo de internet nos seus olhos e não no computador. Só que se você conectar o cabo de internet nos olhos, você não verá nada, você apenas receberá impulsos eletromagnéticos.
Todo dia você acessa centenas de conteúdos na internet: vídeos, fotos, músicas, textos, etc. Mas nada disso está na internet. Na internet só tem impulsos eletromagnéticos. Apenas quando esses impulsos (inputs) são transformados em outputs pelo navegador que eles ganham forma de vídeos, fotos, músicas, textos, etc.
Espero que com essa explicação você tenha compreendido o que é um navegador de internet e como funciona. Esse entendimento é fundamental para avançarmos para o entendimento do navegador humano.
Agora que você já entendeu o que é um navegador de internet, vamos usar esse entendimento para sair do mundo do conhecimento e ir para o mundo do autoconhecimento. Vamos fazer isso de forma prática através de um experimento de auto-observação.
Experimente sua realidade de forma integral. Não divida sua realidade em objetos: cadeira, mesa, árvore, céu, rua, etc. Ao invés de separar um objeto do outro, junte todos os objetos e o espaço entre os objetos em uma realidade só, tipo uma tela de cinema com vários objetos dentro.
Mantenha-se experimentando sua realidade de forma integral e considere que isso que você está experimentando é o output de um navegador de internet. Um navegador 360 graus que acompanha sua mudança de foco. Se você está em uma sala, por exemplo, você vira o foco para a direita e o navegador produz output do lado direito da sala, se você vira o foco para esquerda, o navegador produz output do lado esquerdo da sala.
Continue experimentando sua realidade de forma integral e inclua seu corpo na experiência. Faça assim, como nessa fotografia:
Note que seus pés, suas pernas, seus braços, suas mãos, seu peito, enfim, seu corpo é parte integrante do output que o navegador está produzindo.
Mantenha-se experimentando sua realidade de forma integral e se pergunte: cadê o navegador de internet que está produzindo esse output que estou experimentando? Procure o navegador no output que você está experimentando. Você consegue experimentar o navegador que está produzindo o output? Claro que não! E por que não? Porque o navegador é a interface criadora do output, logo, antecede o output, assim como o ventilador antecede o vento.
Você experimenta o vento porque tem uma interface transformando a eletricidade em vento, mas quando você experimenta o vento você não experimenta o ventilador. Analogamente, o mesmo está acontecendo com essa realidade que você está constantemente experimentando. Essa realidade é como o vento. Tem um ventilador transformando os inputs do universo nesse vento que você chama de realidade, mas você não experimenta o ventilador, você só experimenta o vento.
O universo é como uma internet. Assim como não tem peixes, nem vídeos, nem áudios, nem fotos, nem nada na internet, mas apenas impulsos eletromagnéticos, assim também é o universo. Você não é um corpo contido no espaço pisando no chão duro. Isso é output. Você está tendo a experiência de ser um corpo contido no espaço pisando no chão duro porque tem uma interface produzindo esse output.
É como se você fosse um olho usando um óculos de realidade virtual. Mas como você não consegue tirar o óculos, você não percebe que está usando óculos e passa a acreditar que é um corpo contido no espaço pisando no chão duro tal como o óculos de realidade virtual está te mostrando. Ou seja, você não percebe que sua experiência é o output de uma interface.
Para navegar no mar de inputs da internet você precisa usar um navegador de internet. O universo é um mar de inputs sem forma igual à internet. Para navegar no mar de inputs do universo, você também precisa usar um navegador. Existem vários tipos de navegadores que você pode usar para navegar pelos inputs do universo. Para citar alguns, navegador animal, mineral, vegetal e humano. Atualmente você está usando um navegador humano, por isso está tendo uma experiência assim:
A imagem azul, cheia de zeros e uns, representa os inputs do universo. A imagem com os pés, representa o output humano que você está constantemente experimentando. A estreita moldura que divide a imagem do fundo azul, representa o navegador humano, a interface humana que você (ser) está usando para brincar de ser humano.
Enfim, caro ser humano, você é um ser que está usando uma interface humana para navegar pelo universo. Tudo que você experimenta é o universo, mas sendo que sua experiência é um output da interface humana, não é o universo em si, é o universo humanizado. Um ser que esteja usando uma interface vegetal, por exemplo, está acessando os mesmos inputs universais que você, mas está experimentando um universo vegetalizado, e assim por diante.
Não existe um universo absoluto em questão de output. Todos são relativos. O universo humanizado não é um output mais verdadeiro do que o universo vegetalizado, são apenas outputs diferentes, assim como o output do Google Crome é diferente do output do Windows Explorer, embora ambos estejam acessando a mesma internet.
O universo absoluto é o universo de inputs. Mas não tem como um ser experimentar um input senão através do output de um navegador. Isso é como na história do Rei Midas em que tudo que ele toca vira ouro. Você está usando uma interface humana para navegar pelo universo, então, todo input que sua interface humana toca vira output humanizado. E como você não tem como trocar de interface, aliás, como você sequer tem consciência que está experimentando o universo através de uma interface, você acredita que o universo é tal como está experimentando.
Muita coisa para processar, não é mesmo? Não precisa processar tudo de uma vez. Repita a prática de auto-observação do capítulo anterior e o entendimento explicado nesse livro irá surgindo e se organizando dentro de você. Leia os outros livros da 1ficina que também são de grande ajuda. Assista o video abaixo. E boas navegações!
Observe que lugar é experiência de fisicalidade. Observe que seu corpo é experiência de fisicalidade. Observe que seu corpo deslocando pelos lugares é experiência de fisicalidade. Observe que o ato de experimentar não é uma experiência e não sai do lugar.
Não, porque consciência não se manifesta, consciência testemunha a manifestação. Fazendo uma analogia. Quando você vai ao cinema e assiste a um filme, o que você assistiu foi uma manifestação da sua visão? Não! O filme foi uma manifestação do projetor e sua visão testemunhou a manifestação do projetor. O mesmo está acontecendo agora e sempre. O universo está se manifestando. O universo é a coletividade dos seres. Você é um ser humano, sua realidade é você-consciência testemunhando a manifestação do universo.
Não! Isso é consumismo.
O que te impede é o hábito de acreditar no materialismo. Seus educadores lhe ensinaram a viver na mentalidade materialista e, desde cedo, você transformou essa mentalidade em um hábito. Esse hábito foi sendo alimentado e se tornou tão forte que você nem percebe que é um hábito.
Porque sentir é uma experiência e despertar existencial não é uma experiência, é ficar consciente sobre o que é experimentar. Nesse caso, ficar consciente que a realidade externa não é externa, apenas parece externa, porque é uma experiência de externalidade.
Só que isso é tão simples que você começa a duvidar: “Iluminação não pode ser só isso. Não mudou nada. Está igual antes. Tem que ter alguma coisa a mais. Não sinto isso. Cadê o êxtase da iluminação? Cadê o nirvana? Cadê os códigos fontes da Matrix? Cadê a porra toda? Eu quero a porra toda!”. Desculpae, mas iluminação não acrescenta nada, retira os equívocos.
Iluminação é menos!
Ao entrar na experiência humana, você, assim como todo ser, assume a lógica materialista e a partir daí edifica todo seu conhecimento e autoconhecimento. Seu AUTOCONHECIMENTO está alicerçado no materialismo: eu sou um corpo. Seu CONHECIMENTO também está alicerçada no materialismo: o outro é outro corpo. Quando a 1ficina explica que matéria não é material, ou melhor, quando a 1ficina esfrega na sua cara que matéria é experiência de fisicalidade, é como se a 1ficina estivesse jogando uma bomba atômica na sua mentalidade materialista e explodindo sua noção de “eu”. Sua mentalidade materialista se sente ameaçada, ela não quer morrer. O que você chama de “resistência” é seu hábito de acreditar no materialismo lutando para sobreviver. Essa resistência é natural e inevitável. Faz parte do processo de despertar existencial.
Percepção é um conceito de lógica materialista, supõe que pré-exista uma realidade externa dimensional antes de ser percebida e que você a experimenta através dos cinco sentidos. Experiência é um conceito de lógica existencialista, também diz respeito aos cinco sentidos, mas não supõe uma realidade externa dimensional pré-existente. Um sonho, por exemplo, é uma experiência dimensional, mas não uma realidade externa dimensional pré-existente.
A lógica da explicação existencial é a lógica existencial. Só que a lógica existencial é uma lógica atemporal e adimensional. Então, não tente entender a lógica maior pela menor. Não tente encaixar o atemporal e adimensional dentro do temporal e dimensional. Faça o oposto. Perceba que a lógica do materialismo está contida na lógica existencial. Perceba que temporalidade e dimensionalidade é produto da existência. Percebido isso, problema resolvido.
O paradigma materialista não é sempre um problema. Muitas vezes é solução. Você precisa usar o paradigma materialista para executar todas essas atividades físicas e práticas que você executa o tempo todo, como fritar um ovo e comê-lo, por exemplo.
Para entender quando o paradigma materialista é um problema, você deve se perguntar o inverso: “Para que NÃO SERVE o paradigma materialista?”. O paradigma materialista não serve para explicar o que é a vida e o que é ser humano. E por que não serve? Porque se servisse, já tinha servido e você viveria bem.
Nem eu, nem você, nem ninguém, nem coisa alguma. Só que eu sei disso e você ignora. Se quiser saber também: acorde!
É errado usar o verbo ESTAR para tratar da existência, o correto é usar o verbo SER. Você É o espaço. Sua realidade ESTÁ em você.
Tocar é experiência de fisicalidade. Você não toca os objetivos, você tem uma experiência de fisicalidade de que você é um corpo físico tocando outros objetos físicos. Parece concreto porque experiência de fisicalidade é exatamente assim, experiência de forma, experiência de corpo, experiência de objeto, experiência de concretude.
Não é correto dizer que comprovei com o verbo no passado, pois é um saber constante, presente, no gerúndio. Eu vivo em constante comprovação. Eu vivo sabendo que matéria é experiência de fisicalidade.