Tem um filme chamado Contato, baseado no livro de Carl Sagan, que conta a história de uma cientista (astrofísica) que capta uma mensagem vinda do espaço, decodifica e descobre que a mensagem são instruções de como construir uma nave espacial. A nave é construída seguindo as instruções e só tem espaço para um tripulante. A cientista é escolhida para fazer a viagem. Ela entra na nave e a nave é colocada em funcionamento.
Ninguém sabe como a nave irá funcionar. A nave não se parece nada com uma espaçonave comum, é redonda como uma bola e não tem foguetes para impulsão. Assim que é ligada, a nave começa a girar em torno de si mesma, muito rapidamente, como um pião. Isso olhando do lado de fora, pois dentro da nave tudo está parado e tranquilo. A nave não viaja se deslocando no espaço, viaja deslocando a percepção do viajante. A cientista começa a ter uma percepção incomum do universo. Sua nova percepção é tão incomum e bela que ela diz, referindo a si mesma: “Não deveríamos ter enviado um cientista para ver isso, deveríamos ter enviado um poeta”.
Acho interessante que Carl Sagan, um cientista que pensa o universo de forma materialista, tenha imaginado uma espaçonave que não viaja de forma materialista, se deslocando pelo espaço. Acho interessante também que a forma como a nave viaja e a viagem em si se assemelham a meditação transcendental. A nave não viaja para fora, viaja para dentro. A nave gira freneticamente por fora, assim como o pensamento, mas permanece parada e tranquila por dentro, assim como o observador do pensamento. Por fim, acho mais interessante de tudo a cientista dizer: “Não deveríamos ter enviado um cientista para ver isso, deveríamos ter enviado um poeta”. Que profunda sensibilidade teve Carl Sagan ao colocar essa frase na boca da personagem em seu momento de êxtase.
Poetas não são extra-humanos. Não vivem uma experiência humana diferente de todos os outros seres humanos. O que os poetas têm de diferente é a capacidade de descrever essa mesma experiência humana que todos vivemos de uma forma rica e profunda. Por isso a cientista no filme diz que deveriam ter enviado um poeta e não uma cientista. Terminada a viagem, como ela iria descrever aquele êxtase que experimentou com linguagem científica? Qual equação matemática traduziria sua vívida percepção daquele momento?
Suponho que a mesma constatação da cientista deve acontecer com muitas pessoas que despertam a consciência para o que é ser humano. Suponho que lhes faltem palavras para falar sobre o que sempre está e esteve aqui e agora, mas não conseguiam ver antes. Suponho que desejariam ser poetas para se expressarem melhor. E existem casos em que o cientista é sim um poeta. Os poetas Khalil Gibran e Humi são dois exemplos disso. Humi é um cientista do ser e Khalil é um cientista do humano. E ambos colocam palavras em nossas bocas, como todo grande poeta.
Outro exemplo, são os poetas John Lennon e Paul McCartney, motivo pelo qual comecei a escrever esse texto. São inúmeras vezes em que ambos colocam “words of wisdom” em nossas bocas. Nesse texto quero me referir mais especificamente à canção “Across the universe”. Observe como ela serviria para descrever tanto o êxtase da cientista do filme Contato, como uma prática de meditação transcendental:
“As palavras estão fluindo como uma chuva sem fim num copo de papel. Elas deslizam enquanto passam. Elas transcorrem todo o universo. Piscinas de mágoas e ondas de alegria estão atravessando e abrindo minha mente, me possuindo e me acariciando. Imagens de lâmpadas quebradas que dançam na minha frente como milhões de olhos me chamam de novo e de novo através do universo. Pensamentos vagueiam como um vento incansável dentro de uma caixa de correio e vão caindo enquanto fazem seu caminho através do universo. Sons de risos e sombras de amor estão tocando meus ouvidos abertos, incitando e me convidando ao amor eterno e sem limites, brilhando a meu redor como um milhão de sóis e me chamando sem parar através do universo. Jai guru deva, Om. Nada vai mudar meu mundo”.
É isso que todo ser humano que viaja para dentro de si descobre e gostaria de ser poeta para colocar em palavras: “Nada vai mudar meu mundo”. Ou seja, nada tem o poder de retirar sua paz a não ser que você mesmo opte por isso. Piscinas de mágoas, ondas de alegria, sombras de amor, cascatas de pensamentos, bombas de emoções, desagradáveis circunstâncias girando freneticamente ao seu redor e você pode continuar em paz no olho do furacão, confortável no desconforto, desde que você abra a porta da consciência consciente e entre.