Depois de quinze minutos emendando frases sem ponto e sem vírgula, Monalisa me pergunta:
— Entendeu por que vim conversar com você?
— Eu já sabia desde o começo! — respondo — Só tem um motivo para as pessoas virem conversar comigo. Aliás, dois. E são sempre os mesmos dois
— Quais são os dois motivos?
— O primeiro é sofrimento — digo e dou uma risada de vitória.
Monalisa balança a cabeça demonstrando que também é seu caso.
— E qual é o segundo motivo? — pergunta Monalisa.
— Ignorância da causa do sofrimento — digo e dou outra risada de vitória.
Monalisa ri junto demonstrando que acertei novamente.
— Me fale outra vez do seu sofrimento, mas com calma.
São quinze minutos de relatos, dessa vez, com pontos e vírgulas.
— Já entendi qual é o problema — eu digo.
— Qual? Me diga!
— Começa com “a” e termina com “encia”
— Abstinência, advertência, ausência, ambivalência? — Monalisa dispara feito metralhadora.
— Não! Seu problema é adolescência!
Monalisa faz bico. Não gosta do diagnóstico. Embora tenha 23 anos, gostaria de ter 230, ser sábia, experiente e perfeita. Claro que se fosse esse o caso, não estaria me pedindo ajuda para viver sua vida. Claro que se fosse esse o caso, não acreditaria mais em contos de fadas, príncipes, soluções mágicas e perfeição. Claro que se fosse esse o caso, não estaria fazendo bico. Então, claro que não era esse o caso.
— Estou em crise existencial — Monalisa declara — Passo o dia questionando quem sou eu, questionando o que é certo e errado. Pedi demissão do meu emprego. Gosto de trabalhar, mas trabalhar por dinheiro, por obrigação, não gosto. Não consigo conviver com meus amigos. Muita briga. Não sei, não sei, não sei… Só sei que está ruim. Não estou bem. Estou mal.
— E você acredita que está sofrendo porque não sabe quem você é e não sabe seu lugar no universo, é isso? — eu pergunto.
— Exatamente isso!
— Não é por isso que está sofrendo! — eu digo.
— Como não?
— Você acha que eu sei quem sou, que sei meu lugar no universo e não experimento crise existencial?
— Sim! Acho que sim! Por isso vim conversar com você.
— Você está enganada, Monalisa! Eu não sei quem sou e não sei meu lugar no universo.
— Você é professor! Autoconhecimento não é saber quem sou?
— Não!
— Não? Como não? Então, me explica o que é!
— Primeiro você deve abandonar esse equívoco.
— Qual equívoco?
— De que você está sofrendo porque está em crise existencial.
— E por que estou sofrendo?
— Você está sofrendo porque tem esperança.
— Esperança? Como assim?
— Você tem esperança de que um dia a crise existencial chegará ao fim.
— Sim, tenho!
— Isso é um equívoco. Também acreditei que quando me tornasse adulto, saberia quem sou e não teria mais crise existencial. Já sou adulto faz tempo e continuo em crise existencial.
— Então, esse sofrimento existencial não tem cura?
— A cura é entender que não tem cura. Viver é uma constante crise existencial. Seres humanos nascem, crescem e morrem em crise existencial. Não tem pílula, livro, terapia, chá, experiência, guru, ensinamento, nem nada capaz de curar você de ser humano. Então, não tem como você deixar de viver em constante crise existencial. O que você pode fazer é perceber isso e desistir da esperança de que seja diferente do que é.
Monalisa não gosta do remédio. Embora tenha 23 anos, gostaria de ter 230, ser sábia, experiente e saber quem é. Claro que se fosse esse o caso, não estaria me pedindo cola. Claro que se fosse esse o caso, não acreditaria em cura para crise existencial. Claro que se fosse esse o caso, não estaria fazendo bico novamente. Então, claro que não era esse o caso.
— Você está me deixando assustada e desesperançosa! — diz Monaliza.
— Assustada, não é minha intenção, mas desesperançosa, sim.
— E o que você me sugere, então?
— Sugiro se conscientizar que crise existencial é que nem fome, não tem cura. Assim como você está condenada a viver sentindo fome, você também está condenada a viver em crise existencial. Crise existencial não é opcional, é da natureza da experiência humana.
— Quer dizer que nunca vou saber quem eu sou?
— Saber sabendo, não. É impossível.
— E tem outro jeito de saber senão sabendo?
— Tem! Sentindo. Você pode sentir quem é você.
— Sentir quem sou?
— Isso mesmo! É como pintar o quadro da Monalisa de olhos fechados sem saber o que está pintando, apenas sentindo como deve manusear o pincel.
— Sentir é saber quem sou?!!! Essa é nova!
— Essa é velha! Quando você se sente bem, é porque você está sendo você. Quando você se sente mal, é porque você não está sendo você.
— Só isso? Simples assim?
— Sim! Mas se quiser complicar, pode.
Monalisa dá um sorriso de Monalisa.