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Eu juro, juro, juro que quando comecei a escrever esse texto, minha intenção era apenas escrever um texto curto. Mas o que um escritor pode fazer frente uma insistente inspiração? Esse livro é uma fábula para explicar a estratégia psicológica por trás do sucesso do capitalismo. Ou seja, porque Jesus perdeu e vencendo vem o capitalismo.

Boa leitura e muitas eurekas!

Dedico esse livro a todos os putos da minha geração que lutaram e ainda lutam bravamente pela liberdade de tomar banho de chapéu.

Fala seus putos
eu não me rendo
tô aqui pensando
por onde andam
o que estão fazendo

Eu sei seus putos
que o mundo gira
Viva a liberdade
só que na verdade
só tem mentira

Cadê os caras
da américa do sul
que curtiam rock
amavam woodstock
e tocavam Raul

Foi só um sonho
escrito em guardanapo
Enganou o bobo
na casca do ovo
e fim de papo

Cadê vocês seus putos
Será que somente
restou pra nós
perder a voz
e os dentes?

Não se faz mais
Rolling Stones
como antigamente

Marx chegou em casa exausto. Havia trabalhado o dia inteiro entregando fast food. Deitou no sofá e ligou a televisão. Ouviu as mesmas notícias de sempre: guerras, corrupção, roubo, violência, luta por igualdade social.

Levantou, foi até a mesa e abriu a sacola de comida que trouxe do serviço. Assim que inalou o cheiro da comida, sentiu ânsia de vômito. — Não aguento mais comer isso — ele falou em voz alta. Mas comeu mesmo assim.

Enquanto comia, pensou na sua vida de estrangeiro morando em Nova York. Que vida era aquela? Como aquilo podia ser chamado de vida? Quando morava no Brasil, Marx não tinha dinheiro sequer para comprar um biju, mas tinha uma vida. Podia ir até a casa dos amigos jogar tampinha no final de semana.

Lembrou do seu amigo João Cabral, o único que sempre ganhava dele no jogo de tampinhas. Abriu a tela de aplicativos da televisão e clicou no youtube. Procurou pelo trecho do filme do amigo e clicou novamente. Ouviu e assistiu chorando.

— Por que está chorando? — o unicórnio pergunta a Marx.

— Porque é muito triste! — responde Marx, sem perceber que está dormindo no sofá.

— O que é triste? — pergunta o unicórnio.

— O capitalismo é triste! — responde Marx — E além de triste, é um absurdo! O fundamento da ideologia capitalista é produzir riqueza. E cadê a porra da riqueza? Cadê? Cadê? Cadeeeeee? Olha o cemitério que virou esse mundo! Como diz o companheiro Eduardo Marinho: “Por tão poucos terem tanto, é que tantos tem tão pouco”.

— Como 100 pessoas conseguem controlar 8 bilhões? — Marx indaga o unicórnio se referindo às 100 pessoas mais ricas do mundo que controlam os 8 bilhões de pessoas que estão abaixo deles na pirâmide social.

— Muito louco isso, não é? Mais louco que conversar com um unicórnio — diz o unicórnio.

Marx não entende a indireta e continua sem perceber que está dormindo no sofá.

— Eu sei qual é o truque do capitalismo! — diz o unicórnio.

— Você sabe!!!! Pooooorra! Me conta! Eu mesmo darei um jeito de revelá-lo na televisão, sem dó nem piedade, tipo o Mister M — diz Marx.

— É um truque perverso, mas genial! Começa pelo entendimento da psicologia do controle — diz o unicórnio.

Esses humanos que circulam
Pela cidade aí afora
Eu não aguento
Eles querem me conquistar
Eu não aguento
Eles querem me controlar

Querem me obrigar
A ser do jeito que eles são
Cheios de certezas
E vivendo de ilusão
Mas eu não sou
Nem quero ser
Igual a quem me diz
Que sendo igual
Eu posso ser feliz

Quando nascemos fomos programados
A receber o que vocês nos empurraram
Com os enlatados dos U.S.A., de nove as seis

Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês

Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola

Depois de vinte anos na escola
Não é difí­cil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser

Vamos fazer nosso dever de casa
E aí­ então, vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis

Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola

— Tem dois jeitos de controlar os outros — diz o unicórnio.

— Discordo! Tem vários! Minha mãe, por exemplo, me controlava mostrando o chinelo. Às vezes, nem precisava tanto, bastava me olhar enviesado e eu já obedecia — diz Marx.

— Todas as formas de controle se resumem a duas — diz o unicórnio — Sua mãe usava uma dessas duas.

— Não estou entendendo, seja mais claro! — diz Marx.

— Por que você obedecia sua mãe quando ela te mostrava o chinelo? — pergunta o unicórnio.

— Porque tinha medo de apanhar! — responde Marx.

— Essa é uma forma de controlar o outro: colocando medo no outro. Quando sua mãe te mostrava o chinelo, ela estava colocando medo em você. Você obedecia porque ficava com medo de apanhar — diz o unicórnio.

— Sim, era exatamente isso! — diz Marx.

— Imagina que você está dirigindo sua vida e está prestes a decidir se vai virar a direita ou à esquerda. Para controlar sua decisão, o que devo fazer? — pergunta o unicórnio.

— Você deve apontar para o lado indesejado e me mostrar o chinelo? — Marx responde fazendo uma piada.

— Hahahahaha — gargalha o unicórnio — Exatamente isso! Você deve me colocar medo. Deve dizer, por exemplo, que se eu virar a esquerda vou chegar em um lugar onde as pessoas comem criancinhas.

— Hahahahaha — gargalha Marx, entendendo a ironia — Mas a religião também faz isso, não?

— Faz sim, — responde o unicórnio — a religião aponta para o lado indesejado e te mostra um chinelo chamado inferno.

— O medo que o capitalismo coloca em mim tem data de validade. Quando eu morrer, não preciso mais me preocupar com dinheiro. O medo que a religião coloca em mim é o oposto, quando eu morrer é que meus problemas vão começar.

— Hahahahaha — gargalha o unicórnio — Bem observado, Marx.

Pega essa visão
Pode crê
O mundo tá cagando
Pra você

O mundo é um moinho
Já disse cartola
Não vem no sapatinho
Entra de sola

Vou te dar a letra
Para evitar a treta
Nem entra!
Nem entra!

Senão tchau
Tiro, porrada e bomba
Havaiana de pau
Na lomba
Pra aprendê
O a-b-c

Senão tchau
Tiro, bomba e porrada
Havaiana de pedra
Lascada
Até você
Obedecê

Se você entrar, vá até o fim
Ou então, nem comece
Se você entrar, vá até o fim
Ou então, esquece

Se você entrar, vá até o fim
Pra valer a pena
Se for entrar, vá até o fim
Até a última cena

Se você entrar, vá até o fim
Pule dentro do fogo
Se você entrar, vá até o fim
Até zerar o jogo

Se você entrar, vá até o fim
Ou então, cai fora
Se você entrar, vá até o fim
Porque só piora

Se tu falas muitas palavras sutis
Se gostas de senhas sussurros ardís
A lei tem ouvidos pra te delatar
Nas pedras do teu próprio lar

Se trazes no bolso a contravenção
Muambas, baganas e nem um tostão
A lei te vigia, bandido infeliz
Com seus olhos de raios X

Se vives nas sombras, frequentas porões
Se tramas assaltos ou revoluções
A lei te procura amanhã de manhã
Com seu faro de dobermam

E se definitivamente a sociedade
Só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras és nocivo
És um estorvo, és um tumor
A lei fecha o livro, te pregam na cruz
Depois chamam os urubus

E se pensas que burlas as normas penais
Insuflas agitas e gritas demais
A lei logo vai te abraçar infrator
Com seus braços de estivador

Se pensas que pensas estás redondamente enganado
E como já disse o Doutor Eiras
Vem chegando aí, junto com o delegado
Pra te levar…

— Você disse que tem dois jeitos de controlar o outro. Colocar medo, é um jeito. Qual é o outro?

— O segundo jeito é a cenoura! — responde o unicórnio.

— Hahahahaha — gargalha Marx — Suponho que você esteja sendo metafórico com sua piada. Por favor, se explique.

Você já viu aquela imagem do burro com uma vara nas costas e uma cenoura pendurada na ponta?

— Sim, já vi! — responde Marx.

— Por que o burro continua indo atrás da cenoura sendo que nunca alcança? — pergunta o unicórnio.

— Porque tem esperança de alcançar — responde Marx.

— Esse é o segundo jeito de controlar o outro: dando esperança. Como diz o companheiro Clóvis De Barros Filho, quando você está no ensino fundamental, te dizem para ter esperança que no ensino médio será melhor. Quando você chega no ensino médio, te dizem para ter esperança que no ensino superior será melhor. Quando você chega no ensino superior, te dizem para ter esperança que no mercado de trabalho será melhor. E assim por diante.

— Imagina que você está dirigindo sua vida e está prestes a decidir se vai virar a direita ou à esquerda. Para controlar sua decisão, o que devo fazer além de te colocar medo? — pergunta o unicórnio.

— Deve apontar para um dos lados e me dar esperança de que é melhor virar para aquele lado — responde Marx.

— Você vira e é uma bosta. O que devo fazer para você continuar seguindo mesmo assim? — pergunta o unicórnio.

— Você deve me dar mais esperança. Dizer que o melhor ainda está por vir. Que se eu me esforçar muito, vou alcançar a cenoura — responde Marx — Mas para que a estratégia da esperança funcione, o objetivo deve ser inalcançável.

— Exatamente! É isso que o capitalismo faz, coloca um carro novo na ponta da vara. É esperança garantida forever, pois todo ano tem um carro novo. E o melhor carro novo ainda está por vir! Hahahahaha — gargalha o unicórnio.

— O capitalismo tem uma coisa ainda mais perversa e eficiente do que colocar produtos na ponta da vara! — diz o unicórnio.

— O quê? — pergunta Marx.

— Eu! — responde o unicórnio.

— Mas você é um unicórnio! Você nem existe! — diz Marx.

— Exatamente! O que pode ser mais eficiente do que correr atrás de uma cenoura que não existe. — diz o unicórnio.

— Sendo que não existe, nem tento — diz Marx.

— Não existe de verdade, mas existe de mentira. Assim como uma criança acredita na existência de unicórnios, você acredita nas mentiras do capitalismo — diz o unicórnio.

— Por isso nunca encontro, porque é mentira — diz Marx.

— Já ouviu falar em American Dream? — pergunta o unicórnio.

— Sim, claro! — diz Marx.

— Esse é um dos meus nomes para adultos! — diz o unicórnio — Tenho vários outros! Felicidade, fim dos problemas, sucesso, fama, amor, e por aí vai!

Correndo atrás de que?
Atrás de quem?
Correndo atrás do trem.
Correndo atrás de quando?
Atrás de onde?
Correndo atrás do bonde.
do dia (D) pois de amanhã
correndo atrás da van filosofia

Correndo atrás da tampa
da sua panela
correndo atrás da bela
atrás da fera de olhos azuis
correndo atrás do bus
do dia (D) pois de amanhã
correndo atrás da van filosofia

— Medo e esperança é todo o truque do capitalismo? – pergunta Marx.

— Não mesmo! — responde o unicórnio — Esse é apenas o começo. Assim como um mágico usa as mãos para fazer sua mágica, o capitalismo usa o medo e a esperança. Sem esses dois ingredientes seria impossível o controle. Mas o pior ainda está por vir. Hahahahaha. Para entender como 100 pessoas conseguem controlar 8 bilhões é preciso entender como essas 100 pessoas usam o medo e a esperança.

— Me diga! Como é? — pergunta Marx.

— Começa pelo entendimento do maior medo humano — diz o unicórnio.

— Qual é o maior medo humano? — pergunta Marx.

— Você que me diga! — responde o unicórnio.

Marx pensa por alguns segundos e responde:

— O maior medo humano é o medo da morte!

— Exatamente! — diz o unicórnio — É por aí que tudo começa. O medo da morte é natural, legítimo e inevitável. Todo ser busca sobrevivência.

— Sim, de fato! — diz Marx.

— Agora que começa a genialidade perversa do capitalismo. Do que você precisa para sobreviver? — pergunta o unicórnio.

— Preciso comer. Preciso me alimentar! — responde Marx.

— E você come dinheiro? — pergunta o unicórnio — Quando você chega em casa, você abre a geladeira, pega um punhado de dinheiro, coloca no prato e come?

— Hahahahaha — gargalha Marx — Claro que não!

— Então, porque você precisa de dinheiro para sobreviver? — pergunta o unicórnio.

— Por que sem dinheiro a geladeira fica vazia! — responde Marx — Não tem como comprar comida sem dinheiro.

— Planta e come! — diz o unicórnio.

— Para plantar é preciso ser proprietário de um terreno. Para ser proprietário de um terreno é preciso comprar o terreno! Para comprar um terreno é preciso dinheiro! — diz Marx.

— Percebe a genialidade perversa do capitalismo? — diz o unicórnio — Todo dia você precisa ir ao supermercado e comprar sua sobrevivência na mão do capitalismo.

— O capitalismo transformou o dinheiro em oxigênio! — diz Marx espantado com as próprias palavras.

— Exatamente, Marx, o dinheiro é o novo oxigênio! — diz o unicórnio — Sem dinheiro você morre! Então, você precisa de dinheiro para sobreviver. Ter dinheiro não é um luxo, é uma questão de vida ou morte.

— Puta que pariu! — exclama Marx.

Dinheiro é papel com tinta
A grana não me engana, mas tenta
Dinheiro é papel com tinta magenta
E gosto de pimenta

Reflita…
Dinheiro é um artefato
Dinheiro é um boato
Dinheiro é uma bexiga oca
Por isto, se você duvida
Ponha ele na boca
E depois me diga

— Qual é o problema em precisar de dinheiro para sobreviver? — pergunta Marx.

— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, — diz o unicórnio — vai passar essa vergonha no crédito ou no débito?

— Hahahaha! No crédito! — responde Marx.

— O problema de você precisar de dinheiro para sobreviver é que você não precisa de dinheiro para sobreviver — diz o unicórnio.

— Putz! Tô devagar! Não entendi! — diz Marx — Acabamos de conversar que dinheiro é o novo oxigênio, questão de vida ou morte, que é preciso dinheiro para sobreviver.

— Novamente te pergunto: você come dinheiro? — diz o unicónio.

— Isso eu já entendi. Não como dinheiro, como comida: arroz, feijão, batata, ovo, melão, manga, etc. Mas preciso de dinheiro para comprar comida. Então, preciso de dinheiro para sobreviver. Esse é o problema?

— Não, o problema não é esse! — diz o unicórnio.

— Então, qual é? — pergunta Marx.

— O problema é que você acredita que precisa de dinheiro para sobreviver. Você não precisa de fato, você apenas acredita que precisa — diz o unicórnio.

— Como vou comprar comida sem dinheiro? — pergunta Marx.

— Não vai! É impossível — responde o unicórnio.

— Tá vendo! É preciso ter dinheiro para sobreviver, porra!!!! — diz Marx.

— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, — diz o unicórnio — vai passar mais essa vergonha no crédito ou no débito?

— Hahahaha! Vou passar essa no débito também! — responde Marx.

— É preciso ter dinheiro para COMPRAR comida e não para sobreviver. — diz o unicórnio — Se fosse preciso ter dinheiro para sobreviver todos os outros seres do planeta já estariam mortos, pois não existe dinheiro na natureza. Cavalo tem dinheiro? Periquito tem dinheiro? Samambaia tem dinheiro? Já viu vaca fazendo compra no supermercado?

— Mas esses não são seres humanos! — diz Marx, apelando para o último recurso lógico que lhe sobrou.

— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, — diz o unicórnio — vai passar mais essa vergonha no crédito ou no débito?

— Hahahaha! No débito também, se eu ainda tiver algum! — responde Marx.

— Índios são seres humanos e também não precisam de dinheiro para sobreviver — diz o unicórnio.

— Mas não posso chegar no supermercado e pegar uma manga na prateleira igual um índio pega uma manga no pé! — diz Marx.

— Por que não? — pergunta o unicórnio.

— Porque é crime! É roubo! — diz Marx.

— E o que é roubo? — pergunta o unicórnio.

— É apropriação indevida da propriedade alheia! — responde Marx.

— E a manga é propriedade de quem? — pergunta o unicórnio.

— É propriedade do dono do supermercado! — responde Marx.

— E quem foi que disse isso? A mangueira? Hahahahaha. Marx, Marx, Marx, meu caro Marx, você não cansa de passar vergonha? — diz o unicórnio — A manga não é propriedade de ninguém. Propriedade é uma invenção que faz parte da estratégia que os 100 espertos usam para controlar os 8 bilhões de otários. Se tem algum ladrão nessa história, são os inventores dessa mentira chamada “propriedade”. Não estou falando nenhuma novidade. O companheiro Rousseau já explicou isso faz tempo.

— O primeiro homem que inventou de cercar uma parcela de terra e dizer “isto é meu”, foi o autêntico fundador da sociedade civil. De quantos crimes, guerras, assassinatos, desgraças e horrores teria livrado a humanidade se aquele, arrancando as cercas, tivesse gritado: “Não, impostor” — diz Marx, citando uma célebre frase de Rousseau.

— Exatamente! — diz o unicórnio — O capitalismo está fundado na farsa da propriedade. Por isso é imprescindível que todos os seres humanos acreditem nessa mentira. Se você tiver consciência que o dono do supermercado não é dono da manga, como ele vai te vender a manga? Não vai! Você apenas pega a manga na gôndola, igual um índio pega a manga no pé.

— Daí a polícia me prende! — diz Marx.

— Com certeza, pois a função da polícia é fazer você se lembrar que a mentira da propriedade é verdade. — diz o unicórnio.

— Mas todo mundo acredita na mentira da propriedade e também que é preciso COMPRAR comida para sobreviver! — diz Marx.

— Sim, claro! As crianças aprendem isso na escola. Os pais ensinam isso aos filhos. E se depender dos 100 no topo da pirâmide, vai continuar assim eternamente. Caso contrário, como 100 vão conseguir escravizar e explorar 8 bilhões?

— Puta que pariu! Inacreditável! 8 bilhões de seres humanos vivendo na merda, escravizados e explorados dia e noite, tudo porque acreditam na farsa da propriedade e de que precisam de dinheiro para sobreviver. É muita burrice! Muita burrice! O problema não é o dinheiro, nem o capitalismo, nem os 100 espertos, o problema é a burrice. Somos 8 bilhões de trouxas!

— Exatamente! — diz o unicórnio — Vai passar essa vergonha no crédito ou no débito?

— Hahahahahaha! Estou rindo, mas é de desespero! — diz Marx.

— Caro unicórnio, já faz um tempo que percebi que estou dormindo no sofá e sonhando com você. Então, antes de acordar, tenho uma última questão que gostaria de esclarecer com você — diz Marx.

— Comigo não, com você mesmo! Afinal, sou apenas uma criação da sua mente, assim como o capitalismo é uma criação da mente coletiva — diz o unicórnio.

— Hahahahaha! Whatever! A questão é a seguinte: o capitalismo não é de todo ruim, pois o capitalismo produz progresso! Concorda? — pergunta Marx.

— Isso é mais uma farsa! Mentira! O capitalismo não produz nada. A única coisa que o capitalismo produz é lucro. Só lucro! Apenas lucro! Nada além de lucro! — diz o unicórnio.

— Carros, computadores, telefones celulares, foguetes, etc, tudo isso é produto do capitalismo, não? — questiona Marx.

— Marx, Marx, Marx, meu caro Marx…

— Hahahahaha! Para! Já sei! Não precisa ficar me zoando! — diz Marx.

— Na verdade, não estou zoando você, estou zoando os leitores — diz o unicórnio.

— Que leitores? — pergunta Marx.

— Os leitores desse livro! — diz o unicórnio.

— Que livro? — pergunta Marx.

— Eu e você somos personagens de um livro! — diz o unicórnio.

— Sério?! – exclama Marx.

— Seríssimo! — responde o unicórnio.

— Então, não sou eu que estou dormindo e sonhando com você, é o leitor? — diz Marx.

— Isso mesmo! Mas nesse exato momento o leitor acabou de perceber isso. Fizemos ele perceber — diz o unicórnio.

— E porque fizemos isso? — pergunta Marx.

— Porque esse livro está chegando ao fim e o objetivo dessa história é despertar o leitor. Enquanto o leitor continuar em estado de ignorância sobre o truque perverso do capitalismo, os 100 no topo da pirâmide vão continuar controlando os 8 milhões que estão abaixo. Esse sonho é um pesadelo. Preciso morrer para que esse pesadelo acabe. É impossível viver bem acreditando em unicórnios. A ignorância não é uma benção. A ignorância é a medida de todas as feridas — diz o unicórnio.

— Falou bonito! Mas você ainda não respondeu minha pergunta — diz Marx — Carros, computadores, telefones celulares, foguetes, etc, tudo isso é produto do capitalismo, não?

— Tudo isso é produto da criatividade e da realização humana! Dinheiro não pensa! Como pode inventar qualquer coisa? Quem inventa coisas é a criatividade humana. As pessoas vendem suas ideias porque acreditam que precisam de dinheiro para sobreviver. Se não acreditassem nisso, não precisariam vendê-las, apenas colocariam à disposição e benefício de todos. A evolução seria muito maior e melhor — diz o unicórnio.

— Maior e melhor, por quê? — questiona Marx.

— Porque a criatividade e realização humana não ficaria limitada apenas ao que dá lucro aos 100 espertos no topo da pirâmide.

— Por exemplo… — diz Marx.

— Por exemplo, ao invés dos seres humanos usarem a criatividade para produzir mais e melhores armas de guerra, usariam para produzir mais e melhores meios de transporte, casas, cidades, agricultura, formas de organização social, obras de arte, etc — diz o unicórnio.

— Entendi — diz Marx — Acho que chegou a hora de você morrer! Antes que eu acorde e você desapareça, quais são suas últimas palavras para o leitor? — pergunta Marx.

— Mate seus unicórnios antes que eles matem você!

Marx acordou. Percebeu que estivera dormindo no sofá e sonhando. Desligou a televisão. Foi até a janela. Quando abriu a cortina, percebeu que estava em outro planeta. O antigo Planeta Dono havia se transformado no Planeta Imagine.

Há muito tempo, no Planeta Dono, havia uma civilização que vivia em busca da propriedade. Ninguém jamais havia visto ou encontrado a tal propriedade, mas todos a buscavam freneticamente. Haviam também lendas, livros, histórias e músicas sobre a propriedade.

Nada era mais real e importante do que ser dono, então, todas as manhãs, todos os habitantes vestiam roupas de corrida, tênis e percorriam o planeta em busca de propriedades. Nunca encontravam. Voltavam exaustos e frustrados para suas casas. Mas não desistiam.

Falsos encontros aconteciam. Alguns habitantes acreditavam serem donos de esposas, de maridos, de filhos, de fortunas, de cidades, de países, de sociedades, etc. Mas fosse o que fosse, a propriedade sempre sumia do dia para noite. Após cada desaparecimento, eles se perguntavam: “Quem mexeu na minha propriedade?”. Haviam respostas cientificas, filosóficas, antropológicas, místicas, mas nenhuma resolvia.

Na ânsia desesperada de possuírem alguma coisa, os habitantes do Planeta Dono passaram a colidir uns com os outros. Para evitar as trombadas, decidiram se dividir em buscadores de direita e buscadores de esquerda, regidos por leis de trânsito e sob pena de morte.

Foi nessa época, que a civilização do planeta Yellow Submarine veio conversar com os habitantes do Planeta Dono e explicou para eles que propriedade era crença, que só existia dentro da cabeça deles. A princípio, todos repudiaram a explicação, mas como só conseguiam fracassar na busca, aos poucos foram desistindo de acreditar em propriedade.

E foi assim que o Planeta Dono se transformou no Planeta Imagine.

© 2025 • 1FICINA • Marcelo Ferrari