Depois da primeira reunião em Uberlândia, entendi que o método era não ter método, então, não gastei mais nenhum neurônio me preocupando com o que iria fazer, apenas chegava, improvisava e deixava acontecer. Teve vez que dançamos uma dança maluca do Osho. Teve vez que viramos a noite tocando violão. Teve vez que fizemos ritual de ayahuasca. Teve vez que rimos até explodir. Teve vez que choramos até ficar desidratados. Teve vez que ficamos em silêncio. Teve de tudo um pouco.
As reuniões na sangha de São Paulo aconteciam no meu apartamento. O grupo de São Paulo era o mais jovem, então, a criatividade ia longe. Logo na primeira reunião, quando terminou, ficaram dois integrantes conversando na sala. Um deles estava começando a desenvolver a mediunidade e resolveu fazer uma experiência ali. Quando começou, foi como se toda energia que tinha ficado no ambiente começasse a ser filtrada através dele. Usando um termo espírita, esse rapaz recebeu uns vinte obsessores na sequência. Saía um e entrava outro.
Na reunião seguinte, contamos o que havia acontecido e advinha! Resolveram fazer tudo de novo com a sangha toda presente. Com 20 pessoas, daí a coisa pegou fogo. Quem nem desconfiava que era médium começou a incorporar. A reunião virou uma gira.
As entidades incorporadas eram as mais estranhas, egípcios, monges, padres, mestres taoistas, demônios do umbral, extraterrestres, entre outros. Quando vinha uma entidade, não importava se era do céu ou do inferno, nós conversávamos do mesmo jeito. E por favor, não me pergunte se essas entidades eram o que afirmavam ser, só estou contando o que acontecia.
Uma das conversas que mais me marcaram foi com um extraterrestre que apelidamos de Vazio. Ele nunca havia sido humano e não entendia nada sobre ser humano. Conversar com ele foi como conversar com uma criança recém-nascida, mas que já nasceu sabendo falar português. Foi um choque de 220 watts no nosso antropomorfismo. Por exemplo, eu contei uma piada e ele não riu.
— Você não achou engraçado? — eu perguntei.
— O que é “engraçado”? — ele respondeu.
Depois eu peguei o violão e toquei uma música.
— Gostou da música? — eu perguntei.
— O que é “gostou”? — ele respondeu.
Tentei explicar para o Vazio o que era “engraçado” e o que era “gostou”, mas não consegui. Mesmo usando toda minha criatividade e poder de raciocínio, foi impossível. Cada significante que eu acrescentava na explicação aumentava o número de significados a serem explicados. Por exemplo, eu dizia: “gostou é quando você sente prazer”. E o Vazio perguntava: “o que é prazer?”. Tanto “engraçado”, como “gostou”, como “prazer”, como tudo mais que eu dizia, eram significantes sem significados para o Vazio, pois o Vazio era vazio de significados humanos.
Um participante da sangha, percebendo isso, perguntou:
— E o sofrimento? Você sofre?
— O que é “sofrimento”? — ele respondeu.
Esse participante, que era um sofredor crônico, disse:
— Como faço para ser igual a você?
O Vazio respondeu:
— Impossível, você é humano, eu sou outra coisa. Cada um é o que é.
O rapaz ficou decepcionado. Eu disse para ele:
— O fato do Vazio não sofrer, não significa que ele enxerga mais do que você. Pelo contrário, significa que ele enxerga menos. O Vazio não experimenta sofrimento, mas também não experimenta alegria. É como se ele fosse cego. É isso que você quer?
— Ué! Iluminação não é isso? — disse o rapaz.
— Isso, o quê? Furar os olhos e ficar cego? — eu perguntei.
Há algo de podre no reino da iluminação.
Mas enfim, a história do Vazio ilustra um pouco do que acontecia nas reuniões da sangha de São Paulo. “Se cobrir vira circo, se cercar vira hospício”, diziam os participantes.