JE SUIS MALADE (Doença de Sísifo)

19/04/2025 by in category Textos tagged as , , with 0 and 0

Tem uma história que um interlocutor pergunta para o filósofo Arthur Schopenhauer qual é a decisão mais sábia que um homem pode fazer. Schopenhauer responde que é a decisão mais sábia que um homem pode fazer, ele já não fez. Schopenhauer está se referindo à decisão de não nascer, uma vez que ao decidir nascer o homem está se condenando ao inevitável sofrimento de viver.

Viver dói. Mas Schopenhauer não foi o primeiro ser humano a observar isso. O primeiro foi Sidarta Gautama, que após atingir a iluminação e se tornar o Buda, deu início aos seus ensinamentos afirmando quatro nobres verdades. A primeira nobre verdade foi a mesma que Schopenhauer observou: “nasceu, fodeu!”. Claro que Sidarta não usou essas palavras, mas foi isso que ele quis dizer.

Ótimo! Entendida a primeira obviedade do sofrimento, vamos seguir adiante através da imaginação. Vamos supor que o interlocutor de Schopenhauer, frustrado com a primeira resposta do filósofo, mas ainda esperançoso por descobrir qual a decisão mais sábia que um homem pode fazer, insistisse no questionamento perguntando: “Qual é a decisão mais sábia que um homem pode fazer uma vez que decidiu nascer?”

Schopenhauer liga o rádio e começa a girar o dial lentamente. A primeira música que Schopenhauer sintoniza é uma música de sofrência. A segunda música que Schopenhauer sintoniza também é uma música de sofrência. A terceira música que Schopenhauer sintoniza também é uma música de sofrência. Música após música, todas são músicas de sofrência, sem exceção.

Schopenhauer desliga o rádio e pergunta ao seu interlocutor se ele entendeu a resposta. Seu interlocutor responde que não. Schopenhauer explica: “A melhor decisão que um homem que decidiu nascer pode fazer é impossível de ser feita”. Seu interlocutor pergunta: “Que decisão é essa? E por que é impossível de ser feita?”.

Schopenhauer responde: “É a decisão de não amar. Como você pôde observar através das músicas no rádio, amar é a causa da sofrência. Se fosse possível ao homem decidir não amar, ele não sofreria. Só que é impossível não amar, porque amor não é uma decisão, é um acontecimento. O amor brota inevitavelmente no coração do homem, assim como a fome brota nas vísceras.

Vamos supor que o interlocutor de Schopenhauer seja brasileiro e não desista nunca. Mesmo frustrado com a primeira e a segunda resposta do filósofo, ainda tem esperança de descobrir qual a decisão mais sábia que um homem pode fazer. Então, insiste: “Qual é a decisão mais sábia que um homem pode fazer uma vez que decidiu nascer e é incapaz de não-amar?”

Schopenhauer vai até a estante, pega um disco de música francesa e coloca uma música para tocar na vitrola:

Enquanto a música toca, Schopenhauer abre uma garrafa de vodka e serve uma rodada para ele e para seu interlocutor. Depois, serve outra, e outra, e outra. Então, ambos embriagados, ele pergunta ao seu interlocutor: “Conhece o mito de Sísifo?”.

© 2025 • 1FICINA • Marcelo Ferrari