Uma vez por ano, no mês de dezembro, Joaquim pedia para os participantes do EEU organizarem uma festa para Nossa Senhora Da Regeneração, que, segundo ele, é a padroeira do trabalho do EEU. Em 2007 a festa seria em São Carlos. Eram dois dias de festa, sábado e domingo. No sábado, falavam os palestrantes pés de chinelo, no domingo, a palestra era do Joaquim.
Joaquim pediu para que os organizadores da festa me incluíssem entre os palestrantes do sábado. Uma moça entrou em contato comigo. Disse que eu podia ficar hospedado na casa dela, era só eu chegar no sábado de manhã. Perguntei qual deveria ser o tema da minha palestra, uma vez que não era espiritualista. Ela disse que podia ser Matrix.
Preparei uma super apresentação no PowerPoint. Meu objetivo era desfazer o equívoco de que existe um mundo espiritual e um mundo físico separados, ou seja, desfazer o equívoco do dualismo. Em um dos slides usei o código-fonte da Matrix sobreposto a uma foto de paisagem física justamente para explicitar isso.
Todo artista tem que ir aonde o povo está. Eu acreditava (e acredito) nisso e estava dando o primeiro passo, só que entre o povo e eu ainda havia um abismo de distância chamado sofrimento. Não se dá aula de metafísica para quem está berrando de dor. Minha palestra foi inútil para a plateia. Eu fui demasiado espiritual e a plateia era demasiada humana.
A festa aconteceu em um galpão usado como terreiro de umbanda. No sábado a noite teve uma gira light, sem tratamento de desobsessão e essas coisas. Várias entidades vieram incorporar nos médiuns para participar da festa. Eu nunca havia participado de uma gira antes. Adorei as músicas e os rituais. Conversei com caboclos e pretos velhos.
Fiquei até o fim da gira, porque a moça que estava me recepcionando, Jeanne, era encarregada de fechar o portão. Assim que tudo terminou, ela me levou para casa dela, com o marido e o Firmino. Quando chegamos, ela preparou um café e começamos a conversar. No meio da conversa, Firmino disse que Joaquim queria conversar também.
Jeanne acendeu uma vela, trouxe o café, e Firmino incorporou Joaquim.
— Salve, né? — disse Joaquim.
Joaquim conversou primeiro com Jeane, sobre a festa. Depois com o marido dela, sobre o trabalho de umbanda. E por fim, disse que queria conversar comigo.
— Você já entendeu, né, moço? — Joaquim me disse — Mas não tem com quem conversar essas coisas, por isso, fica acordado na cama pensando no absurdo que é todos acharem que o absurdo da existência é normal.
Claro que ele não falou exatamente assim, nem com esse português de telejornal. E por fim, ou Joaquim era muito bom de chute, ou assistia o Big Brother do sítio da minha avó. De fato, no silêncio da noite rural, eu ficava pensando no absurdo da existência e no adormecimento da coletividade humana. Joaquim continuou:
— Seu trabalho lá no www é muito bom e você ajuda muitas pessoas escrevendo. No www a informação espalha que nem fogo, mas é fogo de palha, tem pouco efeito.
Por “www”, Joaquim estava se referindo a internet.
— Por que tem pouco efeito? — perguntei.
Joaquim usou a metáfora do atacado e do varejo, da qual nunca mais me esqueci.
— O trabalho no www é iluminação por atacado, atinge muitas pessoas, mas é superficial. Para mudar a vida das pessoas de verdade, você precisa trabalhar no varejo. Pegar na mão de cada pessoa e conduzi-la passo a passo pelo entendimento, como se fosse uma criança.
Porra! Eu estava indo muito bem obrigado com meu trabalho de iluminação atacadista. Contudo, parecia que Joaquim tinha mais coisa para dizer, então, não fiz nenhuma objeção, nem comentário, apenas continuei ouvindo.
— Continue escrevendo no www, — disse Joaquim — mas comece a trabalhar com as pessoas presencialmente também, em grupos.
Joaquim jogou a bomba e foi embora. Pegou o ônibus dos pretos velhos e voltou para Aruanda. Era típico dele fazer isso.
No dia seguinte, assisti à palestra de Joaquim e retornei pensativo para o sítio.