Ilha da imaginação

13/10/2021 by in category Textos tagged as , , with 0 and 0

Você arriscaria sua vida para salvar alguém que ama? Você arriscaria sua vida para salvar seus pais, seus irmãos, sua esposa, seu marido, seus filhos? Suponho que sim. Mas você arriscaria sua vida para salvar uma bola de vôlei?

Chuck Noland, o protagonista do filme o Náufrago, arrisca sua vida para salvar uma bola de vôlei. E por quê? Porque a bola de vôlei não é uma bola de vôlei, é o Wilson.

Para suportar a solidão de viver sozinho em uma ilha, Chuck usa a imaginação e transforma uma bola de vôlei em uma pessoa. Loucura? Delírio? Estranho? Nada disso! Super normal. Vai dizer que você nunca fez isso brincando de boneca? Então! Chuck faz a mesma coisa com uma bola de vôlei, qual é a diferença?

A transformação começa quando Chuck encosta a mão suja de sangue na bola branca. O sangue funciona como tinta e estampa uma espécie de rosto na bola. A partir daí a bola de vôlei desaparece e surge o Wilson, tão humano e querido, que em certo momento do filme, Chuck arrisca sua vida para salvá-lo, como se uma bola de vôlei pudesse morrer afogada.

Bolas de vôlei não podem se afogar, nem morrer, mas Chuck não está mais enxergando a realidade física, está enxergando sua imaginação. Loucura? Delírio? Estranho? Nada disso! Super normal. Vai dizer que você nunca deu comida para sua boneca acreditando que ela estava com fome, ou colocou blusa acreditando que ela estava passando frio? Chuck faz a mesma coisa com uma bola de vôlei, qual é a diferença?

Você pode estar pensando: “Eu brinquei de boneca quando era criança, hoje em dia sou adulto, maduro, experiente, não confundo mais realidade com imaginação”. Tem certeza? Você não interage com os outros supondo (imaginando) que possuem os mesmos valores, gostos, interesses e crenças que você? Então, qual é a diferença?

Não tem nenhuma diferença. Você cresceu, virou adulto, mas continua brincando de boneca. A única diferença é que as bonecas atuais nas quais você projeta sua imaginação tem vontade própria e não correspondem às suas expectativas. E para piorar, os outros fazem o mesmo com você.

Resultado! Não há relacionamento de fato. Para haver relacionamento entre dois seres humanos é necessário dois seres humanos. Não há relacionamento quando você acredita que o outro é sua projeção imaginária sobre ele. Não tem diálogo real, só tem monólogo disfarçado de diálogo.

Chuck ama Wilson porque Wilson é ele mesmo projetado em uma bola. Se o Wilson fosse uma pessoa de verdade, com vontade, valores e crenças próprias, talvez o relacionamento deles não durasse nem um minuto.

O filme é ótimo em vários aspectos. Nessa resenha estou destacando o aspecto do relacionamento imaginário do Chuck com o Wilson. Assista ao filme e veja o exemplo. Depois decida se quer continuar ilhado em sua imaginação ou quer sair da ilha e se relacionar com o outro de verdade. Se quiser sair da ilha, comece ficando consciente de que está na ilha.

Boa prática!

© 2023 • 1FICINA • Marcelo Ferrari