Guerra contra a alteridade ideológica

09/01/2023 by in category Sem categoria with 0 and 0

Quando era criança, só existiam dois partidos: PMDB e ARENA. O PMDB era o partido de esquerda, acredita nisso? ARENA era o partido de direita, que representava os militares e que depois virou PDS. Todo domingo, antes de chegarmos no sítio dos meus avós, meu pai passava numa banca e comprava dois jornais: o Estadão, que era conservador, e a Folha, que era liberal.

Quando chegava no sítio, os adultos começavam a ler os jornais, alguém fazia um comentário irônico e as brigas ideológicas começavam. Claro que naquela época eu não fazia ideia do que era ideologia nem que esse era o motivo das brigas. Mas já adorava futebol, então, era fácil perceber que o comportamento dos adultos em relação aos dois partidos era igual no futebol, só que pior. Por que pior?

No futebol, um falava mal do time do outro, tinha rivalidade, tinha fanatismo, tinha discordância, tinha chacota, tinha ironia, tinha briga acalorada, mas não tinha tentativa de convencimento. Ninguém tinha a intenção de fazer o outro mudar de time. Na política, a briga era igual no futebol, mas a intenção era o convencimento ideológico.

Vou explicar melhor. No futebol, o objetivo era ganhar do time adversário, na política, o objetivo era arrancar a camisa do time adversário e vestir nele a camisa do seu time. Ou seja, no futebol era importante a perpetuação da alteridade — que um time não fosse o outro — na política, visava-se a morte da alteridade — um time só para todos.

Ah! Tem outra semelhança. No futebol, o campo de batalha é o gramado e a disputa se faz manipulando a bola. Na política, o campo de batalha é você e a disputa se faz manipulando sua cabeça. Claro que assim como um jogador não pode obrigar o outro a chutar a bola, ninguém pode obrigar você a acreditar no que discorda, mas se você não estiver consciente disso, mesmo sendo impossível, acontece.

© 2023 • 1FICINA • Marcelo Ferrari