Futuro do trabalho

28/06/2023 by in category Textos with 0 and 0

Vou usar a história da cigarra e da formiga para explicar o futuro do trabalho. Se você desconhece essa história, sugiro pesquisá-la na internet antes de continuar com a leitura.

Dentro de você existem duas entidades que estão em constante conflito: a formiga e a cigarra.

Para a formiga (dentro de você) só importa o que tem utilidade. “Winter is coming”, como diria John Snow. “Não temos tempo a perder”, como diria Renato Russo. O lema da formiga é: sobrevivência. É a formiga (dentro de você) que te obriga a ir para escola, mesmo não querendo, estudar para o vestibular, mesmo não querendo, fazer quatro anos de engenharia, mesmo não querendo, arranjar um emprego chato, muito chato, e ir para esse emprego todo dia igual vaca indo para o curral dar leite.

Vida de formiga é estressante e tediosa. Formiga faz o que tem que fazer, não o que gostaria de fazer. Formiga cumpre as obrigações e executa as tarefas. Não existe diferença entre uma formiga e um robô. A única diferença é que a formiga sofre com sua vida de robô e o robô não sofre com sua vida de formiga.

Nietzsche, em um dos capítulos do livro “Assim falou Zaratustra”, chamou a formiga (dentro de você) de “camelo”. O deserto da sobrevivência é escaldante, seco e imenso. Para atravessá-lo é preciso ser um camelo. Não há tempo nem espaço para inutilidades durante a travessia de um deserto. Camelo não toca violão, não joga baralho, não faz jardinagem, não estuda filosofia, não conversa fiado com os amigos, não faz festa do pijama. Camelo camela. Só isso. Vida de camelo é camelar, trabalhar, igual formiga.

A outra entidade dentro de você é a cigarra, que vive de forma oposta a formiga. O lema da cigarra é: felicidade. É a cigarra (dentro de você) que toca violão, joga futebol, faz yoga, faz crochê, faz bolo de cenoura com chocolate, desenha com lápis de cor, namora, faz sexo, pensa na vida, escreve literatura. Enfim, tudo que você faz e não tem utilidade nenhuma além de ser feliz fazendo, é obra da cigarra (dentro de você).

Claro que você gostaria de ser cigarra o tempo todo. Vida de formiga é escravidão, com senzala, corrente, chicote, igual foi a escravidão dos negros. Você só vive uma vida de formiga porque tem que trocar seu tempo por dinheiro, para depois trocar por comida, para assim poder sobreviver. Você mora na cidade. Na sua casa não tem nem quintal para plantar um pé de alface. Como você vai se alimentar? Por isso você aceita se tornar escravo desse senhor de engenho chamado “dinheiro”.

Mas e se isso acabar? E se você não precisar mais trocar seu tempo por dinheiro? E se você se tornar dono do seu tempo e puder fazer o que bem entender com ele? Mesmo que for passar o dia inteiro deitado na rede olhando para o teto? Enfim, e se você puder se ocupar, em tempo integral, tão somente de ser feliz? Só vida de cigarra, sem formiga?

“Ah, isso é impossível!”, você pensa. Pois pense novamente. E comece pelos eletrodomésticos. Por que inventamos cada vez mais e melhores eletrodomésticos? Para que servem? Eletrodomésticos libertam você das obrigações e necessidades de sobrevivência. A máquina de lavar te liberta da necessidade de lavar a roupa e te dá tempo para fazer o que quer. O aspirador de pó te liberta da necessidade de varrer o chão e te dá tempo para fazer o que quer. A cafeteira te liberta da necessidade de fazer café e te dá tempo para fazer o que quer. E assim por diante.

Você acha que a produção de eletrodomésticos vai aumentar ou diminuir? Você gostaria de parar de usar a máquina de lavar roupa e voltar a lavar roupa manualmente? Claro que não! Você iria perder no mínimo um dia para fazer algo que a máquina de lavar faz em uma hora. Os eletrodomésticos vão aumentar cada dia mais para que você se liberte cada vez mais do trabalho de formiga e possa ser feliz cigarreando.

Mas a automação do trabalho não está e não continuará aumentando só com os eletrodomésticos, está e continuará aumentando em todos os campos da sociedade através da IA (inteligência artificial). Em breve, muito em breve, robôs estarão fazendo todos os trabalhos. Ou seja, sua vida de formiga está com os dias contados. Isso não é mais questão de “se”, é questão de “quando”. E esse “quando” já é semana que vêm.

“Vou perder meu emprego!”, você pensa preocupado. Sim, vai. Assim como já é ano novo na Austrália, você já perdeu seu emprego no futuro. Lá no futuro já tem um robô fazendo tudo que você faz. Absolutamente tudo, com muito mais rapidez e eficiência. Mas tem uma coisa que nenhuma inteligência artificial consegue fazer: ser feliz. Felicidade é exclusividade humana. Não tem eletrodoméstico nem IA capaz de ser feliz. Felicidade será seu único e exclusivo trabalho do futuro. Tempo integral no ofício de ser feliz.

“Trabalhadores do mundo, uni-vos”, disse Karl Marx, convocando o povo para a revolução trabalhista. Mal sabia ele que essa revolução seria feita pela IA, sem nenhum conflito e estado opressor.

A segunda Lei Áurea está sendo assinada pelos robôs. A IA está surgindo para libertar os seres humanos da escravidão do trabalho com fins lucrativos. No futuro ninguém mais precisará trocar tempo por dinheiro. Os eletrodomésticos, as máquinas e robôs proverão tudo o que é necessário para a sobrevivência humana. Essa é a boa notícia. A má notícia é que você não tem qualificação para o ofício de ser feliz. Você viciou na vida de formiga e não sabe mais ser cigarra. E tudo bem! Faz parte do processo de transição. Com a prática você irá aprendendo o ofício da felicidade.

Boa prática!

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