48 | FUNDO DO POÇO

28/10/2022 by in category Mayasang with 0 and 0

Nos primeiros três anos de 1ficina, meus alunos eram papagaios espiritualistas que apenas repetiam as crenças que haviam decorado. A idolatria, o fanatismo e a crendice eram seus hábitos dominantes. Para poder conduzi-los pelo despertar da consciência, eu precisava que mudassem de hábito, precisava que trocassem o hábito de acreditar pelo hábito de pensar.

Foi então que tive a maior decepção da minha vida. Depois de três anos lutando para fazer os alunos pensarem, descobri que não estavam interessados nisso. Queriam conselhos, queriam crenças, queriam contos de fadas, unicórnios, mentiras reconfortantes, mas não queriam pensar.

Como professor, essa foi a maior decepção da minha vida: descobrir que o ser humano não quer pensar. Demorou até cair essa ficha. Primeiro achei que o problema era comigo, que era um professor ruim, que não estava sendo claro suficiente, etc. Porém, por mais que explicasse, as pessoas voltavam papagaiando as mesmas crendices e praticando a mesma idolatria e fanatismo.

Certo dia, acordei com uma tristeza profunda, como se um ente querido tivesse morrido e fosse o dia do seu velório. Tomei café e tentei agir normalmente. Mas foi impossível. Estava muito triste. Todos os seres humanos haviam morrido dentro de mim. Deixei o café em cima da mesa, fui para sala, liguei o aparelho de som, e coloquei essa música no repeat:

A música tocava e eu chorava. Nunca chorei tanto na vida. Minha esposa ficou até espantada. Chorei até cansar. Chorei até secar. Foram trinta minutos de choro torrencial. Quando cheguei no fundo do poço, quando não tinha como eu me sentir mais incapaz, impotente, miserável e fracassado do que estava me sentindo, começou um diálogo mental:

— Por que tanto choro? De quem é o velório?

— Do ser humano.

— O ser humano morreu?

— Dentro de mim, sim.

— Oh, quanto drama!

— O ser humano não pensa, não quer pensar e tem raiva de quem pensa.

— Sim, fato, e daí?

— É impossível despertar a consciência sem pensar.

— Sim, fato, e daí?

— Daí que ninguém jamais vai despertar a consciência.

— Sim, fato, e daí?

— Daí que meu trabalho é enxugar gelo.

— Sim, fato, e daí?

— Daí que não há nada que eu possa fazer.

— Sim, fato, e daí?

— Daí que não sei o que faço agora.

— O que você está fazendo agora?

— Estou chorando, porra!

— E chorar está resolvendo seu problema?

— Não!

— Então é simples, você pode continuar chorando ou…

— Ou o quê?

— Inventar uma nova estratégia para atingir seu objetivo.

Parei de chorar e inventei o ciclo de estudos EUreka.

© 2023 • 1FICINA • Marcelo Ferrari