— Faaaala, seu puto! — disse a voz no telefone.
— Reinaldo? É você? — respondi espantado.
— Sou eu, caraaaalho!
— Porra, mano! Você desapareceu!
— Tô morando em São Paulo, perto da sua casa. Já falei com o Jonas. Foi ele que me deu seu telefone. Vamos voltar com a banda?
Na adolescência, Reinaldo, Jonas e eu tínhamos uma banda chamada “Bicho Preguiça”. Era uma banda de rock com letras engraçadinhas, tipo Ultraje A Rigor. Eu não tinha intenção de voltar a tocar rock. Eu nem tinha mais guitarra. Havia abandonado o rock e comecei a tocar e compor músicas de MPB no violão. Mas Reinaldo e Jonas eram grandes amigos. Decidi experimentar.
Uma semana depois, estávamos ensaiando num estúdio perto do metrô Santa Cruz. Retomamos com a banda no mesmo estilo rock. Reinaldo na bateria, Jonas no baixo, e eu na guitarra e nos vocais. As letras ainda eram engraçadinhas, porém, um humor mais maduro. Acrescentamos um guitarrista solo e batizamos a banda com a expressão favorita de Reinaldo: “Seus Putos”.
A história da banda Seus Putos é a história de três grandes amigos e um agregado, um dia pretendo contá-la, mas não vem ao caso nesse livro. Então, vou contar apenas a parte relacionada com a história da criação da 1ficina.
Um dia, depois de um ensaio, notei que Jonas estava deprimido. Aquilo era incomum, pois na adolescência, ele era o animador do velório. Fiquei impressionado e quando cheguei em casa fiz essa música para ele:
Se a comida está sem sal
Se enfiou o pé na jaca
Se alguém chutou o pau da sua barraca
Se ele não foi honesto
Antes que você exploda
Control, alt, del e o resto que se foda
Deixa pra lá, meu irmão
Deixa pra lá, meu velho
Deixa pra lá, aperte o botão
Não leve tão a sério
Essa era a primeira parte da versão original. Musicalmente falando, tinha um compasso vazio, sem letra, entre uma estrofe e outra. Para ilustrar o compasso vazio vou colocá-lo entre parênteses na letra. Era assim:
Se a comida está sem sal
(compasso vazio, sem letra)
Se enfiou o pé na jaca
(compasso vazio, sem letra)
Quando fui mostrar a música para banda, toquei sozinho na guitarra com o compasso vazio, sem letra. Na segunda vez, fomos tocar juntos, com bateria e contra baixo. Na hora do compasso vazio, sem letra, Reinaldo gritou: “foooooda-se!”. E a música ficou assim:
Se a comida está sem sal
(foooda-se!)
Se enfiou o pé na jaca
(foooda-se!)
Felicidade é viver bem em qualquer circunstância, mesmo em circunstâncias infelizes. Era isso que explicava o tempo todo usando diferentes pedagogias. Então, na hora que Reinaldo gritou “fooooda-se”, tive uma EUreka pedagógica. Eu podia dizer que felicidade era ligar o foda-se para felicidade. Comecei a escrever sobre isso e, tempos depois, publiquei meu primeiro e único livro de autoconhecimento impresso em papel: “Fooooda-se! – O botão da felicidade sem esforço”.
Segue um trecho do livro:
Já acreditamos que a terra fosse o centro do universo. Essa crença se chamou Geocentrismo. Baseada nela, Ptolomeu desenvolveu um dos primeiros modelos de sistema planetário. No modelo de Ptolomeu, os planetas ao redor da terra dançavam o samba do crioulo doido, faziam zigzag, davam piruetas e escambau. Mesmo assim, Ptolomeu insistia que a terra era o centro do universo. Nicolau Copérnico, vendo o modelo de Ptolomeu, que parecia um circo de horrores, deu início ao apocalipse do geocentrismo. Copérnico se perguntou: “E se a terra não for o centro do sistema? E se colocarmos o sol no centro? O que será que acontece?”. Para o seu próprio espanto, tudo começou a se encaixar perfeitamente. As contradições do sistema geocêntrico começaram a desaparecer uma a uma. Os planetas pararam de dar cambalhotas e começaram a bailar em elipses ao redor do sol. Nosso sistema de felicidade também parece um circo de horrores. Então, pergunto: “E se a felicidade não for o centro da felicidade? Se ligarmos o foda-se no centro do sistema? O que será que acontece?”
Através da pedagogia do foda-se, busquei tratar da questão da felicidade mexendo no conceito de felicidade, propondo um tipo de felicidade que incluía o sofrimento ao invés de excluí-lo. Foi bom experimentar essa pedagogia, mas quando comecei com o trabalho da 1ficina, abandonei-a completamente. Uma coisa é ligar o foda-se dentro de si, num ato de lucidez, para se desligar do que os outros e nossos condicionamentos mentais nos impoem. Outra coisa, completamente diferente, é mandar os outros se foderem.
Durante minha experiência de guru do foda-se, notei que as pessoas não ligavam o foda-se, ligavam o vai se fuder. Não usavam o foda-se para viver em paz, mas para viver em rancor e revolta. Outro equívoco era ligar o foda-se para o desejo, negando a própria vontade, tipo “foda-se, nada importa!”. Pessoas assim, também não usavam o foda-se para viver em paz, mas para viver em apatia e depressão.
Por isso liguei o foda-se para a pedagogia do foda-se.