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Dia 13 de abril de 2010, completei quarenta anos e terminei de escrever meu primeiro e único livro de autoconhecimento publicado em papel. O livro se chamava “Foda-se: O botão da felicidade incondicional”. Mil cópias foram publicadas, vendidas e distribuídas. O livro fez bastante sucesso na bolha espiritualista em que participava.

Em pouco tempo, me tornei o centro do universo do foda-se. Tudo que aparecia sobre o assunto, memes, frases, textos, vídeos, os leitores me enviavam pela internet. Conforme esse conteúdo paralelo foi chegando, fui percebendo que o foda-se que eu estava falando não era o que estava sendo entendido.

Quem lia o foda-se com raiva, entendia como “vai se foder” e se afundava na má convivência. Quem lia o foda-se com niilismo, entendia como “nada importa” e afundava na depressão. Isso não me agradava. Não era esse o propósito do livro. Mas o livro já estava publicado e não tinha como controlar o entendimento do leitor.

Um ano depois, quando decidi sair da bolha espiritualista e criar a 1ficina, decidi também que não usaria mais a filosofia do foda-se. Dava para falar a mesma coisa usando outras palavras. Liguei o foda-se para o foda-se. Deletei a versão online do livro e nunca mais toquei no assunto.

Algum tempo depois, um escritor americano, escreveu um livro com um título semelhante, “A sutil arte de ligar o foda-se”. Foi um grande sucesso mundial. Quando fiquei sabendo, pensei, “Pronto! O foda-se ganhou um novo autor. Não há mais motivo para eu tocar nesse assunto, vou seguir meu novo caminho”.

Porém, hoje, dia 22 de novembro de 2024, 14 anos depois, resolvi ressuscitar o foda-se. E por que? Porque há sim um motivo para que volte a tocar no assunto. Aliás, dois motivos.

O primeiro motivo, é que a filosofia do foda-se, embora pareça rasa e tosca, é profunda e requintada. Isso precisa ficar evidente. Nem o livro A Sutil Arte De Ligar O Foda-se, nem nada que tenha lido sobre o assunto, conseguiu esclarecer a filosofia do foda-se.

O segundo motivo, é que sou um escritor e professor de autociência 14 anos mais experiente do que era quando abordei o tema pela primeira vez. E como a 1ficina já possuiu uma pedagogia consolidada, a filosofia do foda-se irá se encaixar dentro da pedagogia da 1ficina e isso evitará os equívocos que ainda persistem no coletivo.

Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, digo ao povo, voltei, porra! Papo reto! Sem caô! Bora escrever esse livro! E foda-se!

Sempre gostei de falar palavrão. Já ouviu aquela música “Tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda”? Acho que vem daí. O palavrão é ilegal, imoral e engorda a raiva dos conservadores. Detesto conservadorismo. Além disso, nenhuma palavrinha dá conta de expressar a amplitude de um sentimento.

Quando seu dedo mindinho chuta a quina da parede, dói muito ou dói pra caralho? Quando seu marido arranja uma amante, ele é um traidor ou é um filho da puta? Quando dá tudo errado, é ruim ou é uma merda? Quando o juiz não marca o pênalti, você diz que não gostou ou manda ele tomá no cu? Pois é, o palavrão existe porque viver é foda.

O foda-se entrou na minha história através dessa música, entre o fá sustenido e o lá maior. Por volta de 2006, eu participava de uma banda chamada “Seus Putos”. Era uma banda de amigos de infância. Um dos integrantes da banda, o baixista, andava muito estressado com a vida, cuspindo marimbondos. Para ajudá-lo a desestressar, tive a ideia de fazer uma música dizendo metade do que está dito no refrão.

“Deixa pra lá, meu irmão. Deixa pra lá, meu velho! Deixa pra lá, aperte o botão! Não leve tão a sério”. O foda-se já estava ali, na parte de apertar o botão, mas estava implícito e discreto como geralmente as coisas são em uma letra de MPB.

Quando a música ficou pronta, levei para banda tocar junto. Foi aí que fodeu tudo! Com guitarra e bateria, quando a música era tocada, ficava um buraco instrumental entre uma frase e outra. “Se a comida está sem sal… (buraco)… Se enfiou o pé na jaca… (buraco)… Se alguém chutou o pau… (buraco)… Da sua barraca.”

Tocamos a música uma vez. Todos gostaram, mas nota sete. Não foi aquela empolgação de ouvir um hit. Quando fomos tocar a música novamente, passada a introdução, quando falei a primeira frase e surgiu o primeiro buraco, o baterista gritou: “fooooooda-se!”.

Caímos na gargalhada e imediatamente a nota sete se transformou em dez. Todos os próximos buracos foram preenchidos com um “fooooooda-se” gritado a plenos pulmões, não só pelo baterista, mas por todos. A empolgação surgiu e permaneceu durante todo ensaio.

A música se tornou um hit. Era a música mais aguardada dos shows. A plateia inteira gritava foooooooda-se, até os garçons. Quando o show terminava, o público nos obrigava a tocar a música novamente, só para gritar foda-se mais uma vez e desopilar o fígado antes de voltar para suas vidas fodidas.

E foi assim que comecei a me tornar íntimo do foda-se.

Escrever uma música que fala “foda-se” é muito diferente de escrever um livro que usa a pedagogia do foda-se para explicar o bem viver. Como foi que uma coisa deu em outra? Bem, levou um tempo e surgiu também de um buraco.

Por volta de 2008, comecei a participar de um grupo espiritualista coordenado por um preto velho da pá virada chamado Joaquim. Nessa época, eu já havia lido e gostava muito dos ensinamentos de Krishnamurthi. Quando ouvi os ensinamentos de Joaquim, achei muito semelhante. E isso me espantou, porque Joaquim era um preto velho de umbanda. Mas também me atraiu. O que a umbanda tinha a ver com Krishnamurthi?

Não tinha nada a ver. Joaquim não era um preto velho, era um buda, ou era o próprio Krishnamurthi falando com voz de cebolinha. Não sei porque — quem quer que estivesse falando alí — decidiu falar com personalidade de preto velho associado a umbanda. Mas também não vem ao caso.

O fato é que Joaquim explicava sobre o foda-se. Só que ele não falava “foda-se”. Por mais que fosse um preto velho de umbanda, pé descalço, bebendo café e pitando cigarro, ele ainda tinha compostura. Então, quando estava explicando sobre o foda-se, ao invés de falar “foda-se!” ele falava “dane-se!”.

Passado uns dois anos, eu havia me tornado uma espécie de estagiário de Joaquim. Para garantir minha aprendizagem, ele me levava para assistir todas suas palestras, que geralmente aconteciam em grupos espiritualistas e centros espíritas espalhados pelo Brasil.

Como nos tornamos amigos também, Joaquim sabia que não tinha problema em falar palavrão. Então, durante suas palestras, toda vez que chegava no momento dele falar “dane-se”, ele não falava mais. Ele fazia uma pausa e apontava para mim. Eu fazia o trabalho sujo para ele, dizendo: foda-se! O povo caía na gargalhada e ele seguia com a palestra.

Devo ter falado foda-se para Joaquim uma centena de vezes. Juntando com a música, aquela sabedoria malcriada foi entrando em mim por osmose. Quando decidi escrever meu primeiro livro de autoconhecimento, para ter um ponto de partida como escritor nessa área, não tinha como escolher outro tema senão o bom e velho foooooda-se.

Foi o que fiz. E depois desfiz. E agora estou fazendo novamente. Mas enfim, contei tudo isso como introdução. A partir de agora vou me debruçar sobre o foda-se. Explicar do que se trata e como sua prática produz bem viver.

Boa leitura! Prossigamos….

Tudo que você sabe é por oposição. Você só sabe o que é bem porque é o antônimo de mal. Você só sabe o que é certo porque é o antônimo de errado. Você só sabe o que é frio porque é o antônimo de quente. E assim por diante.

Imagine que você não soubesse o que é mal, como saberia o que é bem? Imagine que você não soubesse o que é errado, como saberia o que é certo? Imagine que você não soubesse o que é quente, como saberia o que é frio?

O antagonismo é ululante. Não é preciso prová-lo a ninguém. Todo ser vivo o experimenta desde o nascimento até a morte. É assim! Mas por que é assim?

Agora te peguei, né? Você sabe que é assim, mas nunca se perguntou o motivo.

O motivo é simples: arbítrio.

Como você poderia escolher se só houvesse uma opção? Como você poderia escolher entre bem e mal se a única opção fosse o bem? Como você poderia escolher entre certo e errado se a única opção fosse o certo? De que adiantaria você ter arbítrio (capacidade de escolher) se não houvesse opções para serem escolhidas?

A dualidade é fundamental para execução do arbítrio. Está claro isso? Está totalmente claro? Está ululantemente óbvio? Espero que sim!

A seguir vamos entender o que isso tem a ver com o foda-se.

Uma tribo indígena estava preocupada com um dos rapazes da tribo que, por se sentir injustiçado, tornou-se muito agressivo. O avô do rapaz o levou para uma floresta para ver dois lobos lutando. Então, ele disse ao neto:

– Dentro de você há uma luta constante, igual à luta entre aqueles dois lobos. Um é o lobo mau: que te faz viver mal. O outro é o lobo bom: que te faz viver bem.

– Qual lobo vencerá a luta? – perguntou o neto.

– O lobo que você alimentar! – respondeu o avô.

Essa parábola é muito útil para avançarmos no entendimento do foda-se.

Arbitrar é escolher uma entre duas ou mais opções. Isso significa que em um universo de milhares de opções, quando você escolhe realizar uma, você está matando todas as outras de fome.

Em verdade, em verdade, vos digo: o arbítrio é um assassino de opções. Para deixar isso bem claro, pense em algumas possibilidades do que você pode fazer agora. Pensar em quantas opções quiser. Escolha uma opção e a realize.

Neste exato instante que você está realizando a opção escolhida, tem outra coisa acontecendo. Você não percebe, mas está acontecendo. O que é? Você está matando todas as opções que não escolheu.

Claro que você sempre pode mudar de opção, parar de realizar a opção A e começar a realizar a opção B. Isso é possível. O impossível é realizar duas opções ao mesmo tempo.

Ou você alimenta o lobo mau, ou você alimenta o lobo bom. Ou você realiza a opção A, ou você realiza a opção B. Sua decisão por realizar a opção A mata a opção B e vice-versa.

O assassinato de opções é inevitável, pois é impossível realizar duas opções ao mesmo tempo. Está claro isso? Está ululantemente óbvio? Espero que sim!

A seguir vamos entender o que isso tem a ver com o foda-se.

Quando você escolhe uma opção, você ganha tudo que está incluso na jornada daquela opção, mas perde tudo que está incluso na jornada das opções abandonadas. Observe o processo de escolha e desperte para essa obviedade.

Tem bilhões de vídeos no youtube, mas é impossível assistir dois vídeos ao mesmo tempo. Tem bilhões de músicas no spotify, mas é impossível ouvir duas músicas ao mesmo tempo.

Se você deseja caminhar por uma determinada opção, não desperdice seu tempo olhando para os lados, lamentando o que perdeu, ou o que irá perder. Caminhe inteiramente pela opção escolhida, aproveitando-a ao máximo.

Um dado tem seis lados. Para ganhar um número você precisa perder cinco. Você sempre irá perder em qualquer escolha. Não existe escolha sem perda. É impossível. Escolher é perder. Aceite esse fato. Escolha sua perda!

Vinhos que não bebi
Mares que não nadei
Músicas que não dancei
Dores que guardei

Fogueiras que não acendi
Batalhas que não lutei
Mulheres que não amei
Abraços que não dei

Festas que não fui
Árvores que não subi
Lágrimas que não chorei
Gargalhadas que não gargalhei

Livros que não li
Poemas que não escrevi
Pedras sem tropeço
Fotografias que não apareço

Vidas que não vivi
E que jamais viverei
Quando sabe-se lá porquê
Por outra eu optei

Em que tempo-espaço
Andando com dois pés
Fazendo traços
Dividindo meu desejo
Conseguirei enfim
Dando inveja a Aladim
Viver por atacado
Escolhendo por varejo?

Computadores funcionam com linguagem binária: zero e um. Mas o que é isso? Bem, um computador é basicamente uma caixa elétrica com milhões de botões que ligam e desligam. Quando um botão está ligado, é um, quando está desligado, é zero. Todos os botões ligando e desligando ao mesmo tempo, produzem a computação.

Por que estou falando disso? Porque o arbítrio também é binário. Quando você decide realizar uma opção, você está ligando a realização daquela opção. Quando você decide parar de realizar uma opção, você está desligando a realização daquela opção.

Faça um teste e comprove.

Você está lendo esse texto porque está mantendo a opção da realização da leitura ligada. Desligue a opção da leitura (decida parar de ler). O que acontece? Ligue outra opção, por exemplo: olhar para o teto. O que acontece? Desligue a opção “olhar para o teto” e ligue a opção “ouvir música”. O que acontece?

Percebe? Assim como um computador, você também está sempre ligando ou desligando realizações. Você só não percebe isso porque anda meio desligado de si, inconsciente do funcionamento do seu arbítrio.

Finalmente chegamos ao foda-se.

O que é o foda-se? O foda-se nada mais é que o arbítrio, ou seja, um botão de ligar e desligar. Por isso que a expressão “ligar o foda-se” contém o verbo “ligar”.

Só que tem um truque no processo de ligar o foda-se, um detalhe que passa desapercebido. Explico esse truque a seguir.

Arbítrio funciona igual botão de liga e desliga. Para colocar um botão na posição “ligado” você precisa retirá-lo da posição “desligado”. E para colocar um botão na posição “desligado” você precisa retirá-lo da posição “ligado”.

Sendo assim, ligar é desligar. Esse é o truque.

Toda vez que você liga algo, você desliga o oposto e vice-versa, inevitavelmente. Então, ligar o foda-se não é ligar o foda-se, é desligar o oposto.

Fazendo uma analogia, quando você desliga o barulho, o resultado é o silêncio. Parece que você ligou o silêncio. Mas silêncio não se liga, silêncio é barulho desligado.

O mesmo acontece com o foda-se. Você não liga o foda-se. Foda-se é como o silêncio. Você desliga o oposto do foda-se. O resultado desse desligamento é o foda-se.

O que nos leva a pergunta que vale um milhão de dólares, dez litros de milkshake de ovomaltine com cobertura extra, acesso direto ao nirvana e direito de sentar à direita de Deus pai: — Qual é o oposto do foda-se?

Imagine que você está em um avião a 3.000 metros de altura. Você subiu nesse avião para pular de paraquedas, mas está com medo de passar pela porta do avião. O que te impede de passar pela porta? O medo de morrer. E por que você tem medo de morrer? Primeiro porque quer permanecer vivo. Segundo porque, uma vez que passar pela porta, você não tem como controlar o resultado do seu arbítrio.

O oposto do foda-se é o controle.

É a impossibilidade de controlar o resultado do seu arbítrio que te mantém no avião. Se ao passar pela porta do avião você conseguisse controlar todo resultado subsequente, você não sentiria medo e pularia. Como isso é impossível, só tem um jeito de você pular de um avião a 3.000 metros de altura: ligando o foda-se.

Mas sendo que ligar o foda-se não é ligar, é desligar, o que você deve desligar para ter como consequência o foda-se ligado? Você deve desligar o controle.

Quanto mais você dá liberdade a si, aos outros e as circunstâncias, mais você desliga o controle. Quanto mais desliga o controle, maior a intensidade do seu foda-se.

No caso do avião, se você conseguir dar liberdade a si de realizar seu desejo de pular de paraquedas, dar liberdade ao paraquedas de não abrir e dar liberdade a lei da gravidade de te esborrachar no chão, você irá se levantar, caminhar até a porta do avião e depois pular.

Julgando pelo resultado, parece que você ligou o foda-se, mas não foi um ligamento, foi um desligamento. Você desligou o controle e o resultado foi ligar o foda-se.

Imagine que você é gay em uma sociedade machista. Você quer assumir sua sexualidade, mas morre de medo de fazer isso. O que te impede de assumir? O medo da rejeição. E por que você tem medo da rejeição? Primeiro porque quer pertencer. Segundo porque, uma vez que sair do armário, não tem como controlar o resultado do seu arbítrio.

É a impossibilidade de controlar o resultado do seu arbítrio que te mantém no armário. Se ao assumir sua sexualidade você fosse capaz de controlar todo o processo subsequente, você não sentiria medo e assumiria. Como isso é impossível, só tem um jeito de você sair do armário: ligando o foda-se.

Mas sendo que ligar o foda-se não é ligar, é desligar, o que você deve desligar em si para ter como consequência o foda-se ligado? Você deve desligar o controle.

No caso da sexualidade, se conseguir dar liberdade a si de ser gay e dar liberdade a sociedade de te rejeitar, você irá abrir o armário, caminhar até o microfone e dizer: sou gay.

Julgando pelo resultado, parece que você ligou o foda-se, mas não foi um ligamento, foi um desligamento. Você desligou o controle e o resultado foi ligar o foda-se.

Vamos estudar outro caso.

Imagine que alguém te maltrate, mas você não faz nada, só engole os sapos. Você quer devolver os sapos, mas morre de medo de fazer isso. O que está te impedindo de devolver os sapos? O medo do desafeto. E por que você tem medo do desafeto? Primeiro porque quer ser amado. Segundo porque, uma vez que devolver os sapos, não tem como controlar o resultado do seu arbítrio.

É a impossibilidade de controlar o resultado do seu arbítrio que te mantém engolindo os sapos. Se ao devolver os sapos você fosse capaz de controlar todo o processo subsequente, você não sentiria medo e devolveria. Como isso é impossível, só tem um jeito de você devolver os sapos: ligando o foda-se.

Mas sendo que ligar o foda-se não é ligar, é desligar, o que você deve desligar em si para ter como consequência o foda-se ligado? Você deve desligar o controle.

No caso dos sapos, se você conseguir dar liberdade a si de devolver os sapos e dar liberdade ao outro de te odiar, você irá colocar todos os sapos em uma caixa e despachar de volta para o remetente.

Julgando pelo resultado, parece que você ligou o foda-se, mas não foi um ligamento, foi um desligamento. Você desligou o controle e o resultado foi ligar o foda-se.

Não importa quantos casos forem estudados, todos eles irão demonstrar exatamente o mesmo: ligar o foda-se é consequência de desligar o controle.

Se você deseja viver com o foda-se ligado, pare de tentar ligar o foda-se. Não é assim que funciona. O foda-se é automaticamente ligado em você, e aumenta de intensidade, conforme você vai desligando o controle. Começa na intensidade mínima até chegar no fuck it all (foda-se total).

Certa vez, na infância, minha família foi visitar meus avós no sítio em que moravam. Quando chegamos, pela manhã, meu avô estava no pasto levando as vacas para o curral. Fui até meu avô avisá-lo da nossa chegada e vi que ele estava usando uma camiseta do Iron Maiden. Perguntei se ele sabia o que era Iron Maiden. Ele respondeu que não.

A camiseta era minha. Tinha ficado velha, então, minha mãe deu para ele usar no sítio. Caí na gargalhada. Ele sequer entendeu do que estava rindo. Ninguém cagou regra que meu avô era velho demais para usar camiseta de banda de rock. E creio que, mesmo que alguém tivesse cagado essa regra, ele cagaria para a regra, igual as vacas no pasto.

A velhice é uma segunda chance de foda-se total. Na infância, cagamos para as regras, mas por ingenuidade. Na velhice, podemos fazer o mesmo por lucidez. Sabemos que vamos morrer em breve, então, não podemos mais perder tempo sendo obedientes.

Se você ainda é jovem e deseja permanecer jovem, ao menos em espírito, não se conforme. Erre! Mije fora do vaso! Mire fora do alvo! Saia do trilho da uniformidade! Permita-se ser você, sem medo de ser feliz. Senão, ao invés de chegar na velhice cagando e andando, como as vacas, só lhe restará chorar o leite derramado.

Um alpinista estava escalando uma montanha durante a noite. De repente, escorregou e começou a cair. A corda de segurança estancou a queda. Mas ele ficou pendurado no escuro. Desesperado, quase morrendo de frio, o alpinista começou a gritar:

— Socorro! Alguém me ajude!
— Solte a corda! — disse uma voz.
— Quem está falando? — perguntou o alpinista.
— Você quer se salvar ou não?
— Sim, quero!
— Então, solte a corda.
— Isso não! Me ajuda a sair daqui!
— Estou tentando: solte a corda!
— Nem fodendo solto essa corda!
— Você quer se salvar ou não?
— Sim, quero!
— Então, solte a corda.

No dia seguinte o alpinista foi encontrado congelado e morto, agarrado a uma corda, a meio metro do chão.

O alpinista é você. O frio é você vivendo mal. A corda é o jogo do controle. Sua persistência em se manter agarrado a corda, é você persistindo em jogar o jogo do controle. Quer viver bem? Solte a corda! Desista do jogo do controle!

“Como desligar o controle?”, você me pergunta.

Eis a pergunta que vale dois milhões de dólares, vinte litros de milkshake de ovomaltine com cobertura extra, acesso direto ao nirvana-prime e direito de sentar no colo de Deus pai.

A resposta é: praticando autociência e produzindo autoconhecimento.

O controle é um hábito que você cultiva desde o nascimento, feito de muitas páginas mentais, assim como uma bíblia. Não tem como você rasgar a bíblia do controle de uma vez, você precisa rasgar página por página.

Sendo que o hábito do controle acontece em você. Mais especificamente no seu arbítrio. Você deve estudar o funcionamento do seu arbítrio toda vez que você estiver executando o controle. Quanto mais estudar, mais autoconhecimento será produzido e mais fácil será de ligar o foda-se.

Boa prática!

© 2025 • 1FICINA • Marcelo Ferrari