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A palavra “outroísmo” é uma invenção minha. Então, para que você possa entendê-la, preciso explicá-la. Mas antes de explicar o que é outroísmo, primeiro vamos entender algo sobre o processo de nomear e conceituar.
Nomear experiências comuns é fundamental para a comunicação. Quando se nomeia uma experiência abstrata, como calor, por exemplo, cria-se um conceito. Como o conceito dá concretude ao abstrato, através da nomeação e da definição, fica parecendo que o conceito cria a experiência. É justamente o oposto. A experiência vem primeiro, depois, para fins de comunicação, a experiência é nomeada e conceituada. A nomeação possibilita a comunicação.
Por exemplo, um objeto jogado para cima sempre caiu no chão, até que um dia, Issac Newton, foi estudar essa experiência e a nomeou lei da gravidade. A experiência da gravidade já existia antes de Newton nomeá-la, mas a partir da nomeação ficou possível e mais fácil conversar sobre a gravidade. Outro exemplo é a febre. A experiência da febre já existia antes de ser nomeada de febre. Alguém deu o nome de febre para febre. A partir daí ficou mais fácil se referir e conversar sobre febre.
Nomear e conceituar é muito importante, principalmente no campo da ciência. A 1ficina é uma escola de autociência, então, nos primeiros livros que escrevi para 1ficina, eu precisava explicar aspectos da experiência humana no qual ainda não haviam palavras para comunicação. Sendo que não haviam, precisei inventá-las.
Outroísmo é uma dessas palavras. Pensei em outras possibilidades. Pensei na palavra “outrocentrismo”. Usei essa palavra durante algum tempo, mas achei que “outroísmo” era uma palavra melhor e mudei de opção. Enfim, a palavra “outroísmo” é uma invenção minha, mas o comportamento ao qual a palavra se refere, não é invenção minha.
Por que inventei a palavra “outroísmo” ao invés de usar uma palavra que já existia? Acontece que a palavra mais próxima do que precisava explicar é muito mal usada e por isso, ao invés de ajudar, atrapalha. Que palavra é essa? É a palavra “egoísmo”.
No entendimento geral, o egoísmo é o culpado, é o problema. Isso é um equívoco. Egoismo não é problema. O problema é acreditar que egoísmo é o problema. Egoísmo é inevitável. Nem você, ser humano, nem qualquer outro ser no universo tem como deixar de ser egoísta.
Egoísmo é natural e universal. Todo ser é egoísta por natureza. Egoísmo é cuidar de si. O sol cuida de si. A samambaia cuida de si. A abelha cuida de si. A célula cuida de si. Todos os seres do universo são egoístas, porque o universo só sabe cuidar de si, só se importa consigo. O universo é o egoísmo absoluto. Todos os seres são o universo. Então, o egoísmo de cada ser é o egoísmo universal.
Quando um ser tenta não ser egoísta, está apenas sendo egoísta no sentido de tentar não ser egoísta. Não tem como deixar de ser egoísta. Mas por causa do significado pejorativo associado a palavra, o egoísmo recebe uma culpa que ele não tem. Isso não resolve o problema, cria o problema. Inventei a palavra “outroísmo” para resolver esse problema que não tem.
Mestre e discípulo vão almoçar juntos. O garçom traz dois bifes numa mesma travessa. Um bife é maior que o outro. O mestre pega o bife maior e coloca em seu próprio prato. O discípulo reclama:
— Seu egoísta!
— Por que diz isso? — pergunta o mestre.
— Você pegou o bife maior — diz o discípulo.
O mestre coloca o bife de volta na travessa e diz:
— Por favor, pegue você primeiro.
O discípulo pega o bife menor. O mestre diz:
— Por que você me chamou de egoísta? Olhe para nossos pratos. Eu continuo com o bife maior, que foi o que eu escolhi primeiro, você continua com o bife menor, que foi o que você escolheu primeiro.
O discípulo também queria pegar o bife maior, apenas fingiu santidade. Você faz o mesmo. É impossível não-desejar (não-egoísmo). Todo ser deseja realizar seu desejo. Altruísmo e abnegação são uma farsa. Você pode ser um egoísta franco, responsável, aberto ao diálogo e disposto a encontrar meios de conciliação dos desejos. Ou você pode ser um egoísta hipócrita, vitimista e manipulador, que reclama do outro ser o que você também é, mas finge que não. São duas opções sobre a mesa. Dois jeitos de viver. Qual você escolhe?
A palavra egoísmo é tão martirizada que é sinônimo de demônio. No começo da 1ficina, quando explicava que egoísmo é natural, o repúdio era imediato e enorme. As pessoas não tinham sequer estômago para ouvir. Logo diziam: “Você é uma pessoa esclarecida e está defendendo o egoísmo! Como pode? Você é louco!”. Era difícil aprofundar no autoconhecimento por conta do mau entendimento do egoísmo.
Em algumas tradições, o demônio é o egoísmo, em outras, usa-se a palavra “desejo”, daí, o demônio é o desejo. Egoísmo e desejo são sinônimos. Egoísmo é desejar. Você deseja seu próprio bem. Isso é natural, universal e inevitável. É impossível você deixar de desejar porque você é egoísta. Sua natureza é pulsante, desejante, egoísta.
Egoísmo é benéfico tanto para você como para os outros. Quando você cuida de si é bom para você, porque você fica bem cuidado. E é bom para todos os outros que não precisam cuidar de você, pois você mesmo está cuidando de si. Egoismo é fundamental para viver e conviver bem. Só que a palavra “egoísmo” gera repulsa por força da cultura. Esse era metade do meu problema.
Egoísmo, entendido como desejo, visa sempre o bem, mas no âmbito do comportamento, aponta para um mal: quando você impõe seu desejo ao outro ou vice-versa. Uma mesma palavra com dois significados opostos. Eu precisava resolver isso primeiro para depois esclarecer a causa do mal viver.
Como separar duas ideias distintas coladas numa mesma palavra? A solução foi criar duas novas palavras. “Outroísmo”, para apontar o mal uso do egoísmo, o tipo de uso que gera mal viver. E “autoísmo”, para apontar o bom uso do egoísmo, o tipo de uso que gera bem viver.
Uma vez separados esses dois jeitos de usar o egoísmo, deixei de utilizar a palavra “egoísmo” e passei a utilizar apenas a palavra “desejo”. É por isso que na literatura da 1ficina você não encontra a palavra egoísmo, só encontra a palavra desejo.
Então existe egoísmo mau e bom? Não, você é que usa mal seu egoísmo. Você é o usuário do seu egoismo. Você que decide como usá-lo.
Pense na energia elétrica. Não é boa nem má, é o que é: energia. Você pode usar a energia elétrica para fazer o chuveiro funcionar e tomar um banho quente, por exemplo. Mas também pode usá-la para eletrocutar alguém ou a si mesmo. A energia elétrica não se recusa a fazer nenhuma das duas coisas. A energia elétrica sequer sabe para o que está sendo usada. Consciência é atributo do usuário da energia elétrica. A energia elétrica é a coisa que está sendo usada, não é o usuário.
O mesmo acontece com o desejo (egoísmo). Desejo é eletricidade, impulso, vontade. Seu desejo é a força que possibilita você se manifestar. Como você se manifesta, de que forma, de que jeito, é responsabilidade sua, usuário do desejo. Seu desejo não tem consciência, não sabe o que é bem e mal, certo e errado, melhor e pior. Quem sabe disso é você. Por isso não existe egoísmo do mal e sim egoísmo mal usado.
Tem várias maneiras de definir outroísmo, pois outroísmo tem vários aspectos. Vamos começar pela seguinte: Outroísmo é um jeito de viver.
Você está sempre vivendo. É só isso que você faz: viver. Não tem uma segunda coisa para você fazer. Conte a si mesmo tudo que você faz e ficará evidente que tudo é você vivendo. Isso passa despercebido porque você nomeia seu viver com vários verbos: acordar, andar, estudar, trabalhar, namorar, almoçar, descansar, ir, voltar, etc. Só que todos esses verbos são um verbo só: viver.
Outroísmo é um jeito de você fazer essa única coisa que você tem para fazer: viver.
Mas se é um jeito de viver, logo, não é o único. Significa que deve existir outro jeito de viver. Sim, existem dois jeitos de você viver.
(A) Você pode viver de um jeito OUTROísta.
(B) Você pode viver de um jeito AUTOísta.
AUTOísmo é o jeito de viver em que você vive sendo você.
Outroísmo é o jeito de viver em que você vive sendo outro.
Você pode viver sendo você mesmo, único, singular. Mas você pode se proibir de viver sendo você mesmo. Se você não está sendo você, está sendo outro, por isso seu viver é OUTROísta. Vamos supor que você goste de fazer piada, dar risada, falar palavrão, mas você se obrigue a ser formal. Você tentando ser formal é você tentando ser outro, é você vivendo outroísta.
Viver outroísta é viver mal porque você não funciona bem sendo outro.
Viver autoísta é viver bem porque você funciona bem sendo você.
O natural é você viver sendo você. Isso deveria ser sempre, deveria ser regra e não exceção. Mas na prática a teoria é outra: o que é natural não acontece. Na prática você vive sendo outro. Você vive sendo seus pais, seus amigos, seus professores, sua sociedade, o comercial de cerveja, o partido político, a religião, a moda, etc.
O que acontece que impede o natural de acontecer? A resposta é simples: o que impede o natural é o cultural. Você virou outro porque você foi educado para ser outro. A experiência humana é COM educação.
Vou trocar a palavra “educação” por “aprendizagem”. O que é aprender? Aprender é imitar até decorar. Lembra do caderno de caligrafia da escola? O que você fazia no caderno de caligrafia? Você praticava imitar as letras do alfabeto. Educar é propor um gabarito a ser imitado. Aprender é decorar um gabarito.
Quando você pensa em educação, você pensa só em escola, mas educação é o tempo todo. Na escola você é educado em gabaritos técnicos, como português, matemática, ciências, etc. Educação escolar é um tipo específico de educação, mas a partir do momento em que você nasce, você recebe gabaritos sem parar, de todos com quem convive. Quando sua mãe te disse, “coma de boca fechada”, por exemplo, ela estava te dando o gabarito dela para você imitar.
Que gabarito você imitou para se ensinar a ser você? O seu próprio? Claro que não! Você imitou todos os gabaritos que lhe deram, menos o seu. Você imitou o gabarito do seu pai, da sua mãe, da sua irmã, do seu professor, dos seus colegas, da sua sociedade, da sua igreja, do comercial de margarina, dos filmes de hollywood.
Assim como você aprendeu português imitando o som dos outros, você aprendeu a viver imitando os comportamentos, valores, crenças e gostos dos outros. O que o outro dizia que era certo e bom, você imitava. O que o outro dizia que era errado, pecado e proibido, você imitava. Você se ensinou a ser você imitando o gabarito dos outros.
A cobra do jardim do éden, depois de persuadir Adão e Eva, caiu dentro do rio que fornecia água ao jardim. Toda a água ficou envenenada. Sem perceber, os bichos e as plantas do jardim começaram a beber a água. Eles não morriam, mas esqueciam de si.
O urubu tentou miar, a roseira tentou dar manga, o gato tentou latir, a vaca tentou voar, a grama tentou ficar azul, o peixe tentou subir na árvore, a aranha tentou fazer mel, o jacaré tentou mugir, a galinha tentou botar leite, o gambá tentou ter cheiro de jasmim e o camelo tentou passar pelo buraco de uma agulha.
Em pouco tempo, todos no jardim já haviam contraído a loucura. Menos um bicho estranho chamado Você, que morava em si e bebia água da própria fonte. Quando os outros bichos perceberam que Você se comportava diferente, ficaram convencidos de que Você estava louco e que deveriam matá-lo. Para sobreviver, Você foi até o rio e bebeu a água envenenada.
E foi assim que Você esqueceu de si e passou a tentar ser Outro.
Quando você nasce, você não sabe de nada. Você não tem a menor ideia de que você está em uma brincadeira de autorrealização e que você tem seu próprio gabarito. E pior! Seus educadores também não sabem disso. E eles também foram educados por outros que também não sabiam disso. E assim por diante.
O processo de educação é de pai para filho, nunca de filho para pai. Quando você nasceu, não foi você que falou para os seus pais: “Oi! Meu nome é fulano, eu sou seu filho!”. O que aconteceu foi o oposto. Você nasceu e seus pais lhe ensinaram que seu nome é Fulano.
Ensinaram muitas outras coisas. Seus pais lhe deram muitos gabaritos. Desde então, você imita e reproduz esses gabaritos para viver, assim como reproduz as letras do caderno de caligrafia para escrever.
Ninguém tem interesse que você seja você. Seu pai quer que você seja outro. Sua mãe quer que você seja outro. Sua esposa quer que você seja outro. Seu marido quer que você seja outro. Seus filhos querem que você seja outro. Seus amigos querem que você seja outro. Seus professores querem que você seja outro. A sociedade quer que você seja outro. O padre quer que você seja outro. E mais! Segundo a bíblia, até Deus quer que você seja outro.
Ora, se até o criador do universo quer que você seja outro: quem é você para ser você? De onde vem essa arrogância suprema de cagar para as expectativas e o recalque alheio? Que egoísmo escancarado, fedido e mesquinho é esse de ser autêntico? É acreditando nessas certezas e duvidando de si que você opta pela uniformidade e vive sendo outro.
Cada gabarito que você recebeu do outro é como um programa de computador que diz que você TEM QUE SER isso, TEM QUE SER aquilo, etc. Se você é homem, por exemplo, você começou a chorar, daí sua mãe lhe disse: “Pare de chorar moleque, homem não chora!”. Sua mãe nem sabe o que fez, mas nesse momento te programou com o gabarito dela. E pior! Muito provavelmente nem era dela, era o gabarito da mãe dela. E nem era da sua avó, era da sua bisavó. E nem era da sua bisavó… Mas enfim, sua mãe te gabaritou que homem não chora, você introjetou esse gabarito, imitou, imitou, imitou, até virar um piloto automático. Por isso você quer chorar, precisa chorar, mas o piloto automático não deixa.
Você não nasceu falando um idioma, você aprendeu. Você também não nasceu outroísta, você aprendeu. E aprendeu tão bem que se tornou uma competência subconsciente. Competência subconsciente é execução automática, por hábito. Falar português é uma competência subconsciente explícita, outroísmo é uma competência subconsciente implícita.
Como desliga competência subconsciente? Não desliga. Nem precisa. Competência subconsciente é uma fantástica ferramenta mental. É por causa dela que você faz coisas complexas com facilidade. Competência subconsciente só causa problema quando você desenvolve um automatismo (hábito) em algo que é prejudicial a você. Viver de forma outroísta é um desses casos.
Por isso, não importa o tanto que você queira viver bem, enquanto sua crença no outroísmo for uma competência subconsciente, sua própria competência subconsciente lhe fará retornar repetidas vezes ao mal viver. Esta é a má notícia. A boa notícia é que se foi você que se ensinou a viver de forma outroísta, você também pode se ensinar a viver de forma autoísta.
Imagine que você é dono de uma fábrica. Cabe a você ensinar seus funcionários como eles devem funcionar para que sua fábrica produza o tipo de produto que você deseja. Você ensina. Seus funcionários aprendem. E sua fábrica se torna uma produtora automática do produto que você deseja.
Agora, imagine que você tenha herdado essa fábrica e que o produto atual que sua fábrica está produzindo não é o tipo de produto que você deseja. O que você deve fazer para que a produção da sua fábrica mude do produto atual para o produto desejado?
Sendo que o produto atual vem do tipo de produção herdada. Sendo que o tipo de produção herdada vem do tipo de funcionamento dos funcionários herdados. Sendo que você é o novo dono. Para mudar a produção você deve mudar o funcionamento dos funcionários herdados. Como? Ensinando seus funcionários a funcionar no novo funcionamento.
A fábrica é você, os funcionários é o subconsciente, o funcionamento atual dos seus funcionários é o outroísmo. Por isso você vive mal. Mas você é eterno novo herdeiro de si mesmo. Viver é herdar-se de si mesmo. Então, cada novo instante é uma nova oportunidade de você se ensinar uma nova forma de viver e assim produzir um novo produto.
Você se compara com o outro, com um gabarito alheio e surge em você a crença na imperfeição. Por isso você vive tentando ser outro. Mas não há nada de errado com você a não ser sua crença na imperfeição. Você não é imperfeito, você é ÍMPARfeito. Seu nariz é ÍMPARfeito. Sua genética é ÍMPARfeita. Seu desejo é ÍMPARfeito. Seu medo é ÍMPARfeito. Seu amor é ÍMPARfeito. Seu jeito é ÍMPARfeito. Você é ÍMPARfeito porque a natureza do universo é a universalidade: um diferente de um (1≠1).
O universo disse “Faça-se!” e o patinho foi ÍMPARfeito.
— Que patinho defeituoso!
— Defeituoso é pouco!
— Olha como anda errado!
— Ele vai nos estragar também!
E todo dia o patinho era maltratado. Então, cansado de ser maltratado, o patinho resolveu ir embora do mundo. Depois de muito caminhar, chegou em um lago. Ao aproximar-se do lago, viu uma imagem na água. Sem entender que era seu reflexo, começou a conversar com a imagem na água.
— Por que sofro tanto?
— Boa pergunta, por que está sofrendo?
— Porque sou imperfeito.
— Quem disse?
— Todos dizem! O mundo diz!
— E você acredita?
— Claro que acredito.
— Por que acredita?
— Porque todos dizem.
— E como você gostaria de ser?
— Gostaria de ser perfeito.
— Perfeito como?
— Perfeito igual os outros.
— Mas cada um é diferente!
— Sim, é verdade!
— E por que quer ser igual os outros?
— Para que me aceitem.
— Ninguém te aceita?
— Não como sou, imperfeito.
— Quer ser perfeito para ser aceito?
— Sim, quero ser aceito.
— Eu te aceito!
— Você me aceita como sou?
— Exatamente como é.
— Aceita minhas imperfeições?
— Sim, são suas imperfeições que te fazem ser você.
— Nossa! É verdade!
— Você é além de perfeito!
— Como assim?
— Você é ímpar feito.
— É verdade! Meu sofrimento até passou!
— E não precisa voltar mais.
— Grato por me aceitar.
— O prazer é todo meu.
— Posso te abraçar?
— Claro, aproxime-se.
O patinho foi se aproximando até mergulhar em si mesmo. Quando voltou à superfície, estava ÍMPARfeito.
É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar. É tentando preencher o vazio que você bloqueia a si mesmo. “Eu tenho que isso! Eu tenho que aquilo!”. O que você chama de vazio é você cheio de medo de ser autêntico. Vazio é o fruto da sua busca pelo pote de ouro no final do arco íris, ou seja, pela perfeição.
Não existe perfeição. Tudo no universo é único, singular, impar_feito. Perfeição é um equívoco. É a suposição que você deve viver de acordo com algum padrão alheio. Isso é impossível. Se fosse possível você já teria conseguido.
A solução não é preencher o vazio com algo artificial, mas retirar o que está bloqueando o natural. Um tratamento médico não produz saúde, apenas retira o que está bloqueando a saúde. Retirado o bloqueio, a saúde volta naturalmente.
Saúde é natural. Impar_feição é natural. Sua crença na perfeição é o bloqueio. Quando você desperta e percebe a insanidade que é tentar ser perfeito, você imediatamente para de tentar e se permite ser você (impar_feito).
Despertar para impar_feição é você se curando do equívoco da perfeição. Quanto mais você se cura, mais evidente fica que vazio não é vazio, é você cheio de autonegação.
A sabedoria necessária para você viver bem vem de fábrica. Não há necessidade de educação. Para você viver bem, basta você viver sendo fruto da sua própria semente, produto da sua própria individualidade, pé de você. O que acontece é que isso não acontece.
Você vive como uma laranjeira que dá manga, morango, kiwi, tomate, pepino, presunto, tofu, doritos, coca cola, fanta uva, suflair, gasolina, tudo, menos laranja.
Você vive sendo outro. E por que?
Porque você foi educado pelo outro. E qual é o problema nisso? O problema é que o outro é incapaz de saber por você e vice-versa. Então, como o outro pode lhe ensinar a viver bem sendo que o outro é incapaz de saber o que é bem para você?
Bem e mal não é igual para todos, é igualmente diferente, é relativo a unicidade de cada um. Por mais bem intencionados que fossem seus educadores, eles não tinham como lhe ensinar a viver bem. O fracasso deles era inevitável. Você vivendo mal é a prova viva disso.
Por que continuar? De que outra prova você precisa para deixar de viver de acordo com o bem que aprendeu e passar a viver de acordo com o que lhe faz bem?
Outroísmo é sua competência subconsciente atual. Para você viver autoísta, é necessário que você se reensine a viver. Como você pode fazer isto? Mostrando o óbvio para si mesmo. Que óbvio? Que um é diferente de um (1≠1). Que você é diferente do outro e que o outro é diferente de você. Toda vez que você deixa isso evidente para si mesmo, você está se desensinando a viver outroísta e se ensinando a viver autoísta.
Certa vez, na infância, minha família foi visitar meus avós no sítio em que moravam. Quando chegamos, pela manhã, meu avô estava no pasto levando as vacas para o curral. Fui até meu avô avisá-lo da nossa chegada e vi que ele estava usando uma camiseta do Iron Maiden. Perguntei se ele sabia o que era Iron Maiden. Ele respondeu que não.
A camiseta era minha. Tinha ficado velha, então, minha mãe deu para ele usar no sítio. Caí na gargalhada. Ele sequer entendeu do que estava rindo. Ninguém cagou regra que meu avô era velho demais para usar camiseta de banda de rock. E creio que, mesmo que alguém tivesse cagado essa regra, ele cagaria para a regra, igual as vacas no pasto.
A velhice é uma segunda chance de foda-se total. Na infância, cagamos para as regras, mas por ingenuidade. Na velhice, podemos fazer o mesmo por lucidez. Sabemos que vamos morrer em breve, então, não podemos mais perder tempo sendo obedientes.
Se você ainda é jovem e deseja permanecer jovem, ao menos em espírito, não se conforme. Erre! Mije fora do vaso! Mire fora do alvo! Saia do trilho da uniformidade! Permita-se ser você, sem medo de ser feliz. Senão, ao invés de chegar na velhice cagando e andando, como as vacas, só lhe restará chorar o leite derramado.
Você não tem como saber que está vivendo autoísta, mas pode sentir. Felicidade e sofrimento servem por isso. Por exemplo, você calça 37, mas acredita que deve usar sapato 35. Você compra um sapato 35. Dói o pé. O dedão fica roxo. Para que tanta dor? Para você ficar consciente que 35 não é o numero ideal para você. E qual é o numero ideal para você? Você precisa tentar novamente, optar novamente pelo que acredita ser o ideal.
Você acredita que é 36. Compra um sapato 36. Dói menos. O dedão passa de roxo para azul marinho. Mas ainda dói. Por que ainda dói? Para você ficar consciente que 36 ainda não é o numero ideal para você. E qual é o numero ideal? Você precisa tentar novamente, optar novamente pelo que acredita ser ideal. Você opta por 37. Compra um sapato 37. Ah! Que maravilha. Que felicidade! O dedão fica rosinha, normal, relaxado dentro do sapato. Seu pé atingiu a iluminação. É o pé-raíso! Claro que é 37! Óbvio que é 37! Evidente que é 37! Eureka! Eu_sou_37
Laranjeira não tem arbítrio. Não existe, no caso da laranjeira, a possibilidade de autonegação. A laranjeira está condenada a dar laranja, não pode dar jaca, nem jabuticaba, nem goiaba, nem tomate. Laranjeira dá laranja e pronto! Você é um ser humano, você tem liberdade de optar: livre-arbítrio. Então, você pode se proibir de ser você.
Livre-arbítrio é incorruptível. Isso tem um lado bom, mas também tem um lado ruim. Nada nem ninguém é capaz de te impedir de viver em autonegação. Mesmo que todos os seres do universo se juntem para te impedir, ainda assim, você é livre para continuar vivendo em autonegação. O universo é absolutamente impotente perante seu arbítrio.
Absolutamente impotente! Entende o tamanho do seu poder??? Quer mais empoderamento que isso??? Não existe! Você é o ser mais empoderado do universo. E por um lado, isso é ótimo, pois nada pode te impedir de viver bem, mas, por outro lado, nada pode te impedir de viver mal.
Então, livre-arbítrio: benção ou maldição?
Resumindo e finalizando:
O que é outroísmo?
— É um jeito de viver.
Que jeito é esse?
— Quando você vive sendo outro.
Por que você faz isso?
— Porque você foi educado pelo outro.
Você pode mudar isso?
— Sim, você pode.
Como mudar isso?
— Praticando autociência e ficando consciente do seu outroísmo.
Sim, você é altruísta porque isso te faz bem. Egoísmo é desejar o próprio bem. Logo, altruísmo é egoísmo assim como todo e qualquer desejo.
Para fazer essa distinção você precisa estar consciente sobre o que é outroísmo e como o outroísmo funciona. E quando digo ficar consciente, não me refiro a estudar intensamente os livros da 1ficina, me refiro a observar intensamente o próprio outroísmo. Quanto mais você observa seu outroísmo, mais consciente fica dele e mais fácil fica você perceber quando ele surge disfarçado de bondade, empatia e misericórdia.
Tudo que é existencial não é opcional. Observe sua vontade. Você tem a opção de não querer? Não me refiro a não querer isso ou daquilo, me refiro a não-querer, não ter vontade. Não tem. Por que não tem? Porque sua vontade é existencial, logo, não é opcional.
Uma atitude, seja qual for, é efeito da sua opção entre viver autoísta ou viver outroísta.
Gabarito é uma metáfora unicidade. Sua unicidade não se forma, sua unicidade é existencial.
Cuidado para não confundir imposição com interferência. A realização do seu desejo irá interferir na realidade do outro inevitavelmente. Tudo que você faz interfere na realidade do outro. E tudo que você não faz também interfere na realidade do outro. Impor seu desejo ao outro é obrigar o outro a desejar igual você.
Comparação em si não é outroísmo. A comparação em si é um processo mental natural e inevitável. O processo mental da comparação acontece para que você possa diferenciar características dos objetos observados. Outroísmo acontece quando você se obriga a ser igual ao objeto ao qual está se comparando. Quando se obriga a ser igual ao outro, ou quandoobriga o outro a ser igual a você.
Desejo não, mas como você lida com o desejo, sim. Outroísmo não é desejo, é como você lida com o desejo. Outroísmo é farinha, as diferentes neuroses são diferentes bolos, parecem diferentes, mas são todas feitas da mesma coisa: outroísmo.
Não, pois aprender é imitar.
Sim, o reino animal é exemplo disso.
É mais do que possível! Só pessoas autoístas consegue viver bem em sociedade. As sociedades humanas sempre foram, e ainda são locais de má convivência, porque as pessoas são outroístas e não porque são autoístas. Se todas as pessoas do mundo fossem autoísta, a convivência humana seria maravilhosa.
Dois autoístas convivendo é o melhor dos mundos. Dois autoístas conversam, entendem o desejo um do outro e juntos constroem uma convivência em que o desejo de ambos são realizados. O problema da boa convivência é quando as partes são outroístas e uma quer impor sua vontade ao outro, daí a boa convivência fica impossível.
É mais do que possível. Só duas pessoas autoístas são amigas de verdade.
Não, pois educação é outroísmo. Toda educação é o outro lhe programando para viver dentro de um sistema de crenças que não é o seu.
Sim, é convivência autoísta.
Ignorância e outroísmo estão ligados, mas não são o mesmo. Ignorância é o estado consciencial que leva um indivíduo a viver de forma outroísta.
Exato! Seu comportamento é desdobramento da sua opção entre viver autoísta ou viver outroísta. Toda opção de comportamento no cardápio outroísta, é viver outroísta. Toda opção de comportamento no cardápio autoísta, é viver autoísta.
E qual é o gabarito que vai servir de base para todos seguirem? O seu?
Para você se afastar do outro o outro precisa existir, não é? Como você poderia se afastar de alguém que não existe? Impossível. Ou seja, se afastar também é você se relacionando com o outro. É uma qualidade diferente de relacionamento, mas também é relacionamento. Dito isso, você decide a qualidade do seu relacionamento. Isso é opcional. Não se relacionar é impossível. O jogo é de relacionamento.
Bem viver, não, mas a vida boa, sim. Aliás, se você quer vida boa, viva de forma outroísta. Quando você mente, por exemplo, isso lhe favorece. A verdade lhe desfavorece. Só que ao mentir, você está se condenando a viver uma vida de fingimento e isso é viver mal.
Porque você não suporta a dor da rejeição. Seu viver autoísta desagrada o outro e o outro te rejeita. Para evitar a rejeição do outro, você opta pelo viver outroísta.
É uma palavra que ninguém sabe usar, pois não sabe do que está falando quando usa.
Prático desde que nasci e vou praticar até morrer.
Lembra do filme Uma Mente Brilhante? Lembra que mesmo quando o John Nash entendeu que as pessoas que ele via eram imaginárias, ele continuou vendo essas pessoas? O mesmo acontece com o viver autoísta, você continua experimentando seu outroísmo, essa opção continua presente, mas você está lucido, então, apenas não opta mais.
Por que estou participando de uma experiência coletiva e o resultado da minha opção não depende só do meu arbítrio, depende do arbítrio coletivo. Eu opto só pelo que quero experimentar, igual você. Isso só depende de mim, o resultado, não.
Dito isso, você está confundindo bem viver com vida boa. Viver bem não é vida boa, viver bem é lidar bem com a vida, seja vida boa, seja vida ruim.
Você quer matar uma barata e mata, você está vivendo autoísta?
Pelo contrário, é estar em paz consigo e com todos. No viver autoísta, você se permite viver sendo você, isso é viver em paz consigo. Quando você vive em paz consigo, você entende como é ruim se obrigar a ser outro e para de fazer isso com o outro. Você para de tentar mudar os outro, você permite que o outro seja outro e convive em paz com o outro. Fim da guerra.
Você não precisa e nem deve abrir mão da sua vontade em prol da boa convivência. Se você abre mão da sua vontade, você vive mal. Quando você vive mal, a boa convivência fica impossível para você. Como você pode proporcionar ao outro um bem viver quando você mesmo está vivendo mal? Impossível! Então, primeiro você precisa viver bem, para depois poder conviver bem. Sempre nessa ordem, nunca o contrário.
Porém, isso não significa que você não possa e não deva colaborar com o outro. Sim, você pode e deve. Por exemplo, você quer tomar banho, outra pessoa na sua casa também quer tomar banho. Só tem um banheiro na casa. A coisa mais inteligente que vocês dois podem fazer é colaborar um com o outro. Conversar e decidir quem toma banho primeiro e quem toma banho depois.
Sem colaboração, o que terá é competição, um prejudicando o outro para ter seu desejo satisfeito. Você sai correndo e entra no banheiro. A outra pessoa desliga a eletricidade e diz que se você não sair ela não liga de volta. Você fica lá dentro e diz que se ela não ligar você não sai. E assim fica. Ninguém toma banho. Ninguém realiza o desejo por falta de colaboração.
Se vocês colaboram um com o outro, um toma banho rápido, sai, entra o outro e pronto! Ambos tomam banho. Ambos realizam o desejo, sem precisar abrir mão. Então, nem você nem ninguém precisa abrir mão do seu desejo em prol da boa convivência. Mas precisa sim aprender a considerar o desejo dos outros, conversar e encontrar maneiras de convivência em que todos realizem seus desejos.
Controlar o outro não é desejo, é estratégia. Você tem vontade de algo e para realizar esse algo você usa a estratégia de controlar o outro. Por exemplo, você quer beber água. Ao invés de levantar a bunda da cadeira e ir até o filtro, você começa. “Fulano! Ooooô fulano! Pega um copo d’água pra mim”. O fulano não pega. Você tenta controlá-lo para ele realizar seu desejo. Você diz, por exemplo: “Nossa! Pensei que eramos amigos. Pensei que nossa amizade tinha algum valor. Nem um copo d’água você consegue pegar para mim. Credo! Rapidinho! Pega lá!”. Percebe? Você não quer controlar o outro, você quer beber água. O controle é a estratégia que você está usando para realizar seu desejo.
Estudo do ser humano no aspecto existencial, psicológico, pessoal e social.
Aula do ciclo de estudos de autociência – EUreka 2021