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Prefácio

Prefácio

Já tive que explicar tantas vezes sobre as duas perguntas que me convenci que ninguém ainda se deu conta delas e muito menos das implicações de não se dar conta. Se suas relações, seja com marido, esposa, mãe, pai, filho, irmão, patrão, amigo, colega, etc, estão um inferno, é porque você ainda não se fez as duas perguntas. Não são perguntas geniais, pelo contrário, são óbvias, porém, uma vez que você as fizer a si mesmo e ao outro, estará se convidando e convidando o outro a tomar consciência de dois fatos fundamentais da experiência humana. E quais são as duas perguntas? Descubra a seguir.

Primeira pergunta

Primeira pergunta

VOCÊ LÊ PENSAMENTO?

Cristina estacionou o carro. Eles desceram e começaram a caminhar pelo parque. Há dois meses Beto estava adiando o início do namoro.

— Antes de começarmos, Cristina, — disse Beto — quero te fazer duas perguntas e conversar sobre elas. São perguntas que podem evitar grande parte dos problemas que ocorrem nos relacionamentos, não apenas entre homens e mulheres, mas em geral. São perguntas que você deve fazer para mim, sempre que me esquecer delas, e que vou fazer para você, sempre que você se esquecer. Mas principalmente, são perguntas que devemos fazer a nós mesmos, sempre que possível.
— Pode perguntar o que você quiser.
— Você lê pensamento?
— Como?!!!
— Você lê pensamento, Cristina?
— Não!
— Nem eu! Sabe o que isto significa?
— Que somos humanos? — ela disse.
— Isso! Só que tem outras implicações por trás desta impossibilidade.
— Que tipo de implicações?
— Você sabe o que estou pensando agora?
— Em sexo?
— Aqui no parque, não.
— Então, não sei.
— Mas estou pensando agora.
— Eu não leio pensamento.
— Quer saber?
— Sim.
— Então, entra na minha cabeça.
— Como?
— Como você pode entrar na minha cabeça, no meu pensamento, no meu mundo interno? Qual é a porta?
— Não sei.
— O que você pode fazer para saber o que estou pensando agora?
— Posso te perguntar.
— Experimenta para ver se funciona.
— No que você está pensando?
— Água de coco.

Eles vão até uma barraca e compram dois cocos verdes.

— Vou sempre perguntar o que você pensa, sente, deseja, teme, acredita, etc. Senão, ao invés de me relacionar com você, vou estar me relacionando comigo mesmo, com minhas suposições sobre você.
— Não entendi.
— Por exemplo, pelo que pude observar, suponho que você gosta de andar de mãos dadas comigo. Posso supor muitas outras coisas, mas não significa que minhas suposições são realmente o que você pensa, sente, deseja, teme, acredita, etc.
— Concordo. Você não tem como adivinhar o que se passa comigo a não ser que eu lhe conte. Não posso adivinhar sobre você, tanto que errei na água de coco.
— Muitas brigas de relacionamento acontecem porque os briguentos supõem coisas um ao outro e depois discordam um do outro. Mas o outro nunca concordou, era tudo suposição.
— Por que fazemos isso?
— Você vai descobrir o porquê na segunda pergunta. Antes disto, vamos refletir sobre o desejo, que é o ponto onde a suposição é mais falha.
— Vamos lá!
— Vamos supor que você não goste de algo que faço. Por exemplo, vamos supor que você não goste que te chame de “Cris”. Só que eu não sei disto. Aliás, acredito que você goste. Então, se não te perguntar sobre seu gosto e desejo, e se você deseja que eu te chame de “Cristina”, o que você pode fazer?
— Devo te fazer a primeira pergunta?
— Isso mesmo! Só que não para mim, mas perguntar para si mesma.
— Como assim?
— Converse com você mesma assim: “Eu leio pensamento? Não. Ele lê pensamento? Não. Então, por que estou querendo que ele adivinhe meu desejo?”. Isso fará você lembrar que para o outro tomar consciência do seu desejo é preciso que…
— Eu conte meu desejo ao outro!
— Isso! Ninguém é adivinho! E consciência é particular. Então, se você não faz sua parte, que é expressar seu desejo, não tem como o outro satisfazer um desejo que desconhece.
— Entendi.
— Parece besteira, mas essa simples reflexão evita milhares de problemas de relacionamento. Imagine se todos os pais do mundo se dessem ao luxo de perguntarem aos seus filhos o que eles desejam e gostam. Essa simples abertura ao diálogo já evitaria muito equívoco, briga, rancor, raiva e até suicídio.
— É verdade.
— Então, sempre que você estiver brava, chateada, decepcionada porque não estou adivinhando seu desejo, vou te fazer a pergunta: “Você lê pensamento?”. Depois vou te dizer: “Nem eu!”. Não vou fazer isso para te irritar mais, vou fazer isso para você perceber que a origem do seu sofrimento está em você, na sua suposição de que tenho uma habilidade que não tenho: ler pensamentos e adivinhar desejos.
— Se não te conto, você não adivinha.
— Por isso pretendo sempre te contar o que quero e não quero, o que espero e não espero. Se você fizer o mesmo comigo, no mínimo, vamos ter um relacionamento verdadeiro. O resto resolveremos com a prática da segunda pergunta.
— Gostei. Vamos praticar sim. Qual é a segunda pergunta?

Segunda pergunta

Segunda pergunta

VOCÊ É LIVRE?

Beto convida Cristina para ir ao playground. Eles se aproximam da gangorra. Beto senta de um lado, Cristina senta do outro, e com a diferença de peso, Cristina sobe aos céus e Beto desce ao chão.

— Cristina, por que você subiu e eu desci?
— Você é mais pesado do que eu.
— O que é nosso peso?
— São características do nosso corpo.
— Você consegue mudar meu peso?
— Não.
— Você consegue mudar seu peso?
— Também não.
— Nem eu!
— Esta é a segunda pergunta?
— É metade da segunda pergunta, é um pedaço dela. A segunda pergunta é: Você é livre?
— Sou!
— Você é livre para mudar seu peso?
— Neste caso, não.
— Você é livre para mudar meu peso?
— Neste caso, também não.
— Então, o que está te segurando aí?
— Nossas características individuais.
— Nossa relação não depende só do nosso desejo, depende de nossas características individuais. Por mais que eu queira subir e você descer, não adianta, nossas características individuais não permitem.
— Então, não somos livres?
— Em relação às nossas características individuais, não. Essa liberdade não temos.
— Então, a segunda pergunta é para tomarmos consciência que não podemos mudar nossas características individuais, nem as consequências delas nos relacionamentos?
— Exato! A experiência humana é um brinquedo e quem determina grande parte do nosso funcionamento dentro do brinquedo é a natureza do brinquedo e nossas características individuais.
— Entendi. Mas em que entender isso ajuda nos relacionamentos?
— Por exemplo, você é mulher e eu sou homem, não é?
— Sim, temos características físicas e psicológicas distintas, é isso?
— Exato! E se esqueço que você não é livre para mudar suas características individuais e desejo que mude, o que acontece?
— Você vai ficar frustrado.
— Muito pior! Vou fazer da sua vida um inferno até que você se transforme no meu ideal. E vou fazer um inferno da minha vida também, porque tentar realizar o impossível só gera estresse.
— Daí eu te faço a pergunta?
— Sim, por favor, senão só vamos alimentar estresse desnecessário. Quando eu me esquecer, você me lembra, quando você se esquecer, eu te lembro.
— Combinado. Mas você disse que isso era só metade da segunda pergunta.
— Isso mesmo!
— Qual é a outra metade?
— Você quer descer na gangorra?
— Sim.
— Problema seu!
— Sem graça!
— Lembra que você me perguntou porque não fazemos a primeira pergunta? O motivo é que não temos maturidade para ouvir a resposta, então, não fazemos a primeira pergunta.
— Como assim?
— Você tem obrigação de realizar meu desejo?
— Não! Obrigação eu não tenho.
— Nem eu tenho obrigação de realizar o seu. Por isto disse “problema seu”. Seu desejo de descer na gangorra é seu, não é meu, logo, o problema é seu.
— Mas se você não colaborar com meu desejo, como vou descer?
— Usando sua liberdade de realizar seu desejo. Sua liberdade é sua. Minha liberdade é minha. Você é livre. Eu também.
— Mas tenho que aceitar sua liberdade de não colaborar comigo?
— Não. Você não “tem que” aceitar minha liberdade, você é livre para aceitar ou não. Mas se minha liberdade é minha, o que mais você pode fazer?
— Posso me mover na gangorra e alterar nosso equilíbrio.
— Ótimo! Isso é você usando sua liberdade de realizar seu desejo, não é?
— Sim, mas e se não funcionar, é justo meu desejo perder do seu?
— Mesmo quando não funciona, você continua tendo liberdade de tentar outra opção, e outra, e outra. Sua liberdade de optar nunca acaba.
— Minha liberdade nunca acaba?!!
— Nunca, pois não optar também é uma opção.
— Sensacional!
— Sensacional mesmo! Mas ainda não acabou. Tem um outro aspecto na brincadeira da liberdade.
— Qual é?
— Dizer não é dizer sim.
— Como assim?
— Quando lhe digo “não”, não estou indo contra a realização do seu desejo, estou indo a favor da realização do meu. Meu desejo não é ganhar do seu desejo, meu desejo é realizar o meu desejo. Dizer não é dizer sim para mim.

Beto dá um impulso alterando o equilíbrio da gangorra. Seu lado sobe e o lado de Cristina desce. Vice-versa. Versa-vice. E assim por diante. Eles ficam brincando de liberdade.

— A pergunta “Você é livre?” tem dois propósitos, — Cristina diz — um é nos lembrar de uma liberdade que não temos, mas acreditamos ter, outro é nos fazer lembrar de uma liberdade que temos, mas esquecemos que temos?
— Isso mesmo! — Beto responde.
— Acabaram-se as perguntas?
— Tem mais uma.
— Pode fazer.
— Quer brincar de liberdade comigo?
— Sim! — Cristina responde.
— Eu também. — Beto responde.

Palavra não comunica

Palavra não comunica

O que você diz não é o que o outro escuta. E vice-versa. O significado das palavras não vem das palavras. Significado é um acidente de trânsito dentro da cabeça, surge da colisão entre as palavras e o conteúdo mental. Sendo que cada cabeça é um universo, eis o alicerce da torre de babel. Você produz palavras, emite sons, digita letras e só. Emitir palavras não é comunicação. Palavra não tem significado em si. É assim que funciona. E não tem como evitar de ser assim. Por isso, comunicação é impossível. Comunicação só é possível quando você entende que é impossível. Quando você está ciente que cada um tem um dicionário diferente dentro da cabeça, você pode, durante uma conversa, buscar entender o que o outro quer dizer com o que está dizendo. Essa simples atitude revoluciona a qualidade da comunicação e da convivência.

Convivência de polícia e bandido

Convivência de polícia e bandido

Houve um tempo em que você podia plantar qualquer planta no quintal da sua casa. Daí, a sociedade criou uma lei para proibir a plantação de maconha. Desse momento em diante plantar maconha se tornou um crime. Se você plantar maconha no seu quintal, será considerado criminoso e será punido. Tem países em que essa lei não existe, logo, esse crime não existe.

É a lei que cria o crime e não o contrário. O mesmo acontece com o errado. É o certo que cria o errado e não o contrário. Tudo é o que é, nem certo, nem errado, até que alguém crie uma lei, ou seja, um certo. Daí, por contraposição, surge o errado. Por exemplo, o lugar onde uma toalha está é apenas o lugar onde a toalha está. Daí, alguém cria uma lei de que o lugar certo da toalha é pendurada no banheiro. Pronto! Imediatamente se torna errado deixar a toalha em cima da cama, se torna um crime. Se você deixar a toalha em cima da cama, você se torna um criminoso merecedor de punição.

É por isso que as pessoas te punem, fazendo cara feia, xingando, dando bronca, puxando sua orelha, te cancelando, ou mesmo te batendo. Você é um criminoso. Você pode não saber qual é o seu crime, o que fez de errado, mas as pessoas que estão te punindo sabem. O mesmo acontece quando você pune os outros. Toda vez que alguém desrespeita suas leis, essa pessoa se torna uma criminosa. Todo criminoso é merecedor da sua punição. Por isso você também pune os outros.

Você vive policiando e punindo os outros por conta dessas leis pessoais dentro de você. O outro faz o mesmo. Como uma convivência assim, de polícia e bandido, pode ser boa? Não pode! Mas o problema não é ter leis pessoais. O problema é ignorar que essas leis pessoais são pessoais, ou seja, que estão dentro de cada um e não escritas na pedra. Até que a sociedade decida colocar na constituição que o lugar certo da toalha é pendurada no banheiro, ninguém tem como saber que existe essa lei, nem que colocar a toalha em cima da cama é um crime.

Seres humanos convivem sob o equívoco de que suas leis pessoais são de conhecimento de todos e obrigatória para todos. Não são! Você não sabe quais são as leis pessoais dos outros e, mesmo que soubesse, não tem obrigação de segui-las. O outro não sabe quais são suas leis pessoais e, mesmo que soubesse, não tem obrigação de segui-las. Através do diálogo vocês podem descobrir e, ao invés de conviverem como polícia e bandido, conviverem como seres humanos com critérios diferentes.

Troque a suposição pela comunicação

Troque a suposição pela comunicação

Um motorista vinha dirigindo por uma estrada vazia no meio da noite. De repente, o pneu furou. O motorista parou o carro e foi pegar o macaco no porta malas para trocar o pneu, mas não encontrou. Não tinha macaco no carro. Ele olhou para o horizonte e viu a luz de uma casa acesa. Pensou que naquela casa podia morar alguém que tivesse um carro e pudesse lhe emprestar o macaco. O motorista começou a andar rumo a casa com a luz acesa.

No caminho, começou a pensar no dono da casa. Talvez fosse uma pessoa desconfiada. Talvez fosse pensar que ele era um ladrão. Talvez não acreditasse na história do pneu furado e do macaco. E o motorista começou a brigar mentalmente com o dono da casa: “Eu não sou ladrão, não estou mentindo! O pneu do meu carro furou de verdade! Olha meu carro lá! Não tenho macaco! Está de noite! Ninguém para ajudar! Como que você me julga assim?… blábláblá…”.

Quando o motorista bateu na porta, o dono da casa veio atender. Assim que ele abriu a porta, o motorista disse: “Escuta aqui seu filho da puta! Não sou ladrão porra nenhuma! Vim pedir seu macaco emprestado. Mas quer saber? Enfia o macaco no cu!”

Está rindo do motorista? E se lhe disser que você é o motorista e todas as pessoas com quem convive são o dono da casa, vai continuar rindo ou vai começar a chorar?

A única certeza que você pode ter sobre o outro é que você não tem como saber pelo outro. E o único jeito de saber é através da comunicação. Então, se quer conviver bem, não suponha o que o outro está sentindo, pensando e querendo: pergunte.

Troque a suposição pela comunicação.

Ninguém se entende

Ninguém se entende

Por que você quer ser entendido? Já se perguntou sobre isso? Muitas pessoas vão a psicólogos e pagam caro só para ter alguém que as escute e as entenda. Quando você está triste, você quer compartilhar sua tristeza, você quer ser entendido em sua tristeza. Quando você está feliz, você quer compartilhar sua felicidade, você quer ser entendido em sua felicidade. Por que? Qual é o desejo por trás do desejo de ser entendido.

O desejo por ser entendido é o desejo de existir para o outro. Você existe para si mesmo sem necessidade de comunicação ou compartilhamento, mas para o outro, você só existe através da comunicação e do compartilhamento, pois para o outro, você é feito de conhecimento. Quem é Elvis Presley para você? Do que ele é feito? Elvis Presley é feito de tudo que você conhece sobre Elvis Presley, as fotografias, os filmes, as músicas, as entrevistas e livros que você leu sobre ele, etc. Delete tudo isso. Quem é Elvis Presley? Você não sabe. Se não sabe, não existe. Minha mãe era jovem no auge da fama dos Beatles e durante a ditadura militar no Brasil, mas, para ela, os Beatles não existiam e a ditadura militar não aconteceu. Ela morava em um sítio isolada da comunicação com as notícias da época.

É através da comunicação que você existe dentro do outro. É através da comunicação que o outro existe dentro de você. Por isso você quer se comunicar com o outro e ser entendido. Você quer existir dentro do outro. Quanto mais o outro te conhece, mais você existe dentro do outro. Quanto mais você existe dentro do outro, melhor a convivência, pois não é possível conviver bem com o desconhecido, nem é possível sentir empatia pelo desconhecido.

Empatia é a capacidade humana de compreender o sentimento e o comportamento do outro imaginando-se nas mesmas circunstâncias. Ou seja, empatia é a capacidade humana de se colocar no lugar do outro. Empatia é uma capacidade humana. Nenhum outro ser que conhecemos é capaz de ser empático. Mas por que só o ser humano tem empatia? Simples, porque só o ser humano tem imaginação. É impossível se colocar de fato no lugar do outro, mas através da imaginação conseguimos tal feito. Através da imaginação nos colocamos imaginariamente no lugar do outro. Ao fazermos isso, sentimos o mesmo que o outro está sentindo, mesmo sem estarmos de fato sentindo o que o outro está sentindo.

Você já chorou lendo um livro ou vendo um filme? Que emoção e sentimento tem em um livro e em um filme? Absolutamente nenhuma. Um livro é apenas um amontoado de letras e um filme é apenas um amontoado de imagens. Todas as emoções e sentimentos que você experimenta durante a leitura de um livro ou assistindo um filme são produzidas em você através da sua empatia com as informações recebidas. Durante a leitura de um livro ou quando está assistindo um filme, você se imagina no lugar dos personagens e por isso se emociona como se você fosse o personagem e estivesse vivenciando a experiência que o personagem está vivenciando.

Resumindo, para que a empatia aconteça, é necessário que você simule o ponto de vista do outro dentro de si. É isso que acontece quando você está lendo um livro, ou assistindo um filme, ou conversando com os outros. É aí que entra a importância fundamental da comunicação para boa convivência. Deixe-me enfatizar o “fundamental”. A comunicação é mais do que importante para boa convivência, é fundamental. Vou explicar porque.

Para poder ter o ponto de vista do outro, você precisa entrar dentro do ponto de vista do outro. Só que isso é impossível. Ninguém consegue entrar dentro do ponto de vista do outro. Isso é da natureza da individualidade, cada indivíduo é um ponto de vista. Mas tem um jeito de você entrar no ponto de vista do outro mesmo sendo impossível fazer isso de fato. Sabe como? Através do diálogo. Eis porque a comunicação, o diálogo e a conversa são fundamentais para uma boa convivência. Sem diálogo não é possível conhecer o outro e entrar dentro do ponto de vista do outro. Sem conhecer o outro, não é possível ter empatia, ou seja, se colocar no lugar do outro. Sem empatia não é possível boa convivência.

Mas de nada adianta tentar entender o outro sem entender a si mesmo primeiro. Quando você não se entende, quando não entende o que está acontecendo com você, como você pode entender o que está acontecendo com o outro? Como você vai entender a aflição do outro, se você não entende a sua aflição? Como você vai entender a angústia do outro se você não entende a sua angústia? Como você vai entender o medo do outro se você não entende o seu medo? Como você vai entender o sofrimento do outro se você não entende o seu sofrimento? Como você vai entender a alegria do outro se você não entende a sua alegria?

A causa da má convivência humana é que ninguém se entende. Somos seres ignorantes de nós mesmos. Não nos conhecemos e não nos entendemos, por isso, mesmo quando dialogamos com os outros, não entendemos os outros. Então, mais fundamental do que conhecer e entender o outro, é conhecer e entender a si mesmo. Autoconhecimento primeiro, senão, mesmo havendo diálogo, não há entendimento, sem entendimento não há empatia, sem empatia não há boa convivência.

PERGUNTAS

Como lidar bem com o ataque dos outros?

Como lidar bem com o ataque dos outros?

Desenvolvendo orelhas de elefante. Explico. Ninguém ataca por nada. O outro sempre tem um motivo para te atacar. Mesmo que o motivo for um delírio da cabeça dele, é um motivo. Quando o outro estiver te atacando, amplie suas orelhas até ficar do tamanho das orelhas dos elefantes e assim você conseguirá ouvir o motivo por trás dos ataques que está recebendo. Desenvolver orelhas de elefantes é uma metáfora para dizer que você deve ampliar sua empatia e sua capacidade de ouvir os outros sem resistência moral e sem vingança. Transforme suas pequenas orelhas de mosquito, que não escutam nada, em orelhas de elefante, que escutam tudo. Quanto mais executar essa prática, mais você irá lidar bem com o ataque dos outros.

Concessão é uma negação à minha unicidade?

Concessão é uma negação à minha unicidade?

Depende da sua intenção. Por exemplo, você quer usar o banheiro e seu namorado também. Para resolver o impasse, você concede permissão ao seu namorado de usar primeiro. Sua concessão gera boa convivência, pois enquanto o impasse não é resolvido, nem você nem seu namorado realiza o desejo de usar o banheiro, e quanto mais rapidamente o impasse é resolvido, melhor para você, pois mais rapidamente você pode usar o banheiro. Esse tipo de concessão é inteligência e autoísmo. Agora, se você concede permissão ao seu namorado de usar o banheiro primeiro para controlá-lo, por exemplo, para controlar a opinião dele sobre você, para que ele pense que você é uma pessoa boa e abnegada, etc. Daí é autonegação sim e irá gerar má convivência.

Devo assumir toda a culpa?

Devo assumir toda a culpa?

Você é culpado pelas suas opções. Os outros são culpados pelas opções deles. Nunca convivência, todos são culpados, mas cada um com sua parcela. Assuma sua parte da culpa e deixe com os outros a parte deles.

Do que estou me curando quando comunico minha dor e o agressor não se importa?

Do que estou me curando quando comunico minha dor e o agressor não se importa?

Sua doença (equívoco) é acreditar que o outro lê pensamento. Então, quando você comunica sua dor ao seu agressor, você está se curando do equívoco de que o outro lê pensamento. Pode ser que o outro não se importe com sua dor, mas pelo menos ele estará ciente de como o comportamento dele está afetando você.

Eu falo, mas o outro não me escuta. Onde estou errando?

Eu falo, mas o outro não me escuta. Onde estou errando?

Um cientista arrancou uma das patas de uma aranha e disse: “Anda aranha!”. A aranha andou. O cientista pegou seu bloco de notas e escreveu: “Aranha com sete patas anda”. Depois ele arrancou mais uma pata da aranha e repetiu: “Anda aranha!”. A aranha andou. O cientista pegou seu bloco de notas e escreveu: “Aranha com seis patas anda”. E assim o cientista foi arrancando uma a uma as patas da aranha. Até a aranha ficar com uma pata só. “Anda aranha!”, disse o cientista. A aranha começou a se arrastar e andou. O cientista pegou seu bloco de notas e escreveu: “Aranha com uma pata anda”. Por fim, o cientista arrancou a última pata da aranha. “Anda aranha!”, disse o cientista. E nada da aranha andar. “Anda aranha!”, ele repetiu. A aranha não andou. Ele começou a gritar: “Aaaanda araaaanha! Aaaanda araaaanha!”. A aranha não andou nem um milímetro. O cientista pegou seu bloco de notas e escreveu: “Aranha sem patas é surda”.

Comunicação é meio. A finalidade da comunicação depende de você. Você pode usar a comunicação para comunicar (expor) ou para controlar (impor). Assim como o cientista da piada está equivocado em relação à aranha, você vive equivocado em relação ao outro. O outro não é surdo, o outro é outro, diferente de você e livre para optar pelo melhor para si. Seu erro é acreditar que o outro te deve obediência.

Impor limites pode ser necessário e positivo?

Impor limites pode ser necessário e positivo?

A melhor forma de convivência é aquela produzida através do diálogo e do acordo. Traçar limites na convivência é fundamental para que um não ultrapasse o limite do outro, mas um limite não precisa ser imposto com punição, pode ser conversado e combinado. O combinado não é caro, nem imposto.

O outro enxerga as coisas da mesma forma que eu diferente?

O outro enxerga as coisas da mesma forma que eu diferente?

A realidade sensorial (física) é semelhante para todos os seres humanos, pois todos estão usando a mesma interface humana para interação. A prova disso é que, caso contrário, seria impossível a comunicação humana.

O outro pode me acessar de alguma maneira?

O outro pode me acessar de alguma maneira?

Não, é impossível. Cada um só tem acesso a si. Porém, existe a possibilidade da comunicação. Através de palavras, mesmo sem termos acesso uns aos outros, podemos simular uma espécie de acesso ao outro. Comunicação é acesso de fato, é uma estratégia falha e ruidosa, mas é melhor que nada.

O que devo fazer quando sofro uma violência?

O que devo fazer quando sofro uma violência?

Quem enfia a faca não sente a dor; por isso, é importante gritar quando dói, ou seja, falar sobre a violência recebida para quem lhe violentou. Senão, o outro não tem como tomar consciência do efeito do seu ato e, consequentemente, não tem como mudar de comportamento. Geralmente é impossível e improdutivo falar no momento. O outro está de cabeça quente, você também está de cabeça quente e não tem comunicação de fato. Qualquer palavra é como jogar gasolina no fogo. Espere a tempestade passar para que o barco da comunicação possa navegar com eficiência. Quando o outro estiver receptivo, abra seu coração e comunique sua dor para ele, sem medo de ser feliz. Se o outro estiver interessado em melhorar a qualidade da convivência, irá lhe entender e pedir desculpas. Se não tiver interesse nisso, irá enfiar outra faca no seu coração aberto. Vai doer em dobro. Mas tudo bem! Toda vez que você expressa seu sentimento, você está diretamente se curando e, indiretamente, curando o outro e sua coletividade inteira.

Qual é a diferença entre vivência e convivência?

Qual é a diferença entre vivência e convivência?

Ser humano é como ter um carro. Estudar a vivência é estudar o carburador, o freio, o pedal, etc, ou seja, estudar a vivência é quando você estuda o seu funcionamento. Convivência é o trânsito. Estudar a convivência é estudar o relacionamento entre os carros, ou seja, é quando você estuda seus relacionamentos com os outros seres humanos.

Quando o outro não quer conversa. O que faço?

Quando o outro não quer conversa. O que faço?

Você tem livre arbítrio, você pode fazer o que bem entender. Você pode fazer pipoca com k-suco. Você pode viajar a pé até o Afeganistão. Você pode tentar enxugar gelo. Você pode aprender a tocar violão, piano, flauta doce, etc. Enfim, você pode fazer o que bem entender. Agora, se sua pergunta for “O que posso fazer para conviver bem com o outro?”. Você pode e deve abandonar o jogo do controle e jogar o jogo da liberdade.

Tentar convencer o outro a dialogar é ser impositivo?

Tentar convencer o outro a dialogar é ser impositivo?

Depende do que você chama de “convencer”. A tortura, por exemplo, é uma estratégia de convencimento. O torturador violenta o torturado com o propósito de convencê-lo a dialogar sobre o que ele não quer. No caso de violência física, como a tortura, é explícito que o convencimento é uma imposição. Mas você pode usar a violência psicológica também. Quando você fica aporrinhando o outro dia e noite para convencê-lo a conversar, também é tortura e imposição. Quando você ameaça o outro para convencê-lo a conversar, também é imposição. Enfim, sempre que você força o outro a conversar, é imposição. Isso não significa que explicar para o outro os benefícios do diálogo seja imposição. Explicar ao outro os benefícios de uma opção é dar ao outro a oportunidade de mudar de opção. Contudo, no caso do diálogo, o outro precisa estar disposto a ouvir sua explicação sobre os benefícios do diálogo, caso não esteja, se você forçá-lo a ouvir, estará impondo e irá gerar má convivência.

Uma pessoa sempre me fala que em um relacionamento as pessoas são culpadas 50%. Eu digo que cada um é culpado 100%. O que você acha?

Uma pessoa sempre me fala que em um relacionamento as pessoas são culpadas 50%. Eu digo que cada um é culpado 100%. O que você acha?

Talvez você e a outra pessoa estejam falando a mesma coisa de jeitos diferentes. Você é 100% culpado pelo que você opta. O outro é 100% culpado que ele opta. Então, quando você e o outro se relacionam, sendo que você é 50% do relacionamento e o outro é 50%, está correto dizer que cada um é 50% culpado pela produção do relacionamento.

AULAS

FRASES

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