Destruidora do sistema

07/08/2021 by in category Textos tagged as , , , with 0 and 0

O ser humano é um animal que pensa e que não gosta de pensar que é um animal. Então, para disfarçar sua inegável animalidade, veste terno e gravata, caga na privada, come com garfo e faca, limpa a boca no guardanapo e cria um complexo sistema de convivência chamado sociedade.

Viver seguindo um sistema social é a solução que os seres humanos encontraram para se manterem afastados da selva e, principalmente, da selvageria. Contudo, para que essa solução funcione, é necessário que todos os sócios da sociedade sigam as regras do sistema social, caso contrário, o sistema quebra.

A desobediência não é bem vinda em sistema nenhum. Um desobediente do sistema computacional é considerado um bug e deve ser corrigido ou eliminado. Um desobediente de um sistema orgânico (corpo) é considerado um câncer e deve ser corrigido ou eliminado. Um desobediente de um sistema social é considerado um criminoso e deve ser corrigido ou eliminado.

Eis porque a protagonista do filme System Crasher é considerada uma System Crasher (destruidora do sistema). Benni é uma criança desobediente, que não se adequa às regras do sistema social e que se comporta de forma animalesca. Beni é um animal como todo ser humano, porém, não é um animal dócil nem domesticável. Benni berra e morde quando é contrariada ou se sente atacada. O sistema social alemão tenta domesticar Benni, mas sua animalidade é mais forte do que sua sociabilidade, não há coleira capaz de lhe prender.

O drama de socialização de Benni é o drama de todo ser humano, é o drama da liberdade. Você também não gosta de obedecer regras sociais. Ninguém gosta. O que todo indivíduo quer é fazer o que quer, livremente, sem obediência as regras sociais. Mas se vivermos livremente, assim como vivem os animais selvagens, vamos acabar matando uns aos outros, assim como os animais selvagens. Entendemos isso e preferimos seguir as regras sociais. Não vemos outra saída. Melhor a coleira que a morte.

Beni encontrou uma segunda saída abrindo a porta do aeroporto. Mas tem uma terceira saída, que não exclui nem a animalidade, nem a socialização, que inclui ambas. A terceira saída é entrar em si e descobrir como funciona o desejo, a frustração do desejo, as emoções, os sentimentos, a imaginação, as crenças, as atribuições de valores, etc. A terceira saída é descobrir como funciona a natureza humana e se tornar capaz de usá-la com maestria. Aí sim é system crasher.

© 2023 • 1FICINA • Marcelo Ferrari