Lourenço, o protagonista do filme O Cheiro Do Ralo, ganha a vida comprando e vendendo coisas usadas. Cada cliente que chega em seu estabelecimento coloca uma coisa em cima da sua mesa e conta uma história para valorizar o produto. Só que a história da coisa não está na coisa. Tem uma cena em que Lourenço deixa isso explícito. Um cliente chega com uma caixinha de música e conta que era da falecida mãe e que ela usava a música para fazer ele dormir. Lourenço pega uma caneta e diz ironicamente: “Escreva a história da sua caixinha nesse papel que coloco dentro e vai virar caixinha com historinha”.
Lourenço não faz isso para explicar o funcionamento do sistema significativo humano, mas é isso que ele está fazendo. Coisas são só coisas. Tudo que você vê de significado em uma coisa, não está na coisa, está em você. Não é visão, é projeção da memória.
Olhe para um objeto, qualquer um. O que você está vendo? Você está vendo o objeto, só isso, nada além disso. Isso é visão. Quando você nomeia o objeto, não é mais visão, é projeção da memória. Vamos supor que o objeto observado seja uma caneta. Cadê a “caneta” no objeto? O objeto tem características, é cilíndrico, comprido, pontudo, etc. Mas cadê a característica “caneta” no objeto? Não existe. Por que não? Porque caneta é o nome do objeto e nome não é visão é projeção da memória.
Assim como os clientes do Lourenço, você também tem uma historinha para tudo que vê. Tudo, tudo, tudo. Absolutamente tudo. E assim como os clientes do Lourenço, você também não percebe que essas historinhas não estão nos objetos, que são projeções da sua memória.
Como evitar a projeção da memória? Impossível. A projeção da memória acontece subconscientemente, logo, automaticamente. O que você pode fazer é ficar consciente da projeção da memória acontecendo. Isso, sim, é possível e muito benéfico, pois evita conflitos de convivência.
As coisas têm o valor que a memória dos indivíduos diz que tem. Por isso que a caixinha de música vale muito para o cliente e não vale nada para o Lourenço. A memória do cliente está projetando a mãe amada na caixinha, a memória do Lorenzo está projetando o caminhão de gás. Cada ser humano tem uma memória diferente, logo, ninguém projeta o mesmo significado nas coisas. Somos 8 bilhões de seres humanos no planeta, então, são oito bilhões de significados divergentes para cada objeto.
Mas até aí, tudo bem. É assim mesmo que funciona, não tem como as projeções de memória serem iguais e o fato de serem divergentes não é problema nenhum. O problema é a ignorância desse funcionamento. Quando você ignora que o significado que você está vendo nas coisas não estão nas coisas, está em você, que é uma projeção da sua memória, você vive mal e convive mal porque parte da premissa equivocada de que o seu significado pessoal está no objeto e é absoluto.
O mau cheiro não está no ralo, está em você. O ralo é o ralo. O cheiro é o cheiro. Mau é significado projetado pelo observador. Você vive mal e convive mal porque parte da premissa equivocada de que todos os seres do universo estão vendo no objeto o mesmo significado que sua memória está projetando sobre ele. Memória é pessoal. Logo, significado é sempre pessoal, nunca absoluto.
Por fim, coisas são só coisas, mas funcionam como espelhos quando você vivencia conscientemente o processo de significação acontecendo. Quanto mais você faz isso, mais autoconhecimento pessoal você produz. Quanto mais autoconhecimento, mais você vive bem.