— Eu sou cabeça dura e você é cabeça dura. Somos iguais nisso. Mas eu sou cabeça dura de um tipo e você é de outro tipo. É por isso que eu não reclamo de você, mas você reclama de mim — eu disse.
— Quer dizer que tem dois tipos de cabeça dura? Quais são os dois tipos? — perguntou o rapaz.
— Cabeça dura democrática e cabeça dura caga-regra — eu respondi.
— O que é caga-regra — ele perguntou.
— Cagar regra é uma gíria que significa dizer ao outro o que é certo e errado para o outro — eu disse.
— Qual o problema nisso? — o rapaz perguntou.
— O problema é que você não tem competência em saber o que é certo e errado para o outro, pois o outro é outro, diferente de você — respondi.
— Mas se é certo é certo, se é errado é errado! — ele disse.
— Para você é certo colocar açúcar no café? — eu perguntei.
— Sim, é certo — ele respondeu.
— E para um diabético, é certo colocar açúcar no café? — eu perguntei.
— Não! É errado — ele respondeu.
— Certo e errado não é absoluto, é relativo, é particular. O que serve para você, pode não servir para o outro, o que faz bem para você, pode fazer mal para o outro, o que é importante para você, pode ser irrelevante para o outro, e vice-versa — eu disse.
— Eu sei disso!— disse o rapaz.
— Se soubesse, não reclamava da minha cabeça dura — eu disse.
— Eu reclamo porque você é cabeça dura! — o rapaz disse.
— Sim, mas você também é cabeça dura e eu não reclamo. Por que você reclama da minha cabeça dura e eu não reclamo da sua? — eu disse.
— Já falei! Me responda você!— disse o rapaz.
— Porque eu sou cabeça dura democrático e você é cabeça dura caga-regra. Para mim, cada um é livre para acreditar diferente, gostar diferente, dar valor diferente. Você é o oposto, quer que todos acreditem igual você, gostem igual você e valorizem o mesmo que você. Quando você reclama da minha cabeça dura, na verdade, você está querendo dizer: Ferrari, seja cabeça mole e pense igual a mim! Quando eu penso diferente, você me chama de cabeça dura como estratégia para amolecer minha cabeça— eu disse.
— Discordo!— disse o rapaz.
— Ótimo! Não precisa concordar comigo, seja cabeça dura, pense no assunto com sua própria cabeça. Se fizer isso, você verá que é verdade: você é caga-regra — eu disse.