Certa vez, durante uma reunião de sangha, uma pessoa veio conversar comigo.
— Eu amo meus pais!
— Sim e qual é o problema nisso? — perguntei.
A pessoa começou a chorar. Quando recuperou o fôlego, me disse:
— Não consigo me desapegar deles!
E voltou a chorar.
— E por que você quer se desapegar dos seus pais? — perguntei.
— Por que apego é ruim, gera sofrimento.
— Sofrendo você já está! — eu disse.
— Sofro porque sou apegada aos meus pais, mas não consigo me desapegar.
— A presença dos seus pais te faz feliz? — perguntei.
— Sim, muito.
— Sua presença faz seus pais felizes?
— Sim, nós nos amamos.
— Então, qual é o problema?
— O problema é que não consigo me desapegar deles. Se você puder me ajudar, eu agradeço.
— Não posso! — eu disse.
— Por que não pode?
— Porque desapego é impossível.
— Como impossível? Todos os mestres falam que é preciso se desapegar.
— Sim e daí?
— Todos os livros falam que é preciso se desapegar.
— Você está dizendo que é impossível se desapegar.
— Sim, estou.
— Com base em que?
— No óbvio.
A pessoa fez cara de quem comeu e não gostou e foi embora. Anos depois, encontrei a pessoa com a mesma angústia, apegada a mesma crença do desapego.
Maneiras – Zeca Pagodinho