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Durante muito tempo você recebeu explicações de que você não é só humano. Muitas escolas, muitas religiões, muitas tradições espirituais, muitos mestres e gurus te explicaram isso. Foram usadas diferentes linguagens para te dar essa explicação, mas todas apontavam para o mesmo fato: você não é só humano.

Viver é jogar um jogo que tem por objetivo o autoconhecimento. Todo jogo tem fases. Até aqui você estava na fase da espiritualidade teórica. Nessa fase, sua prática de autoconhecimento foi acreditar. Te explicaram que você é um espírito, que você tem um eu superior, que você é atman, que você é uma centelha divina, que você tem uma alma metafísica, etc. Você ouviu, decorou e acreditou.

Até aqui sua espiritualidade foi emprestada. Você não sabe de si por si, apenas acredita nas explicações que recebeu. E mesmo que sejam explicações corretas, para você, são teorias, não é autoconhecimento de fato, prático, empírico.

E mais! Espírito para você é imaginação. Você imagina que você-espírito é um eu luminoso que vive no além. Ou que você-espírito é um fantasma dentro do seu corpo. Ou outra imaginação, mas é imaginação, não é autoconsciência.

Você diz que é um espírito, um ser, uma alma, uma consciência, uma mônoda, etc, mas você não sabe o que é isso que você diz ser. Você apenas acredita. Você é crente. Você é igual uma pessoa comprando água engarrafada na beira do rio. Ao invés de ir direto em si e beber autoconhecimento da própria fonte, você vai no outro e compra espiritualidade engarrafada.

E todo dia tem uma garrafa de espiritualidade com rótulo diferente para você comprar. Quando o rótulo religioso para de vender, mudam o rótulo para espiritual. E você compra mais espiritualidade engarrafada. Quando rótulo espiritual para de vender, mudam o rótulo para quântico. E você compra mais espiritualidade engarrafada.

Autociência é o fim da fase teórica da espiritualidade. A fase teórica não é espiritualidade de fato, mas tem a função de conduzir você até a fase empírica. Vou criar uma imagem que ilustra isso.

No começo da sua jornada espiritual, você sente como se estivesse viajando de BMW por uma estrada luxuosa, de mão dupla, com três pistas e super sinalizada.

Depois de algum tempo de viagem, a estrada de três pistas fica só com duas. As placas de sinalização começam a diminuir.

Passado mais um tempo de viagem, a estrada de pista dupla se transforma em uma rodovia de uma pista só. As placas de sinalização diminuem mais ainda.

Passado mais um tempo de viagem, a estrada de asfalto se transforma em uma estrada de terra. Não dá mais para seguir de BMW, você precisa viajar de fusca. As sinalizações são mínimas.

Passado mais um tempo de viagem, a estrada de terra se transforma em uma trilha estreita no mato. As sinalizações são raras. Nem carro passa na trilha. Você precisa ir a cavalo.

Por fim, a trilha acaba na beira de uma floresta densa e escura. Não tem mais sinalização. Não tem mais carro, nem cavalo. Só tem você e seus pés para caminhar no mais absoluto desconhecido.

Espiritualidade teórica é essa estrada super luxuosa e super sinalizada que você usa para chegar até a beira do mais absoluto desconhecido. Esse absoluto desconhecido é a espiritualidade empírica.

Autociência é o fim da estrada. Se você for capaz de deixar a espiritualidade teórica para trás e praticar autociência, cada passo que der, você estará produzindo espiritualidade empírica.

Você pode sair da espiritualidade teórica e entrar na espiritualidade empírica. Você pode saber de si por si, sem linguagem, sem teoria. Afinal, você não é uma teoria.

Para entrar na espiritualidade empírica é simples, basta você se tornar um praticante de autociência. Autociência é para quem quer sair da espiritualidade teórica e despertar a consciência, para quem quer trocar o acreditar pelo saber.

Através da auto-observação.

Custa sua decisão de praticar auto-observação.

Fica em todo lugar que você estiver.

Auto-observação é uma prática que acontece em paralelo com sua vida, o tempo todo, não precisa de um tempo reservado. Auto-observação é igual enxergar. Você não precisa reservar um tempo da sua vida para enxergar, você enxerga em paralelo com tudo que faz.

Seja lá o que você estiver fazendo, em paralelo, faça auto-observação também. De manhã, ao invés de apenas se levantar da cama, ir ao banheiro, sentar na privada e cagar. Se levante da cama, vá ao banheiro, sente na privada e cague em auto-observação. Ao invés de apenas trocar de roupa, troque de roupa em auto-observação. Ao invés de apenas passar o dia no escritório, passe o dia no escritório em auto-observação.

Ao invés de apenas viver, assista sua vida enquanto está vivendo. Esteja presente no seu presente. Quem olhar para você de fora, vai ver você vivendo sua vida e só isso. Mas você estará fazendo mais do que apenas vivendo sua vida, estará assistindo sua vida. Estará assistindo o que está fazendo e o que está pensando e sentindo enquanto faz.

Isso é praticar autociência. Isso é ser um autocientista. Quanto mais você pratica auto-observação, mais você desperta a consciência, e mais produz autoconhecimento empírico. Você se conhece, não porque leu, não porque alguém disse, não porque te explicaram, mas porque você está se vendo, se constatando, se evidenciando.

Praticar autociência é viver se assistindo.

Quando você se observa em seu aspecto existencial, você descobre que você é um espírito. Mas descobre por si e em si. A auto-observação existencial deixa evidente que você é um espírito. Ninguém mais consegue te enganar com conversinha sobre espírito, pois você sabe o que é um espírito. Espirito é o que você é. Simples assim.

Quando você se observa em seu aspecto psicológico, você descobre tudo sobre a natureza humana. Você descobre o funcionamento do desejo, do pensamento, das emoções, etc. Ninguém mais consegue te enganar com conversinha de psicologia e aconselhamento. Você sabe como funciona a natureza humana. Você olha e vê. É óbvio para você.

Quando você se observa em seu aspecto pessoal, você descobre tudo sobre sua personalidade. Descobre seus valores. Descobre porque certas coisas te irritam e outras te alegram. Descobre o que acha importante e o que acha irrelevante. Descobre suas crenças. Descobre quais das suas crenças são verdadeiras e falsas. Quais te ajudam ou quais te atrapalham.

Quando a 1ficina fala para você se colocar na posição de aluno, não é apenas aluno da 1ficina, é aluno da vida. Mas também não é aluno da vida, é aluno da sua vida.

Sua vida é sua escola particular de autoconhecimento. Tudo que você é e tudo que vivência, tem sempre o mesmo propósito: servir de objeto de estudo para produção de autoconhecimento. Tudo do verbo tudo mesmo. Tudo do verbo sem exceção.

Em momento algum da sua vida, você esteve, estava ou estará vivendo uma vida. Você está constante e ininterruptamente tendo aulas sobre o que é ser humano fulano. Só isso. Nada além disso.

Quando você vive sua vida acreditando que está apenas vivendo uma vida, você está matando aula. E quando você mata aula, você está sendo um aluno morto. Por isso as experiências se repetem. Você mata a primeira aula, vem a segunda, a terceira, a milésima, quantas forem necessárias para que você possa produzir autoconhecimento existencial, psicológico e pessoal.

O melhor é ser um aluno vivo. Você vive a vida igual um aluno morto, mas vive em auto-observação, aproveitando cada experiência com seu verdadeiro propósito: objeto de estudo para produção de autoconhecimento.

A 1ficina tem uma frase emblemática que diz assim: “Com consciência tudo se resolve, sem consciência tudo se complica”. Forjei essa frase para deixar claro a fonte de todo problema e a fonte de toda solução. A fonte de todo problema é falta de consciência, ou seja, a ignorância, a fonte de toda solução é a consciência.

Você vive mal porque ignora o que é ser humano fulano. Conforme desperta, vai vivendo cada vez melhor. E para despertar, basta você praticar auto-observação. É simples assim! Não tem segredo! E por incrível que pareça, esse é o problema!

“Com consciência tudo se resolve, sem consciência tudo se complica”. Você acredita que isso é simples demais para ser verdade. Você pensa: “Não pode ser! E os boletos! E os filhos rebeldes! E a esposa chata! E o marido safado! E as tretas de família! E minha hemorroida! E o trabalho escravo! E os políticos corruptos! E o ladrão pulando o muro! E o buraco na camada de ozônio! E escambau! E a porra toda! Como que o despertar da consciência vai resolver a porra toda?”

Em parte você está correto, o despertar da consciência não vai resolver nada disso, quem vai resolver tudo isso é você. Mas como você pode resolver qualquer coisa de olho fechado, em absoluto estado de ignorância. Não pode! Por isso é fundamental que você primeiro abra os olhos. Viver é optar. É impossível fazer boas opções de olhos fechados. Para viver mal, ignorância basta, para viver bem, só com autoconhecimento.

“Com consciência tudo se resolve, sem consciência tudo se complica”. Sim, é simples assim. E se você duvida, coloque isso a prova. Pratique autociência, desperte a consciência e verifique se tudo se resolve ou não. Se não se resolver, você não terá perdido nada, pois praticar autociência não gasta seu tempo, nem seu dinheiro, nem nada.

Quando você é aluno morto, você acredita que o objetivo da vida é ter experiências. Isso é um equívoco. O objetivo da vida não é ter experiências, é ganhar experiência. O objetivo da vida é aprender com o resultado das escolhas para adquirir autoconhecimento e fazer cada vez melhores escolhas, ou seja, viver cada vez melhor.

Claro que sem experiência não tem autoconhecimento, mas as experiências são o meio para o fim, e não o fim.

Quando você é aluno morto, você pensa assim: “Ah, não fui para Cancún, perdi a minha vida! Ah não consegui ficar rico, perdi minha vida!” Não! Você perdeu sua vida se você foi para Cancún (ou ficou em casa) e durante essa experiência não praticou auto-observação. Você perdeu sua vida se você ficou rico (ou continuou pobre) e durante essa experiência não praticou auto-observação.

Que outra vida você tem além da vida que você está vivendo aqui e agora? E sendo que sua vida é uma escola, se você não está aproveitando para autoconhecimento, seja qual vida for, daí, sim, você está perdendo sua vida.

O toque do atabaque decretou o início da gira. A noite estava fresca e a casa estava cheia. Durante a manhã, eu havia feito uma palestra de psicologia ali. Agora, no mesmo salão, haviam sete terapeutas de pés descalços, uns pitando, outros tomando tafé e todos fazendo conversadô. Fui passando de um por um, quando cheguei no último, estava chorando litros.

— Pó chorá, fiu! — o preto velho me disse.

— Acho que não aguento mais! — respondi chorando e sorrindo.

— Recebeu muitos presentes, né, fiu?

— Vários, todos diferentes e estranhamente idênticos.

— Ixo! O fiu entendeu bem, com o coração. Vamo fazê conversadô pra clareá na cachola.

Assim que parei de chorar, o preto velho me perguntou:

— Fiu, ucê pensa aí e me diz: qual é o momento mais importante da sua vida?

Fui até a memória zero e voltei escaneando minha vida. Eram milhões de momentos pulando na minha cabeça, inclusive este agora.

— Ops! O momento mais importante da minha vida é esse agora, — eu respondi — pois não tem outro momento para se viver.

— Ixo memo, fiu! Num tem oto, né? Até nois que já morreu só pode vivê agora.

O preto velho me fez outra pergunta:

— Fiu, ucê pensa aí e me diz: qual é a pessoa mais importante da sua vida?

Pensei nas pessoas do meu relacionamento: pai, mãe, esposa, amigos. Depois, pensei que todas as pessoas são uma só: Deus. E respondi:

— Deus! A pessoa mais importante da minha vida é Deus.

O preto velho riu gostoso e disse:

— Eta gira boa, né fiu? Ucê tá vendo até Deus aqui! Eê… Não é ixo, fiu, tô falando de gente memo.

Voltei para ideia da lista dos meus relacionamentos:

— Pai, mãe, esposa, amigos…

— Não, não, não — respondeu o preto velho.

— Quem, então?

— Presta atenção, fiu, qual é o momento mais importante da sua vida?

— Agora.

— Ucê tá com seu pai, mãe, esposa, ou amigos agora?

— Não, estou conversando com você.

— Ixo, fiu, então, se eu não for a pessoa mais importante da sua vida, ucê tá perdendo sua vida, pois sua vida agora é fazê conversadô cum eu.

Foram pauladas duras e certeiras, embora executadas com carinho.

— Fiu, tem mais uma pergunta prucê.

— Claro, pode fazer.

— Ucê pensa aí e me diz: qual é a coisa mais importante que ucê pode fazê na sua vida?

— Posso ajudar os outros, plantar árvores, escrever livros…

— E quando ucê vai fazê essas coisas?

— Quando estiver fazendo.

— Ixo! E o que ucê tá fazendo agora?

— Conversando com você?

— Então, qual é a coisa mais importante da sua vida, que ucê pode fazer no momento mais importante da sua vida, com a pessoa mais importante da sua vida?

— Conversar com você!

— Ixo, fiu, entendeu o que importa na vida?

— Entendi. Mas e o resto?

— O resto tá no xeu livo.

— Que livro? O Foda-se?

— Ixo! Foda-xe!

A Banda – Chico Buarque

Tem um exercício que faço com os alunos que se chama celular mágico. É assim! Você ganhou um celular mágico que é capaz de enviar uma mensagem para todos os celulares do mundo, ou seja, para todos os seres humanos. Mas é só uma mensagem. Após enviar sua mensagem esse celular desaparece. Qual é sua mensagem?

Cada aluno responde uma coisa diferente. Uns são prolixos, outros são concisos. O objetivo dessa pergunta é descobrir qual é o melhor conselho que você poderia dar a um ser humano e consequentemente a si mesmo. Hoje, através desse livro, vou enviar minha mensagem do celular mágico.

Atenção você que está me ouvindo! Não desperdice sua vida! Seja um aluno vivo! Seja qual for sua vida, viva em auto-observação. Confie no mantra da ressurreição: “Com consciência tudo se resolve, sem consciência tudo se complica”. Invista toda sua força e foco no despertar da consciência. Conforme você for despertando, tudo irá se encaixando e tudo irá se resolvendo facilmente. E para despertar, basta você viver em auto-observação. Só isso! Simples assim! Não precisa de dinheiro. Não vai roubar seu tempo. Não vai te impedir de fazer nada. Não vai te prejudicar de forma alguma. Só vai te deixar mais consciente, apto a fazer melhores escolhas e viver melhor.

Câmbio final! Puft!

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