Além da dor de dente

27/12/2023 by in category Textos tagged as , , , with 0 and 0

Imagina Einstein com dor de dente. No que Einstein iria pensar, no tempo e no espaço, ou no dente que está doendo dentro da boca? O ser humano é Einstein com dor de dente. Ou seja, é um ser muito inteligente, mas que só consegue pensar na dor que está sentindo.

A dor controla o pensamento. Essa é uma característica básica do funcionamento humano. Belisque uma parte do seu corpo, a orelha, por exemplo, toda sua atenção será direcionado para orelha e você começará a pensar em como solucionar a dor na orelha.

O ser humano não se interessa pelo estudo da natureza da realidade porque a dor humana não permite. A inteligência humana está dominada pela dor da fome, da sede, do frio, do calor, da doença, enfim, da sobrevivência. E quando consegue escapar da dor da sobrevivência, é dominado pela dor da convivência: rejeição, decepção, frustração. Por isso o ser humano só pensa em dinheiro, é a promessa para o fim de todas as dores.

E como se não bastasse o obstáculo da dor, ainda tem o obstáculo do academicismo. Ninguém precisa ser diplomado para investigar e entender a natureza da realidade, basta observar e pensar sobre o que está sempre a frente, atrás, dentro e fora de si. Mas a crença acadêmica diz o contrário. O resultado disso, é que a coisa mais óbvia da experiência humana, a realidade, é completamente ignorada pelo experimentador: o ser humano.

É como se o ser humano nascesse dentro de uma sala de cinema, assistisse um filme (que ele chama de vida) e morresse sem perceber o óbvio: que a vida era um filme. Quem percebe isso durante o filme é chamado de gênio ou iluminado. Mas essa nomeação é apenas mais um obstáculo para manter o ser humano afastado do estudo da natureza da realidade.

Todo ser humano é capaz de entender a natureza da sua realidade sem necessidade de professor ou escola. Basta observar e pensar o que está constantemente experimentando. É isso que os seres considerados gênios ou iluminados fazem. É isso que você pode e deve fazer se quiser ir além da dor de dente.

“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu”.

Fernando Pessoa

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