Quando estava na faculdade, li um livro chamado “O Retrato de Dorian Gray”, do Oscar Wilde. O livro conta a história de um rapaz que vai sendo traumatizado por suas experiências e vai transferindo os traumas para um auto retrato que ele mantém guardado dentro de um quarto. Quanto mais o rapaz vai vivendo, mais o auto retrato vai envelhecendo, só que o rapaz se mantém eternamente jovem.
O retrato de Dorian Gray representa seu sistema de crenças (superego).
Viver é traumatizante. Trauma é marca, cicatriz, registro, memória. Tudo que você experimenta gera marca, cicatriz, registro, memória. Você usa a palavra trauma apenas para memórias desagradáveis, mas tanto memórias desagradáveis como memórias agradáveis são traumas.
Traumatização é fundamental para jogar bem o egogame. Por mais estranho que possa parecer, você precisa dos seus traumas para viver bem, porque sem memória você não sabe como fazer nada.
Tem um filme chamado “Eternamente Alice” que conta a história de uma mulher com Alzheimer. Tem uma cena em que Alice, uma mulher de mais de 40 anos, faz xixi nas calças porque não consegue lembrar onde fica o banheiro.
Você só percebe quão fundamental é algo que você tem quando não tem mais, quando você perde. Por isso você não percebe a importância da memória, ela nunca lhe faltou. Mas tente fazer alguma coisa sem usar sua memória para ver se consegue. Ou então, apague toda a memória do seu computador e tente usá-lo para você ver o que acontece.
Quando você entra no egogame sua memória está virgem. Seu sistema de crenças (superego) é uma tela em branco. Você não deu nenhuma pincelada ainda, não tem nenhum trauma ainda. Por isso não consegue fazer nada, nem segurar a colher da sua papinha. Mas conforme você vai vivendo, sua memória vai sendo traumatizada, muitas pinceladas vão sendo dadas na tela em branco. Cada novo trauma é uma nova crença. Quanto mais crenças, mais você entende como o egogame funciona e mais coisas você consegue fazer.
Por exemplo, assim que você entra no egogame, demora até você entender que você é um corpo, que existem muitos outros corpos, e que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Por isso você dá tanta cabeçada no berço. Você não aprende física na escola, com o professor Horácio, você aprende física no berço, dando cabeçada e se traumatizando.
Não tem aprendizagem sem trauma. Aprendizagem é traumatizagem, é o processo de produção de memória. Por isso que tudo no egogame é eurekatividade. Viver é traumatizante e traumatização é aprendizagem. Assim que você entra no egogame, você começa a viver, assim que começa a viver, começa a se traumatizar, começa a aprendizagem.
Suas crenças são suas aprendizagens, são os traumas mentais que você vai produzindo sobre o funcionamento do egogame para conseguir fazer as coisas. Lembra que expliquei que no começo do jogo você é um bebê babão com o controle na mão? Pois então! Você não sabe como o egogame funciona, então, o jeito é fazer experiências. Cada arbítrio produz uma experiência, cada experiência produz um trauma, cada trauma é uma memória, cada memória é uma crença (aprendizagem).
Arbítrio após arbítrio, que vai surgindo em você um sistema de crenças, um registro mental de tudo que vivenciou e aprendeu sobre o funcionamento do egogame, um retrato de Dorian Gray, um sábio ancião chamado superego.