As mesas se enchem de frutas e sucos. Anis me convida para sairmos do salão e irmos conversar do lado de fora, pois ele quer fumar um cigarro. A cena na rua é de cidade hippie, todos estão sentados no chão. Anis ainda está brigando mentalmente com o coordenador. Ele me fala da raiva que está sentindo e me confessa que é bastante apegado a dinheiro, mão de vaca, como se diz popularmente.
— Anis, vou te dizer uma coisa. Não sei se fará sentido para você, mas já que estamos conversando ainda em estado meditativo, vou te dizer.
— Ok. Pode dizer! — diz Anis.
— Realidade é cinema.
— Como assim, cinema? — pergunta Anis.
— Realidade é cinema do autoconhecimento.
— Você viaja, cara! Mas eu gosto. Prossiga! — diz Anis.
— A realidade que cada um experimenta é apenas a tela necessária para que cada um possa se auto-projetar, se auto-conhecer e se auto-trabalhar mentalmente. Se não percebemos isto, se levamos os acontecimentos ao pé da letra, a redação perde todo o sentido e toda sua verdadeira função.
— E o que significa aquele acontecimento da pétala? — Anis me pergunta.
— Significa agora, exatamente o significado que você está dando agora, e agora, e agora, e agora… Se você mudar de significado agora, significará exatamente o significado que você está dando agora, e agora, e agora…
— Não falo que você viaja.
— E tem mais! O acontecimento da pétala tem um significado para você, outro para mim, outro para o coordenador, outro para nosso guia, outro para a Gabi, e assim por diante. Por isto não briguei com o coordenador. Deixei o coordenador vivenciando o significado dele e guardei o meu significado no bolso.
Anis dá um trago no cigarro. Ele parece incomodado com o coordenador e incomodado por estar incomodado com o coordenador. Entendo o que se passa com ele, só que não posso resolver ele para ele. Deixo Anis pensando e fumando. Me sento junto a parede, num espaço que vagou. Tiro o tênis, a meia e estico as pernas. Um rapaz pede licença para se sentar ao meu lado. Ele tem um ar alegre e engraçado. Adoro este tipo de energia. Ficamos conversando e rindo um bom tempo.
— Fiquei impressionado com a sintonia da banda. — digo ao rapaz.
— Esta é a proposta — o rapaz me diz — Sintonia entre criador, criação e criatura, aqui e agora.
— Entendi — eu digo.
— Tempo é arte e cada instante é obra prima — ele completa.
Sorrio de orelha a orelha. Agradeço a conversa. Volto para casa.
No dia seguinte escrevo um email para os amigos e companheiros de viagem:
07 de janeiro de 2010
A dor da gente não sai no jornal.
Nem a felicidade.
Se você está lendo este email,
sabia que hoje tem mais luz do que ontem
e menos do que amanhã.