16 | EU SOU BOY

02/09/2022 by in category Mayasang with 0 and 0

Sem o salário da publicidade, eu precisava de uma nova fonte de renda. Como tinha uma moto, decidi trabalhar de motoboy. Encontrei uma oferta de emprego no jornal, numa copiadora em Pinheiros. O dono da copiadora estranhou meu interesse, me achou super qualificado, mas foi com a minha cara e me contratou.

No primeiro dia de trabalho, fui enviado para retirar um serviço em um prédio que eu havia trabalhado como estagiário de redator. Quando cheguei no prédio, percebi que era exatamente o mesmo andar que havia trabalhado. A vida é mesmo um boomerang, vai e volta.

A principal atividade da copiadora era fazer cópias heliográficas. Hoje em dia isso nem existe mais por causa dos computadores, mas antes dos computadores, os engenheiros desenhavam seus projetos em folhas de papel vegetal. Esses desenhos eram copiados em uma enorme máquina que fedia amoníaco: a copiadora heliográfica. Meu trabalho era pegar os originais nas firmas de engenharia, levar para a copiadora e depois levar as cópias heliográficas para as obras.

Nunca fui tão feliz em um emprego como nesse. Primeiro porque eu não precisava pensar, só precisava andar de moto. Meu patrão dizia: — Vai lá! — Eu ia. Meu patrão dizia: — Volta aqui! — Eu voltava. Tudo muito simples e com zero esforço mental. Depois, porque eu adorava descobrir a infinidade de São Paulos que tem dentro de São Paulo. Quanto mais longe o destino de entrega das cópias, mais feliz eu ficava, pois mais descobertas eu teria pelo caminho.

Naquela época não existia GPS, então, usávamos um guia de papel grosso como uma lista telefônica. Aliás, lista telefônica deve ser outra coisa que não existe mais. Mas enfim, meu guia era todo rabiscado de caneta vermelha com as ruas que já havia feito entrega. Para mim, cada risco representava um território de São Paulo que eu já havia conquistado.

Fiquei nesse emprego por uns três ou quatro anos. Entrei quando era solteiro e no final já estava casado com minha primeira esposa. Eu ganhava um bom salário para ficar passeando de moto pela cidade. Estava ótimo! A única coisa que não gostava, era trabalhar em dia de chuva, devido o perigo de acidente de moto e a possibilidade de molhar os originais de papel vegetal. Mas nem chovia tanto assim, e com cuidado e muito plástico, os originais ficavam bem protegidos.

Não queria sair do emprego de motoboy por nada, mas saí. O primeiro motivo foi uma conversa com minha irmã. Ela sabia que eu estava feliz no emprego e não pretendia sair, mas ela também conhecia o meu potencial intelectual. Então, daquele jeito íntimo e direto que só os irmãos conseguem acessar a gente, ela me disse: — Já está bom de ficar passeando, né?

Eu estava de férias no paraíso e minha irmã estava me convidando a voltar para a guerra no inferno. Seu chamado tocou meu coração guerreiro, mas não o suficiente para me fazer abandonar as férias. Foi então que minha esposa, que era professora de inglês, me disse: — Por que não aproveita que sabe falar inglês e vai dar aulas que nem eu. Você vai trabalhar menos e ganhar mais.

Eu adorava andar de moto pela cidade, mas passava o dia inteiro no transito, debaixo de sol e chuva, e chegava cansado em casa. Era um cansaço bom, mas era cansaço e não me ajudava a escrever as coisas que queria. A ideia de ganhar mais e trabalhar menos me agradou. Eu teria mais tempo e energia para escrever. Então, com muito pesar, pedi demissão da copiadora e comecei a dar aulas de inglês.

Minha experiência como motoboy, me ajudou a melhorar como pessoa, pois me colocou em contato com o chão de São Paulo. Mas não me ajudou na criação da pedagogia da 1ficina, o que me ajudou nisso foi a experiência como professor de inglês.

Conto sobre isso a seguir.

Sou Boy – Magazine

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