Cadê os Caras? Não sei! Ninguém sabe! Sei que os Caras estão na política, na religião, na cultura, na pequena e na grande área. Sei que os Caras são uns filhos da puta, que são foda, que não entendem porra nenhuma. Sei que a culpa é dos Caras. É óbvio que a culpa é dos caras! Todo mundo sabe que a culpa é dos Caras. Contudo, todavia, entretanto, eu, pessoalmente, na pessoa própria de mim mesmo, nunca vi os Caras.
Talvez o Povo conheça os Caras. Será? Também nunca vi o Povo cara a cara. Sei que o Povo é burro. Sei que o Povo não sabe votar. Sei que o Povo tem o governo que merece. Sei que a culpa é do povo. É óbvio que a culpa é do Povo! Todo mundo sabe que a culpa é do povo. Mas cadê o Povo que não dá as caras? Eu, pessoalmente, na pessoa própria de mim mesmo, nunca vi o Povo.
Talvez o Ego conheça os Caras e o Povo. Será? Não sei! Sei que o Ego é o pecado, que é o vilão, que é a kriptonita, que fez Adão comer a maçã e fodeu com tudo. Sei que a culpa é do Ego. É óbvio que a culpa é do Ego! Todo mundo sabe que a culpa é do Ego. Contudo, todavia, entretanto, eu, pessoalmente, na pessoa própria de mim mesmo, nunca vi o Ego. Então, como matá-lo?
Samael odiava o ego. Era como se o ego fosse um comunista no capitalismo. Com tom militar, ele ordenava a cada parágrafo dos seus livros: mate o ego! Eu não conhecia o tal do ego, nunca tinha ouvido falar em ego antes, mas se fosse preciso matá-lo para viajar pelos múltiplos planos de existência, tudo bem, eu matava. O problema era: como? Com arco e flecha? Com espingarda? Com revólver? Com facão? Com machado? Com estilingue? Como matar o ego?
Segundo Samael, o ego era a vaidade, o orgulho, a preguiça, a inveja, a cobiça, a gula, enfim, todas as características humanas que habitavam o Inferno de Dante. Para matar o ego era preciso praticar a morte do ego. Ou seja, era muita falação e cancelamento para chover no molhado. Ninguém explicava muito bem o que era o ego e como matá-lo, nem Samael.
Por fim, como era imperativo matar o ego, mas ninguém sabia o que era o ego e como matá-lo, a solução era autonegação e fingimento. Colocar o Inferno de Dante debaixo do tapete e fazer cara de paisagem. Foi o que fiz. Me lembro, por exemplo, que parei de escrever a palavra “eu” nos meus textos, pois “eu” era “ego”. Esse era o nível da paranoia.