Era uma vez agora. Era duas vezes agora. Era três vezes agora.
Você está em casa. Sua maior curiosidade é atravessar aquele buraco do tempo. Você passa horas imaginando o que tem do outro lado do buraco. Você rabisca e pinta maluquices dentro da sua cabeça. Depois apaga tudo. Por mais maluca que sejam as coisas que você imagina, são imagináveis, e do outro lado do buraco do tempo só deve existir coisas além da imaginação. Aliás, falar em coisas já é imaginar algo imaginável, coisa já é coisa da sua imaginação. Mas enfim, você pensa nisto tudo e fica se coçando de curiosidade. Volta a imaginar coisas inimagináveis. Que cor tem as cores inimagináveis? Que cheiro tem os cheiros inimagináveis? Que sabor tem os sabores inimagináveis? Como é o mundo além da imaginação?
De tempo em tempos, uma Máquina do Tempo chega através do buraco do tempo. A Máquina vem buscar pessoas para fazer a viagem além da imaginação. Num dia desses, você vai falar com o capitão da Máquina do Tempo.
— Leve-me em sua Máquina do Tempo — você diz ao capitão.
— Você está preparado? — pergunta o capitão.
— Sim! Estou sim! — você responde.
— Tem certeza? — diz o capitão — Para viajar na Máquina do Tempo você precisa estar preparado para deixar este tempo e tudo que você tem nele. Tudo que conhece. Tudo que você gosta, e também o que desgosta. Seus pais, seus amigos, seus brinquedos, suas raivas, suas alegrias, suas idéias. Inclusive suas imaginações sobre o que há além da imaginação. Tudo, entende? Viajar na Máquina do Tempo é igual morrer. Você deve deixar até suas esperanças de voltar. Se você estiver preparado para deixar tudo isto, eu levo você agora mesmo.
Você imaginou este momento centenas de vezes, com replay e slow motion. Só que o preço de torná-lo realidade está alto demais. Você ama meus pais, ama seus amigos, ama seu gato, ama seus passeios pelo bosque, ama até a professora chata da escola e o sapato apertado que sua mãe insiste em te fazer usar. E se for ruim do lado de lá do buraco do tempo? E se o inimaginável não for nada do que você imagina?
— Perdão, Capitão! Não estou preparado — você responde e volta para casa.
Sempre que a Máquina do Tempo volta, o capitão olha ao redor, mas não vê mais você. Você está se preparando. Você decidiu que só voltará a falar com o capitão no dia que estiver pronto para partir. Mas os dias passam e ao invés de você se sentir mais pronto você se sente cada vez mais despreparado. Você ainda nem saiu de viagem, mas já sente vontade de voltar. Então, certo dia, quando a Máquina do Tempo chega, você vai conversar com o capitão.
— Olá! — exclama o capitão.
— Vou embarcar para o outro lado do buraco do tempo.
— Lembra do que disse? Você deve deixar tudo para trás. Está preparado?
— Não, capitão! Mas vou mesmo assim, despreparado.
O capitão abre um baú e pede que você deixe tudo ali. Você vai colocando tudo dentro, até ficar nu.
— Eu disse tudo! — Alerta o capitão.
— Já coloquei tudo.
— Falta uma coisa ainda — diz o capitão.
— Falta o quê, Capitão? — você pergunta — Já coloquei meus pais, amigos, gato, sorvete preferido, sonhos, bicicleta, estilingue, medos, alegrias e tristezas. Estou completamente nu. O que falta?
— Falta você! — diz o capitão.
— Como assim, eu? — você pergunta.
— Nada deste tempo pode ser levado numa viagem no tempo. Você precisa deixar você também. — diz o capitão.
Você leva um susto. Você hesita. Depois reafirma sua decisão. Você está decidido a ir para além do buraco do tempo mesmo que tenha que se deixar. Você se despe de si mesmo e entra na Máquina do Tempo.
Viajando na velocidade além da imaginação, em poucos minutos, a Máquina do Tempo atravessa o buraco do tempo. Mas quando você começa a avistar o lugar em que esta chegando, parece que você viajou de marcha ré. O lugar além da imaginação é igual o lugar que você deixou no baú. Idêntico. Sem tirar nem por. As mesmas cores, os mesmos cheiros, as mesmas ruas, as mesmas casas, as mesmas pessoas, tudo igual. Tão idêntico que a cena de chegada parece fotografia da cena de saída. A Máquina do Tempo chega. O capitão abre a porta e lhe diz: