Saí de Porto Seguro e fui para Trancoso, um vilarejo isolado, depois de Arraial d’Ajuda. Montei a barraca de camping na beira do morro, de onde dava para ver o mar e amarrei a rede em uma árvore. Passei dias bem agradáveis e tranquilos em Trancoso. Nada de capeta, nem arame farpado. Só água de coco e sombra. Foi então que, a fim de pegar alguma coisa, abri o porta luvas do carro e encontrei o livrinho sobre viagem fora do corpo que meu amigo havia me emprestado.
Comecei a ler. De fato, o livrinho falava sobre viagem fora do corpo, mas isso era o que menos importava para o autor. O ponto principal era uma coisa que ele chamava de “despertar da consciência”. Movido pelo interesse na viagem fora do corpo, continuei lendo. Porém, quanto mais lia, mais o autor jogava na minha cara que eu era uma consciência adormecida.
Ele dizia que minha vida era como um filme, e quando eu morresse, eu iria rebobinar o filme e depois projetá-lo exatamente do mesmo jeito que já havia vivido. Depois eu iria morrer novamente e reprojetar tudo novamente, e assim por diante, a menos que eu despertasse a tal da consciência.
Hoje sei que o autor estava falando de reencarnação. Na época eu não conhecia esse conceito, só conhecia os conceitos do cristianismo, e mesmo assim, mal e porcamente. Mas eu sabia pensar. E pensei que se iria repetir tudo igual na minha próxima vida, então, a vida atual também era a repetição da vida anterior. Ou seja, eu já tinha passado por aquelas cercas de arame farpado milhares de vezes e iria continuar passando, a menos que despertasse a consciência.
Pensar nisso me revoltou. Eu me achava inteligente e me recussava a admitir que estava repetindo o mesmo erro eternamente. Eu precisava fazer alguma coisa para evitar a eterna repetição. Não podia rebobinar o filme e projetar tudo novamente. Eu tinha que deixar de ser uma vítima da minha própria inconsciência, custasse o que custasse. Isso estava decidido e pronto!
Certamente, foi nesse momento que a semente da 1ficina foi plantada em mim. Assim como acordei no pasto sem saber onde estava e como havia parado ali, eu também não sabia quem eu era, de onde vinha e para onde estava indo. Eu era de fato uma consciência adormecida como o autor havia dito. Só que agora eu sabia que estava dormindo. E queria acordar.