Depois de três dias de viagem ouvindo as mesmas três fitas, cheguei na cidade de Porto Seguro, na Bahia. Montei acampamento ao entardecer e de noite fui para balada na passarela do álcool. Olha só o nome da rua! Coisa boa não pode vir de um nome de rua assim. E para piorar, na Bahia tem uma bebida chamada capeta, uma espécie de caipirinha com pó de guaraná. Tomei um capeta, dois capetas, três capetas, quatro capetas e virei o demônio.
Minha memória é falha a partir do quarto capeta, mas lembro do principal a ser relatado. Eu pulei o muro da boate para entrar no show do Ed Motta. Estava totalmente embriagado e sem noção. Eu tinha dinheiro, mas por influência do capeta, decidi pular o muro. Os seguranças da boate viram e rapidamente me colocaram para fora.
A partir daí minha memória é mais fraca e confusa ainda. Lembro de uma festa estranha com gente esquisita. Lembro de mais capeta. E, de repente, já é dia e estou andando debaixo de um sol escaldante no meio de um pasto. Não faço a menor ideia de onde estou e como fui parar ali. Quando olho para o lado, tem um homem mal-encarado apontando uma espingarda para mim.
— Você não morreu por sorte hoje! — o homem me disse.
— Como assim? O que foi que eu fiz? — perguntei.
— Isso aqui é propriedade privada — disse o homem — Você não pode entrar aqui. Eu quase atirei em você. Você tem sorte de estar vivo.
Perdi a fala.
— Me desculpa, eu não sabia, já vou sair! — eu disse.
Saí da propriedade do homem e segui por uma estrada de terra. Continuava sem saber onde estava. Andei um pouco mais e vi uma mulher jogando água com uma mangueira na frente da casa para abaixar a poeira. Me aproximei para pedir um gole d’água e ela se espantou comigo.
— O que foi isso? — ela perguntou.
— Isso o que? — perguntei.
— Esse sangue na sua camisa!
Foi então que percebi que minha camisa estava toda rasgada e ensanguentada. Levantei a camisa e percebi que meu peito estava arranhado.
— Isso é arranhão de arame farpado — disse a mulher.
Certamente havia atravessado as cercas de arame farpado sem nenhum cuidado. Live fast die young (viva rápido, morra jovem), era meu lema na época. Mas não precisava ser tão jovem. Bebi água e me lavei na mangueira. A mulher me indicou o caminho e voltei para o camping.