03 | Ano novo e lua cheia

11/11/2022 by in category Capitulos, Queime seus navios with 0 and 0

31 de janeiro de 2009. Pegamos um táxi e vamos para chácara de Célia. Os participantes da meditação de ano novo vão chegando aos poucos. A prioridade é arrumar o salão. Eu me voluntario para encher as bexigas. Fábio cuida das flores. Cada um que chega vai fazendo alguma coisa. Célia é uma negrinha sorridente, mas de olhar firme, quando encara a gente parece que está lendo o pensamento. Arrisco puxar uma conversa.

— Fernanda me disse que você pratica meditação desde que nasceu, Célia. É isto mesmo?
— Eu não! — responde Célia — Eu pratico desde os sete anos. Desde o nascimento é esta aqui — diz Célia passando a mão sobre a barriga e demonstrando gravidez.

Por volta de nove da noite, o salão está pronto e a meditação está prestes a começar. Pego um travesseiro e coloco sobre uma cadeira. É uma cadeira daquelas de macarrão de plástico, muito comum em cidades do interior. Rezamos um Pai Nosso, uma Ave Maria e nos sentamos. O coordenador da meditação coloca algumas musicas para tocar no computador. Aos poucos vou sentindo uma alteração na consciência. Passado um tempo a musica para e o coordenador começa a cantar a capela. O efeito do canto em mim é como chacoalhar uma garrafa de refrigerante. Quase explodo. Terminado o canto, volta a música do computador. É uma musica bem relaxante. Vou ficando mais calmo. Quando já estou bem zen, o coordenado pára a música outra vez e começa a dar uma bronca no grupo. Ele fala sobre compromisso, sobre firmeza, entre outras coisas. É interessante a mensagem, sou visita, não sou do grupo, mas me serve para reflexão. Só que não consigo mais ficar parado na cadeira. Minha consciência está muito estranha. A temperatura no ambiente está fresca, mas estou suando em bicas. Vou para frente e para trás na cadeira, até que desmaio.

Acordo com Fernanda me levando para fora do salão. Dou alguns passos e vomito. Junto com o vômito sai também o desconforto.

— Está se sentindo melhor agora? — pergunta Fernanda.
— Bem melhor! — respondo.
— Eu preciso voltar para o salão, — diz Fernanda — mas você pode ficar aqui no ar fresco o tempo que quiser e quando sentir vontade de voltar, volte.

Percebo que o primeiro vomito não foi o primeiro. Minha camiseta está toda vomitada. Um rapaz me leva até o banheiro para lavar o rosto e me dá uma camiseta nova. É uma camiseta amarela. Visto a camiseta e volto para o salão.

O borbulhar e o estado mental estranho vai serenando. Fico bem tranquilo na cadeira. Célia fala sobre o ano de 2009, diz que foi um ano de benção. Depois ela fala do ano de 2010, diz que será de muitos desafios. E completa:

— Desafio é oportunidade de auto-superação.

Tem uma coisa que Célia não fala, mas que sai junto com suas palavras e vai enchendo o ambiente, é seu afeto por todos que estão ali. Por fim, o coordenador canta um canto de encerramento e vamos cear. Já é 2010. Todo desconforto pelo qual passei não era o que esperava deste réveillon. Olho para o céu e vejo a lua cheia.

© 2023 • 1FICINA • Marcelo Ferrari