02 | SATSANG

27/08/2022 by in category Mayasang with 0 and 0

A primeira ferramenta que possibilitou a interação via internet foi o e-mail. “Todo brasileiro tem direito a um email grátis”, dizia o slogan do IG, um dos primeiros provedores de internet do Brasil. As pessoas começaram a compartilhar mais o endereço de email do que o número de telefone, até porque o endereço de email era personalizado e mais fácil de memorizar.

Só que a interação por e-mail era particular. Foi então que outro famoso provedor da época, o Yahoo, inventou o Yahoo Grupos. Você cadastrava seu e-mail em um grupo e, a partir daí, tudo que era enviado para o grupo chegava na sua caixa de e-mails e vice versa. Claro que o Yahoo Grupos era rudimentar perto dos atuais grupos de Whatsapp, mas era revolucionário para época. Finalmente você podia entrar em contato com pessoas de interesse comum sem restrição de tempo e espaço.

Entrei em alguns grupos e fui adicionado em muitos outros. Um desses grupos em que fui adicionado se chamava “A busca”. Esse grupo era o samba do crioulo doido hindu. Todo mundo que tinha internet e curtia espiritualidade na linha hindu, sambava por lá. Krishnamurthi e Osho eram os autores mais populares entre os participantes. Mas rolava de tudo no grupo.

Eu era mais ligado em neurolinguística (PNL) que em espiritualidade. Já havia lido Krishnamurthi e gostava bastante, mas nunca havia lido Osho, nem outros autores que eram recorrentemente citados pelos participantes. Outra coisa que não estava acostumado, era a terminologia hindu. Muitas palavras em sânscrito eram usadas como se fossem gírias cotidianas. Isso me incomodava, pois sou avesso a estrangeirismo, academicismo, dogmatismo e idolatria.

Uma das palavras em sânscrito que aparecia muito no grupo era a palavra “satsang”, que significa “encontro com a verdade”. Essa palavra era usada para anunciar encontros com um guru e descrever a pedagogia hindu de iluminação. Por exemplo: “Satsang com Sri Prem Fulano”. Isso significava que o Fulano iria se encontrar com os participantes e conversar com eles levando-os a iluminação (encontro com a verdade).

A princípio, achei bonita a palavra “satsang” e o conceito de encontro com a verdade. Mas fui tomando aversão devido ao uso prático. Por mais que não fosse intenção dos gurus, na prática, e para os buscadores, um satsang não era encontro com a verdade, era encontro com o guru. E o que acontecia nos encontros eram palestras sobre iluminação e não iluminação.

Meu desgosto pelos termos em sânscrito me levaria, anos mais tarde, a criar algumas palavras híbridas e adulteradas para combater o estrangeirismo e o dogmatismo dos buscadores. Uma dessas palavras foi “satsilva”. Se, na prática, satsang era encontro com uma autoridade espiritual, o guru, satsilva era encontro sem autoridade nenhuma, encontro de Zé Ruelas (Silvas).

Outra palavra foi “mayasang”, que escolhi para ser o título desse livro. “Maya” significa mentira. “Mayasang” significa encontro com a mentira. Não uso esse termo na literatura da 1ficina, pois só o inventei para fazer uma crítica circunstancial, mas é um termo bem apropriado para entender a pedagogia que a 1ficina usa para produção de autoconhecimento.

Falarei mais sobre o mayasang no decorrer do livro. A seguir, vou dar alguns passos para trás no tempo.

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