Cristina estacionou o carro. Eles desceram e começaram a caminhar pelo parque. Há dois meses Beto estava adiando o início do namoro.
— Antes de começarmos, Cristina, — disse Beto — quero te fazer duas perguntas e conversar sobre elas. São perguntas que podem evitar grande parte dos problemas que ocorrem nos relacionamentos, não apenas entre homens e mulheres, mas em geral. São perguntas que você deve fazer para mim, sempre que me esquecer delas, e que vou fazer para você, sempre que você se esquecer. Mas principalmente, são perguntas que devemos fazer a nós mesmos, sempre que possível.
— Pode perguntar o que você quiser.
— Você lê pensamento?
— Como?!!!
— Você lê pensamento, Cristina?
— Não!
— Nem eu! Sabe o que isto significa?
— Que somos humanos? — ela disse.
— Isso! Só que tem outras implicações por trás desta impossibilidade.
— Que tipo de implicações?
— Você sabe o que estou pensando agora?
— Em sexo?
— Aqui no parque, não.
— Então, não sei.
— Mas estou pensando agora.
— Eu não leio pensamento.
— Quer saber?
— Sim.
— Então, entra na minha cabeça.
— Como?
— Como você pode entrar na minha cabeça, no meu pensamento, no meu mundo interno? Qual é a porta?
— Não sei.
— O que você pode fazer para saber o que estou pensando agora?
— Posso te perguntar.
— Experimenta para ver se funciona.
— No que você está pensando?
— Água de coco.
Eles vão até uma barraca e compram dois cocos verdes.
— Vou sempre perguntar o que você pensa, sente, deseja, teme, acredita, etc. Senão, ao invés de me relacionar com você, vou estar me relacionando comigo mesmo, com minhas suposições sobre você.
— Não entendi.
— Por exemplo, pelo que pude observar, suponho que você gosta de andar de mãos dadas comigo. Posso supor muitas outras coisas, mas não significa que minhas suposições são realmente o que você pensa, sente, deseja, teme, acredita, etc.
— Concordo. Você não tem como adivinhar o que se passa comigo a não ser que eu lhe conte. Não posso adivinhar sobre você, tanto que errei na água de coco.
— Muitas brigas de relacionamento acontecem porque os briguentos supõem coisas um ao outro e depois discordam um do outro. Mas o outro nunca concordou, era tudo suposição.
— Por que fazemos isso?
— Você vai descobrir o porquê na segunda pergunta. Antes disto, vamos refletir sobre o desejo, que é o ponto onde a suposição é mais falha.
— Vamos lá!
— Vamos supor que você não goste de algo que faço. Por exemplo, vamos supor que você não goste que te chame de “Cris”. Só que eu não sei disto. Aliás, acredito que você goste. Então, se não te perguntar sobre seu gosto e desejo, e se você deseja que eu te chame de “Cristina”, o que você pode fazer?
— Devo te fazer a primeira pergunta?
— Isso mesmo! Só que não para mim, mas perguntar para si mesma.
— Como assim?
— Converse com você mesma assim: “Eu leio pensamento? Não. Ele lê pensamento? Não. Então, por que estou querendo que ele adivinhe meu desejo?”. Isso fará você lembrar que para o outro tomar consciência do seu desejo é preciso que…
— Eu conte meu desejo ao outro!
— Isso! Ninguém é adivinho! E consciência é particular. Então, se você não faz sua parte, que é expressar seu desejo, não tem como o outro satisfazer um desejo que desconhece.
— Entendi.
— Parece besteira, mas essa simples reflexão evita milhares de problemas de relacionamento. Imagine se todos os pais do mundo se dessem ao luxo de perguntarem aos seus filhos o que eles desejam e gostam. Essa simples abertura ao diálogo já evitaria muito equívoco, briga, rancor, raiva e até suicídio.
— É verdade.
— Então, sempre que você estiver brava, chateada, decepcionada porque não estou adivinhando seu desejo, vou te fazer a pergunta: “Você lê pensamento?”. Depois vou te dizer: “Nem eu!”. Não vou fazer isso para te irritar mais, vou fazer isso para você perceber que a origem do seu sofrimento está em você, na sua suposição de que tenho uma habilidade que não tenho: ler pensamentos e adivinhar desejos.
— Se não te conto, você não adivinha.
— Por isso pretendo sempre te contar o que quero e não quero, o que espero e não espero. Se você fizer o mesmo comigo, no mínimo, vamos ter um relacionamento verdadeiro. O resto resolveremos com a prática da segunda pergunta.
— Gostei. Vamos praticar sim. Qual é a segunda pergunta?