Joana coloca uma lista de perguntas sobre a mesa. Não tenho a menor ideia de como vou responder todas. Leio cada pergunta e deixo a boca falar o que surge na cabeça. A conversa vai se desenrolado.
— Se tudo na experiência humana é inútil, como você diz, então, que diferença faz se vivemos assim ou assado? — pergunta Joana.
— Para a experiência humana em si não faz diferença nenhuma, faz diferença para quem está experimentando a experiência, ou seja, para você, para mim e todos que estamos criando a qualidade da nossa experiência. Mas tem um detalhe nesta coisa da inutilidade que precisa ficar bem claro. — eu digo.
— Que detalhe?
— Tudo na experiência humana é inútil justamente para que a experiência humana possa ser útil.
— Se é inútil como pode ser útil?
— Basta uma coisa servir a outra.
— Como assim?
— Qual a utilidade que o mouse tem para o computador, por exemplo?
— Serve para clicar.
— Quem clica não é o computador é o usuário do computador.
— Então, não sei.
— O mouse não tem utilidade para o computador porque o mouse é o computador. Agora, para nós, usuários do computador, o mouse tem muita utilidade.
— O que isto tem a ver com a experiência humana?
— A experiência humana é inútil em si porque é apenas uma ferramenta, assim como um mouse.
— E por que você diz que é útil também?
— Porque não somos SÓ humanos, somos SERES humanos. A experiência humana é tipo um computador, inútil a si mesma, mas nós, SERES humanos, somos os usuários, então, a experiência humana é útil para nós.
Levanto e pego um copo para beber água. Joana retira seu preparado de berinjela e uva passas do forno e coloca sobre a mesa, junto com um pacote de bolachas de gergelim.
— O que você está me dizendo, em outras palavras, é o que dizem as religiões, que somos espíritos vivendo uma experiência humana, é isto? — pergunta Joana.
Coisas do Brasil. Por um lado Joana é médium, trabalha em um terreiro de umbanda incorporando exus, eres, caboclos e pretos velhos. Por outro lado, Joana é cientista, pós graduada e materialista, como reza a cartilha acadêmica. Minha presença ali é apenas de facilitador da conversa dela com ela mesma. Coloco um punhado de berinjela sobre uma bolacha e saboreio com calma. O sabor é doce e apimentando.
— Sim! Só que a palavra espírito nos coloca distante do que somos. É o oposto. O que somos está mais perto do que perto. Somos SERES humanos. É simples.
— Simples para você! — diz Joana.
Dou uma gargalhada. Joana está certa. O óbvio só é óbvio quando fica óbvio. Costumo usar o exemplo das maçãs para falar disto. As maçãs não começaram a cair das árvores a partir do dia em que Isaac Newton levou uma maçanzada na cabeça. As maças sempre caíram, antes e depois de Isaac Newton, porém, a partir daquele cochilo interrompido, algo que sempre esteve ali, se tornou evidente e ganhou nome, gravidade. O mesmo acontece com cada um de nós quando, caindo em si, descobrimos que somos SERES humanos. O que tem depois é o que já estava ali antes, só que ainda não estava evidente, não estava óbvio. E neste caso, devido a cultura religiosa, o nome vem antes da descoberta, espírito.
Eis que surgem duas espaçonaves no ambiente, uma em forma de bolo, feita de pão de mel, outra em forma de tijolo, feita de sorvete. Imediatamente nos armamos com colheres e começamos a lutar por nossas vidas. Não é uma luta fácil, pois a vitória consiste em devorar o inimigo. Mesmo assim, meia hora depois, a destruição é completa. Vitoriosos e arrogantes, partimos deixando os destroços, ou seja, sem lavar a louça.