Era uma vez agora. Era duas vezes agora. Era três vezes agora. Era agora e sempre.
Você acorda como de costume, toma café como de costume, veste os sapatos como de costume e vai trabalhar como de costume. Entra no ônibus como de costume e chega no escritório como de costume. Olha na agenda como de costume e vai para reunião como de costume. Senta na cadeira como de costume, pega uma caneta e um bloco de papel como de costume e se entorpece com a eloquente fala dos colegas de trabalho como de costume.
De repente, por algum motivo que não de costume, você se dá conta que tudo o que está acontecendo é como de costume, mas você não se sente acostumado como de costume. Você se sente incomodado. Quase irritado com o que está acontecendo. Há uma caneta na sua mão, você pode sentí-la. Será que pode? Será que é caneta? Para aliviar sua angustia, eu retiro a caneta da história. Você se concentra no bla-bla-bla dos colegas. É linda a arquitetura musical da conversa, mas todas as palavras lhe parecem vazias. São como bolhas de sabão que explodem ao se chocarem com seus tímpanos. Você volta a ficar angustiado. Eu retiro o som da história.
Agora seus colegas gesticulam e mexem a boca, mas você não escuta mais as palavras. Você se pergunta sobre aquelas pessoas. O que estão fazendo ali? Será que estão mesmo ali? Quem são? Por que pessoas? De que se tratam? Um bando de corpos se mexendo com uma convicção frenética. Por que corpos? Que convicção? Eu retiro as pessoas da história. Aproveito e retiro a mesa, as cadeiras e todos os outros objetos que montam o cenário da sala. Você fico sozinho na sala vazia de objetos, de frente para uma porta. Você pensa em abrir a porta como de costume. Mas será que é porta? Ou será que é só costume? Eu retiro a porta da história e deixo apenas você, as paredes, o chão e o teto.
Você se sente calmo. Anda sobre o chão. Dá alguns socos de leve nas quatro paredes. Parecem sólidas. Mas são feitas de tijolos ou de costume? E os tijolos são feitos de que? Eu retiro todo o cenário de costume da história. Ônibus, café, manhã, sol, chão, parede, tudo. Deixo apenas o pensamento. Você pensa. Será que estou pensando? Se estou pensando, logo, existo. Penso, logo, existo. Será que existo? Quem sou eu?